«(...)O mais célebre destes jornalistas muito especiais, Hérbert, excitava diariamente com o seu Père Duchêne os mais baixos instintos da populaça e injuriava as vítimas imoladas. Nas imediações do Palácio de Justiça ou nos jardins do Palácio Igualdade os vendedores anunciavam como "a maior alegria do Père Duchêne" as noites em que o tribunal mandava para o cadafalso uma "fornada" especialmente importante ou alguma cabeça célebre. Um dia, relatando uma série de condenações à morte, escreveu: "Os cidadãos doram amnistiados... só as cabeças é que não."
Hérbert forjara uma figura, com a qual acabou por se identificar, com o auxílio de dois acessórios, os pipos e os fornilhos dos cachimbos, e graças a algumas pragas, como "bestial!" e "chiça!", que apareciam sem cessar nos seus discursos "bestialmente" patrióticos. A carroça de Samson*, que baptizara a "carroça das trinta e seis janelas", transportou-o por seu turno em 24 de Março de 1794, para ir "jogar ao frio ou quente" e "olhar pela lucarnazinha".
Apesar de ter feito dele um dos seus ídolos, a populaça explodiu de alegria ao saber da sua prisão. Organizou-se uma autêntica festa no percurso da carroça e o "observador de polícia" Perrières assinalou à noite no seu relatório que "quatrocentas mil almas" tinham acompanhado a carroça ou assistido à exceução. Os assistentes pediram ao carrasco um favor especial, que obtiveram. Quando Hérbert teve o pescoço na luneta da guilhotina, o carrasco não fez cair o cutelo imediatamente, como de costume; esperou uns segundos, para que toda a gente pudesse ver a cabeça do Père Duchêne "à janelinha". Entretanto, a multidão gritava "Viva a República!" e os homens faziam "girar os chapéus".
Diariamente vendia-se também a lista dos condenados do dia, que os vendedores apregoavam descontraidamente: "Lista dos premiados de Santa Guilhotina!"
Finalmente, o Boletim Criminal Revolucionário fornecia a relação de todos os processos, mas publicava-os com um bocadinho de atraso em relação à imprensa privada. Saíram 559 números.
Estes apelos contínuos à crueldade encontravam naturalmente numerosos ecos. Durante meses ninguém se preocupou, entre o povo, com os excessos de dia para dia mais sangrentos da guilhotina. Pelo contrário, corria-se em magotes para o espectáculo.»
- Jacques Delarue, "Le Métier de Bourreau" (trad. port. Livros do Brasil)
Da Revolução Francesa, mais a sua jacobinite aguda, o que triunfa não são as ideias beneméritas de Liberdade, Igualdade e muito menos Fraternidade. Essa, invariavelmente, é a confeitaria com que se isca a estricnina. A realidade, de facto, é bem menos prosaica. A "república moderna" que eclode daquele ovo de basilisco anuncia e celebra não três novas ideias, mas três novos tiranos (que a massa não mais deixou de padecer e idolatrar até hoje): a máquina, a propaganda e o espectáculo.
* - Nome do Executor público (ou verdugo).
4 comentários:
Excelente, Dragão. Excelente- a máquina, a propaganda e o espéctáculo- é isso mesmo.
Excelente citação, Drago. Há camelos que só vêem para um dos lados da verdade e não percebem o todo o horror das perseguições e das execuções.
Voltaire borrar-se-ia de merda se visse o que os seus descendentes de ideologia puseram em prática.
Na verdade, os espíritos tolerantes são raros como a piça.
O que não falta é anónimos cabrões e paneleiros no mau sentido, sem ofensa para os paneleiros no bom sentido.
Excelente, Dragão.
O espírito jacobino e judaico da "justiça" foi aqui muito bem esclarecido.
Talvez alguêm que ande por aqui possa aprender alguma coisa com isso, mas muito sinceramente duvido.
daaa-sssse:
alguém!!!!!
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