AVISO: Este postal não é recomendável a leitores facilmente sugestionáveis. (E deve ser precedido da leitura destoutro aqui, sob pena de não fazer completo sentido).
Também tenho, não propriamente um amigo, mas um inimigo, um tipo bizarro que, segundo conta o Caguinchas e corroboram todos aqui na tasca, digo cibertasca, tem um namorado. O namorado também tem três pimpolhos, embora a malta suspeite que não por muito tempo. Adiante todos perceberemos porquê. Voltando ao meu inimigo, descobriu, aqui há uns anos, que dum ponto de vista, digamos romântico e sexual, preferia o canibalismo, ou seja, não se contentava de comer metaforicamente o objecto desejado: tinha que devorá-lo também materialmente. Ao que parece, não o contentava que a relação fosse apenas uma relação, tinha que ser também uma refeição. Ambicionava refastelar-se. Em suma, sofisticou-se. Um ímpeto vanguardista irresistível apoderou-se dele e desenfreou-o às maiores audácias.
Talvez por isso, a mera antropofagia dos ancestrais, que algumas tribos da Nova-Guiné, dizem, ainda praticam como há mil anos, armando espeto ou grelhador, enfastiou-o rapidamente. Que coisa sensaborona e entediante! Incendiado de fantasias cada vez mais obsidiantes e avançadas, não tardou a descobrir o nicho cultural que mais lhe convinha (e onde desde essa data vem nidificando): dedicou-se ao canibalismo escatofágico, tornando-se uma espécie de cagossuga fogozíssimo. Tomado dessas voracidades, viram-no peregrinar restaurantes na companhia de parceiros obesos particularmente glutões, a quem empanturrava de comezainas e manjares laxantíssimos, duas horas antes de os conduzir à retrete conjugal. Uma vez aí, imagina-se a que amorosíssimos e repugnantes festins não se devotou, com que mingaus fétidos não regalou os peculiares apetites, que empreitadas voraginosas não levou a cabo. Basta recapitular os tremendos contentores paquidérmicos em que sistematicamente refocilava e saciava momentaneamente a gulodice. Até que um dia, ao que consta, após uma sessão prévia de flatulências afrodisíacas que o deixaram singularmente excitado, terá comido um amante que, além de diarreia crónica, padecia de hemorróides agudos (estava a modos que menstruado). Foi assim que provou sangue, o meu inimigo. E gostou. Minto: não gostou, adorou cada instante, venerou cada segundo. Algo na mistura de merda e sangue o tranportou, por foguetão expresso, senão mesmo TGV, a outra galáxia.
Desde então, a escatofagia viu-se enriquecida com o vampirismo. Quer dizer, além de comê-los e snifá-los, aos namorados, também os bebe. Formidável e polifacetado três-em-um, empanzina-se, droga-se e embriaga-se neles. Enfim, um cidadão exemplar. Comendador e laureado.
Quanto ao seu namorado actual, apaixonou-se por ele (pelo meu inimigo) depois de decénios de relações infelizes com mulheres, donas-de-casa obtusas todas elas, maníacas da higiene e das limpezas sem excepção, marechalas do lar ainda por cima. E que, para cúmulo, não achavam piada nenhuma a que ele defecasse pelos sofás, golfasse pelas alcatifas e cismasse de urinar de pata erguida contra as paredes, à moda cínica. Em resumo, bruxas repressoras e inibitórias, sem qualquer motivação para o arrulho, a faguice e todas essas dulcinóias tão inerentes aos espíritos delicados com vísceras altamente perfunctórias. E sensíveis.
Não sei se o meu inimigo e o namorado almejariam casar. Mas imagino. Efabulo. Dava-me jeito à arenga que sim. Entretanto, suspeito que gostariam de fazer uma série de coisas típicas dum casal, sem terem que esconder-se atrás de sebes, demandar matas cerradas, túneis recônditos, grutas naturais, ou, o que ainda é mais deprimente, barricarem-se em sanitários públicos a desoras. Já não falando no mais humilhante e mutilador de tudo: ficar em casa. Quase de certeza, acho eu, o meu inimigo gostaria de andar com o namorado pela trela, na via pública, nas alamedas e jardins, eventualmente nos centros comerciais e hipermercados, sem que isso fosse considerado "obscenidade", "exibicionismo", "provocação", ou até "nojice" (nem, tão pouco, "pecado"). Pois se qualquer cão, até rafeiro, pode defecar na rua e ninguém vê nenhuma aberração nisso; se qualquer casal cão/dono pode ter uma relação plena e saudável ao ar livre, um largando a pérola com visível ademane, o outro recolhendo-a com manual volúpia e enluvada ternura, então, porque raio, porque diabo, porque carga de água das malvas, ó corações graníticos, não podem, o meu inimigo mais o seu lulu, desfilar em idêntico requinte, coroados na magna vantagem da recolha ascender de manual a oral, acrescentada do bónus de não deixar nódoa nem odor?!... Será que os humanos têm menos direitos que os caninos? Será que o que se tolera aos animais irracionais não pode tolerar-se às pessoas modernas e evoluídas?...
