O progresso e a modernização, primeiro, desertificaram os campos e as aldeias. Depois, paulatinamente, têm vindo a desertificar as grandes cidades. Lisboa, exemplo clamoroso, é uma pungente montra disso mesmo. Aos poucos, vai-se esvaziando de gente e de memória. E tal qual a antiga metrópole dum império devém necrópole de sonhos e ideias, também a sua emblemática capital, de sala de visitas, descamba em sala de embarque zombie. A noite, sobretudo, é esclarecedora: espectros e pré-fantasmas aguardam despejo, apodrecem diante de televisões ou jazem embrulhados em papelão e farrapos, sob abrigo de túneis ou arcadas. Está cada vez mais lúgubre a minha terra. Num tempo em que as pessoas vão petrificando por dentro, resta às pedras que assistem, cá fora, impotentes, chorar.
Há pois uma questão que se torna incontornável: em que consiste realmente essa tal "modernização que canta"? Bem, tudo indica que consiste, fisicamente, em acantonar a população num imenso subúrbio (excepto, naturalmente, a nomenklatura jet-seita reinante, mais a sua insaciável corte de serviçais e bobos de serviço); e, psicologicamente, em terraplenar toda a cultura, justiça ou tradição (ou mera hipótese de qualquer uma delas) a uma pardacenta - e sórdida - mentalidade suburbana.
Para aqueles que tanto gostam de contrapor, triunfalmente, a modernidade ao feudalismo, a "idade das luzes" à "idade das trevas", a ciência à religião, e ufanarem-se da evolução e libertação que foi, fica todo um trajecto épico, toda uma saga maravilhosa que, caso usufruissem dessa faculdade mental, convinha que reflectissem: a da indústria salsicheira celestial que recauchutou os servos da gleba em servos da banca.
7 comentários:
Sim um subúrbio, mas não é só físico é também e essencialmente psíquico e espiritual.
Não se pensa, sente-se e vive-se apenas uma vida virtual e televisiva, pois a verdadeira vida é já bastante penosa, ou pela escravidão de um trabalho cada vez mais exigente precário e mal pago do qual não se pretende que ninguém se liberte, frequentemente num ambiente de intrigas, invejas e graxas. Ou ao invés, para fugir da dura realidade do desemprego e da aparente inutilidade!
Os cargos de poder, esse são dados à canalha que pertence à máfia, os outros (os "burros"), ou seja quem realmente trabalha, esses só servem para executar ordens e fazer tarefas incómodas. E ai deles se falham!
Dragao, tens razao nesse teu disgnostico acerca da tristeza e pobreza de alma desta 'modernizacao'. Estas
enganado nas razoes profundas: tudo isso resulta dos trabalhos de trogloditas sem Ciencia, nem Iluminacao
alguma.
"a da indústria salsicheira celestial que recauchutou os servos da gleba em servos da banca."
O principio ja; tu bem conheces: os servos que sirvam, e' para isso que eles existem e ja' estao habituados.
MP-S,
A ciência enquanto busca de saber tem a dignidade inerente a um ramo da filosofia. E essa dignidade eu não lha tiro. Mas aí andamos ao nível da tese.
O pior é o nível da prática, quando a ciência resvala para mero instrumento do Poder. Aí já não estamos mais na ordem da sabedoria, mas na dimensão mágica. Por cada benesse quase divina, paga-se uma sobrefacturação apresentada pelo Diabo em pessoa.
Desde a revolução industrial, então, a coisa ganhou contornos de vórtice.
Naturalmente, a ciência enquanto mero instrumento é uma distorção da ciência. Mas como, cada vez mais, está sujeita e pré-determinada pela lógica do lucro e da hegemonia que o permita...
Dragão
Bem, o anterior só para especificar que a ciência não é diáfona, inocente nem angélica. Nem a ciência, nem a filosofia nem a religião, porque todas elas foram insrumentalizadas (e continuam a ser) ao longo da História.
Em todo o caso e por via disso mesmo, só a imbecilidade militante e consumptiva pode elaborar as famosas contraposições ciência/religião ou filosofia/ciência. Esse é um discurso, típico e irrecuperável, de seita religiosa, de gangue intelectualóide, de mentecaptocratas profissionais. Mas, infelizmente, é o que mais abunda por aí.
Dragão
E segue para link!
Terraplanar toda a cultura, justiça ou tradição..., grande e justíssimo texto, Dragão!
"Nosso triunfo foi ainda facilitado pelo fato de, nas nossas relações com os homens de quem precisamos, sabermos tocar as cordas mais sensíveis da alma humana : o cálculo, a avidez, a insaciabilidade dos bens materiais, todas essas fraquezas humanas, cada qual capaz de abafar o espírito de iniciativa, pondo a vontade dos homens à disposição de quem compra sua atividade.
A idéia abstrata da liberdade deu a possibilidade de persuadir ás multidões que um governo não passa de gerente do proprietário do país, que é o povo, podendo-se mudá-lo como se muda de camisa.
A removibilidade dos representantes do povo coloca-os à nossa disposição ; els dependem de nossa escolha."
Os Protocolos dos Sábios de Sião
Os Sábios de Sião são panascas
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