quinta-feira, julho 21, 2005

Traduções do populês



O assessor que afinal não era assessor - ou não bufarinhava, de momento, nessa qualidade - apresentou-se aos trabalhadores em risco –pior: em ressaca consumista – eivado de maviosas motivações e cadernos de encargos autárquicos.
O povo, porém, apercebeu-se rapidamente do logro e, justamente indignado com a desfaçatez estanhada do político, à falta de melhores audácias, zurziu-lhe as auricolas. O ilustre peregrino saiu de lá com elas a arder. Uma boa sova teria sido mais adequada e pedagógica, mas, enfim, sempre foi melhor que coisa nenhuma.
A tradução do que o povo, na sua linguagem cifrada, vociferou, é o que passo a transcrever:

Trabalhadora 1 – Como?! Então não vem apresentar aqui uma solução milagrosa?! nem um fundo de emergência, sequer?! Tenho prestações para pagar, gaita! Com certeza não quer que o meu filho vá para a universidade de transportes públicos, pois não?! Não é menos que os outros, filhos dos doutores e engenheiros, ora essa. Voltámos ao fáxismo, ou quê?!...

Trabalhadora 2 – Filho duma grande p***! Já tive que entregar a mota d’água e a caravana! Será que não há limites para a desavergonha?! A seguir é o quê? As aulas de ballet da minha Vanessa? O andar do meu Francisco Bernardo Eugénio? A piscina, o barbecue?!...Mas ninguém quer saber de nós?!...

Trabalhador 1 (tonitruante) – Então eu, já com hotel marcado em Varadero, adio o embarque para vir aturar um paspalho destes, ainda por cima em campanha?!... Apetece-me é dar-lhe já com este Nokia 3G nas trombas!...Mais uma gracinha destas e não leva com o Nokia, mas, no mínimo, atiro-lhe com o Samsung às ventas!...

Trabalhadora 3 – Isto quer dizer que vou ter que adiar mais uma vez a plástica às mamas?!...É inadmissível! País pindérico!

Trabalhador 2 (escandalizado) – É preciso descaramento! Com que cara digo agora à minha Tânia Cláudia Ursula que já não pode ir este verão no cruzeiro pelo Mediterrâneo?!...Tem que se contentar com um weekend nas Maldivas!... Cabrões!...gatunos!

Trabalhador 3 (ao telemóvel) – O quê, filha? Está anunciado um furacão aí em Cuba para os próximos dias?... Cancelas?!...Qual cancelas, qual carapuça! Reserva-me mas é já uma suite no melhor hotel! Estou aí depois de amanhã! É só o tempo de arranjar um empréstimo desses telefónicos e largar os cães na auto-estrada!... pena que não seja um tsunami!...Como é que se chama?...(Desliga e desata a correr).

Entretanto, não pude acompanhar os restantes depoimentos. Interpuseram-se imagens renitentes de um país a arder. Pareceu-me o meu, mas já não tenho bem a certeza.

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