Por causa destes trogloditismos obscurantistas, o namorado do meu inimigo continua a desbordar-se de preferência no armário e hesita em assumir diante de todos tão pipilante, maviosa e pulcra relação; titubeia, vacila e gagueja na hora de exibir tão fremente, pungente e edificante romance aos filhos e ao conselho de administração a que preside. Borra-se de medo quando apenas deveria borrar-se de prazer e por prazer. Chega até a borrar-se sozinho, desperdiçando assim o melhor da sua vida com angústias, dúvidas e terrores. Pelo menos é o que diz, queixando-se amargamente, o meu inimigo. Lastima-se sinceramente dum tal prejuízo e não menor contrariedade. Aprecia o néctar fresco, como o leite ainda quente à bica da têta. Que só assim preserva, diz ele, além das propriedades nutritivas, a eficácia afrodisíaca, o efeito psicotrópico e libidogéneo, o valor afectivo. Para além disso, detesta comida requentada e, sobretudo, abomina que o namorado se veja na contingência de usar fraldas de castidade e rolhões herméticos de segurança. Em pleno Século XXI, é uma aberração inadmissível!, proclama. "E o stress - indigna-se - o stress arruína o PH da substância de qualquer relação!..."
É meu inimigo, porque os inimigos do Engenheiro Ildefonso Caguinchas meus inimigos são. Mas diante dum tal quadro de drama e tragédia, perante tão severa e desnaturada clandestinidade, até eu, e o Caguinchas e toda a tasca, digo cibertasca, em coro comigo, perguntamos: será mesmo necessário fazer sofrer assim, com desumanidade tamanha, pobres infelizes destes?... "Caos, merda, família", não é um lema supimpa e tão bom como outro qualquer?...
39 comentários:
Excelente "post" caro Dragão.
El Dragoníssimo!
Que pena que esse antro de devoradores não tenha uma caixa de comentários. Queria "alçar a pata" e lá fazer uma "mijinha", afinal os câes têm mais direitos que os humanos? Parece!...
Looooool!
César (José) Augusto (Agostinho) Dragão (Macedo).
Se dúvidas houvesse, Imperial Amigo...
E faço minhas as Suas Exemplares Palavras:
_ «É meu inimigo, porque os inimigos do Engenheiro Ildefonso Caguinchas meus inimigos são.»
Abraço.
Andas a censurar demais!
Com tantos comentários censurados deves pertencer ao SIS a espiar na blogosfera para o que der e vier...
Tudo porque te chamei minorca, vejam lá!
AHAHAH :))
Terrível este texto, mas impossível não o ler até ao fim.Mais uma vez parabéns pela habilidade!
Cá está um post verdadeiramente esfincterbúlico!
ó Lagarto, desculpa mas não acredito que o Dragão faça censura.
Ele não é o Jansenista, que andou por aí a insultar e quando lhe "bateram" à porta fechou os comentários.
E a maior vítima desses insultos foi o Pedro Botelho.
Boa tarde!
Estas são as notícias:
- As relações políticas entre os Estados Unidos e a Venezuela não são as melhores, mas as relações económicas, essas, vão muito bem.
Assim, o maior cliente do petróleo venezuelano são, os Estados Unidas da América.
Quase metade das exportações venezuelanas tem como destino os Estados Unidos.
O maior número de importações da Venezuela tem como origem, os Estados Unidos da América.
O comércio bilateral entre Estados Unidos e Venezuela mais que duplicou nos últimos quatro anos, situando-se agora em valores que rondam os US$47 biliões.
Isto suscita-me algumas reflexões:
- O Socialismo é muito bonito.
- Eu gosto muito do Socialismo.
- Os «crentes» não cessam de me espantar.
- Os EUA são o grande «farol da liberdade e da democracia»
LoLoLoLoLoLoLoLoLoLoLoL
Rezo para que seja vosselência, caro Leclercq!... :O)
Bons olhos o vejam.
Este blogue andava a ficar sorumbático.
E, de facto, o socialismo a petróleo é catita. Um case-study para o doutor Timshel. :O)
E a "lberdade e democracia" pela trela, ou pela arreata, conforme preferirem, também é cool.
Viva o Coronel Tapioca! Viva o general Alcazar!
Dragão
Dragão
O Já-Chula e o Leiteiro de Chelas são ambos o Leclercq.
«O Já-Chula e o Leiteiro de Chelas são ambos o Leclercq.»
