Durante muito tempo, a sucessão pressupunha encadeamento: os sucessos, os eventos, os factos, decorriam de outros que os precediam, causavam ou pré-determinavam; os acontecimentos inseriam-se num fluxo cósmico, histórico ou meramente mecânico. Parte manifesta dum Todo finito e orgânico -e, por conseguinte, compreensível, abarcável-, podiam ser explicados e compreendidos. Mais que quantificados, esses eventos, eram, então, qualificados, ou seja, definidos pelas suas propriedades e relações. Esse era um tempo de mitos, filosofias, poesias, histórias, religiões. Entretanto, tudo se alterou; tornando-se infinito, incomensurável, o universo tornou-se também inexplicável e, por consequência, incompreensível. Hipercomplexo, não pode ser mais contido numa história simples ou num qualquer paradigma ou fábula heróica. Labiríntico para lá do imaginável, nenhum fio lhe resiste. A ligação e o encadeamento esboroaram-se e perderam-se, quiçá, irremediavelmente; a sucessão dos acontecimentos deixou de ter qualquer nexo ou harmonia hereditária. Mais que suceder, cada novo evento depõe, usurpa e apaga o anterior; compete com milhões de outros simultâneos, rivais; emerge, destrona, disputa e dissipa-se. Num ápice, tão rápido quanto irrompe, é varrido, despenha. Tudo se resume a uma espécie de pirotecnia artificial nocturna: uma sucessão espectacular de assobios e explosões, concentrando basbaques e vigílias, obnubilando o céu e as estrelas. São milhares de foguetes não a anunciarem qualquer festa, mas a anunciarem outros foguetes, foguetes atrás de foguetes, anúncio do próprio anúncio, prelúdio perpétuo de coisa nenhuma. E o que falta em espanto, sobra em deslumbramento e estupefacção. A multidão, essa, pasma e embrutece. Diante de fervilhar tão intenso, de balbúrdia tão cintilante, apercebe-se do absoluto que irrompe fulminante em cada novo evento e do vácuo mais retumbante em que se precipita no instante seguinte. Vazio, esse, que, consequentemente, tem que ser preenchido por novos eventos e eclosões. Atesta como os acontecimentos, longe de meramente se encadearem -como alvitravam mentes pretéritas e obsoletas -, apenas se multiplicam. Percebe como, imune à explicação, o mundo é agora unicamente sensível ao cômputo, ao cálculo, ao balanço parcial. Cada evento, mais que a propriedade e a relação, importa, doravante, segundo o valor que apresenta. Este, pasme-se, confere-o a notícia. Acontece, de facto, o que é notícia. Isso é, na verdade, o que sucede, ou seja, o que emerge, ascende, irrompe. O resto, que borbulha e fervilha sob essa nata privilegiada, culminante, aspira por suceder, por ascender à superfície, por explodir no firmamento incendiado e flamejante. O Homo-blobglob, aliás, sabe que existe, que acontece, que ainda está vivo, pelas notícias. Na medida da importância em que o noticiário o reflecte e situa, assim se revê. A imagem que tem de si próprio, a sua auto-estima, os parâmetros do seu pensamento, dependem intimamente das notícias. Flutua com as bolsas e as cotações, angustia-se com as estatísticas e orçamentos; desespera com vaticínios e augúrios para a conjuntura internacional. Ainda por cima, cada nova notícia/evento, apesar de fugaz é sempre retumbante, apocalíptica, definitiva, única. E é também por tudo isso que ele, o indivíduo Blobglob, na maior parte dos casos, se reconhece na massa, donde não se demarca nem diferencia, onde chafurda e se resolve, onde fervilha e fermenta à espreita de uma oportunidade, de emboscada entre a fortuna e o acaso; aguardando, com avidez, um impulso, um jacto, um géiser que o projecte à superfície, à crista dos acontecimentos. Nesse limbo exasperante onde vermibula reside grande porção do pântano do seu descontentamento crónico. Atascado nele, mais que sonhar, planeia, conspira, anseia engrandecer-se, granjear notoriedade, dar brado e notícia, tornar-se motivo de novidade e interesse. Para o efeito, pratica uma nova e furiosa ascese: depura-se, liberta-se, emancipa-se de todos e quaisquer escrúpulos, princípios ou ideais. Redime-se de todas as ingenuidades e canduras. Reduz-se a mera máquina volitiva, aspiradora, haurifegante. Tenta vencer o pântano pela absorção.
5 comentários:
Excelente.
Mas também há os outros. Os que, sabendo disso, da inevitabilidade cacofónica e pluribunda da condição de Bloglog..Blobblob..(puta de palavra do caralho, foda-se ó Dragão) dessa merda, que atinge os seu conterrâneos,
têm tino, fôlego, estômago e tomates para escrever e rir até ao último trago do cálice que se desafia a ser bebido.
Quê?! Vai ao "café"?
Hyeronimus no seu melhor!
Curioso...este Bosch é a capa de um dos primeiros discos dos Deep Purple! Tal e qual! Na altura( 1969) era um dos expoentes do rock sinfónico por via da destreza de Jon Lord.
que grande texto Dragão! que excelente texto!
ao tempo que ando com ideias parecidas. E não foi preciso o homoblogo, a coisa nasce com mesmo com o noticiário, com o alimento do factual. Deve ser por isso que sempre disse que nunca poderia ser jornalista ":O))
e lembro-me que num daqueles primeiros debates sobre o big brother em que havia todo o tipo de "teórico" convidado, insistiam muito nessa ideia. Os desgraçados fechados ali dentro sem estarem a par das notícias do mundo não podiam ter assunto para falar.
Que ideia mais parva. Como se fosse possível produzir pensamento sem nos afastarmos dos factos...
Excelente e... inolvidável!
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