sábado, janeiro 31, 2009

Vésperas do Ragnarok

«Exxon Mobil sets record with $45.2 billion profit».


Antigamente, uma empresa devia dar lucro, lucro bastante à sua existência e desenvolvimento. Porém, a partir de certa altura, o lucro bastante não chegava: uma empresa tinha que dar não apenas lucro, mas lucro fabuloso, uniformemente acelerado. Uma empresa devia crescer, aumentar, alastrar como um câncro ou uma mancha fagocitária. Empresa que não crescesse, morria; empresa que não absorvesse outras em regime ávido é porque estava em vias de ser absorvida (ou, por algum outro modo automático, justamente exterminada). Esta crença feroz tornou-se uma espécie de lei da selva económica. A essa bulimia canibal celebrada por animistas ululantes do lucro inefável, do investimento transcendental e da criação de riqueza ad-nihil e para coisa nenhuma, chamaram pomposamente "Mercado". Mais que um deus reitor, é tótem sanguinário, volúvel e caprichoso. "Conquistar o mercado", fito supremo do frenesim global, passou a traduzir-se tanto num jogo como numa corrida de espermatozóides onde os concorrentes se ultrapassam à medida que se devoram. Onde avançam na proporção em que eliminam. Em suma, onde ganham na medida em que prejudicam, onde lucram na medida em que arruinem.
Tudo isto não representa senão o corolário do abandono do mundo da justa medida pelo hipódromo da injusta desmesura. A usurpação do equilíbrio natural pelo artifício matemático e contabilístico. A sujeição derradeira da palavra ao número, do teatro (o palco do sublime) ao circo (a arena da crueldade), do pensamento ao espectáculo, em síntese: do logos à ratio.
O estádio actual do "ganhar a qualquer preço" não reflecte senão isso. A ganância desmedida do, mais que ganhar tudo, ganhar sempre é aí que imbrica. Mas a infâmia deixa rasto. Do lucro bastante, passou-se ao lucro fabuloso e, finalmente, chegou-se ao lucro obsceno. É o zénite deste que anuncia não o céu mas o abismo, o báratro adiante. À medida que se ergue, a torre descomunal engendra à sua volta o deserto. Depois, espelhando-se na desolação, resta-lhe o fado de Narciso. Em algo a Besta emula o cisne: no canto.


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