Engana-se.
Não li o texto até ao fim porque é francamente desagradável, mas enfim, é o estilo do Dragão e é não por isso que deixarei de aqui passar (ou de ler o seu livro até à última página).
O que é curioso é que a destinatária do texto deve ser daqueles intelectuais de esquerda que deliram com Pasolini e em especial com o seu execrável "Salò" que, a pretexto de criticar a República Social Italiana, envereda pelos mais degradantes e nauseabundos (literalmente) momentos da história do cinema. Não sei se foi a pensar nisso que o Dragão escreveu este postal "ma è bene trovato".
O F. Santos fez-me lembrar que há alguns anos atrás (74...75...) saí disparada da sala de cinema onde passava o execrável Salô, exactamente na altura em que ia iniciar-se essa refeição nauseabunda. Desde essa altura associo o nome Pasolini a essa escatofagia e derivados.Apenas o facto de lhe admirar a mestria na escrita, assim como à sua surpreendente imaginação, me levaram a chegar ao fim do texto , não obstante as devidas franzidelas de rosto...
Mesmo assim não chega. A tara política é maior que o "caos, merda, família".
Apetecia uma reposição daquele post do mundo barbie, incluindo-lhe agora a doação de sangue contaminado e até o anti-especismo da homossexualidade ecológica que também já defendem. Esse projecto lemming ainda é o mais valioso. Só é pena que não dêem o exemplo.
Caro F.Santos e A.Cruz, o Pasolini, a mim, não me diz nada. Nunca perdi tempo com isso. O naco de prosa em epígrafe é, como devem calcular puro exercício de Humor negro. Muito negro mesmo. Tem uma função que me parece óbvia, que é extrair as devidas consequências duma certa "banalização da aberração" que, tudo indica, está em marcha nas "sociedades ocidentais modernas e sofisticadas". E a radicar,radica não em subprodutos como Pasolini, mas na fonte original: Sade. Pelos vistos, o profeta do nosso amanhã pipilante, se é quem não já do nosso presente festivo.
Isto já não vai lá com alegorias soft. Tem que se mostrar o espelho a Medusa.
Dragão
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Os desvios sexuais continuarão a existir e não se vão transformar em pedra confrontados com as suas próprias aberrações.Os regimes começam a tolerar o que não conseguem resolver e, principalmente, contabilizam todas as possibilidades de votos.Que fazer? Por mim voto-os à maior das indiferenças.
Nunca vi tanta estupidez junta. Mas, enfim, é instrutivo.
A estupidez não é instrutiva seu presunçoso!
Depende sobre o que é que nos queremos instruir. Não seja totó!
Ah já percebi quer adquirir Formação nessa matéria. É simples, olhe à sua volta, absorva o espírito do nosso povinho e já está, fica logo embotado. Umas horinhas de TVI ou SIC também ajudam. Ah! Ah! Ah!
Não tenho televisão. O Dragoscópio e os seus comentadores servem muito bem. Bem haja pelos seus comentários. Não desista nunca.
Agora temos a fase Beckett e avançamos para o absurdo...
Ah! O absurdo! É tudo aquilo a que um pastor aspira! Não é que o Anónimo está a tentar mostrar que conhece agricultores de renome?
Pois é, sou uma exibicionista, uma convencida e só porque citei o dramaturgo. Não seja preconceituoso.
??????
Nós, os pastores, somos simples e directos. Um cão é um cão, um campo de arroz é um campo de arroz. Uma oliveira é uma oliveira e assim por diante. Enjoativo, monótono, repetitivo, que se há-de fazer?
Graves problemas são detectados no comentário do Dragão. Outra coisa não seria de esperar, um dragão está, pela sua própria índole, excluído da natureza.
Ah! O Anónimo é uma Anona, perdão, Anónima. Sendo assim, retiro tudo o que disse. Eu sou um pastor, mas acima de tudo um cavalheiro
E desculpe a ignorância. Pensava que o Beckett era um agricultor e não um dramaturgo.
Parece que o dragão apagou o fogo e o comentário...
Pois é você é um cavalheiro tanto quanto eu sou uma anona, aliás chirimóya em castelhano...
Adorava ficar a debater...a cultura e isso, mas um pastor, como a menina deve saber, deita-se com as galinhas. E já é tarde...
Então adeus, prazer em bater-lhe, quero dizer debater.
http://ocatilinario.blogspot.com/2007/06/famlia-alternativa-e-sr-f.html
Deriva deste post do Dragão e também está muito bem visto.
Isso não é novo, pastores que se deitam com as galinhas...
Parece que debaixo do sol não há nada de novo, já lá dizia o outro.Até eu sei disso, benza-o Deus! Os comentários continuam fantáticos!
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