Entre 1688 e 1847, uma única família contribuiu com sete gerações para as insignes funções de "carrasco de Paris": a família Sanson. Os postais que se seguem são retirados das memórias dessa lúgubre dinastia, coligidas e apresentadas por Henri Sanson, o último desses tanatófices.
«Felizmente, vinha a casa de meu avô, havia algum tempo, um mecânico alemão chamado Schmidt, a quem ele tinha algumas vezes contado o seu embaraço e o do Dr. Guilhotin. Este Schmidt, então fabricante de cravos, era muito hábil em mecânica e músico apaixonado, como quase todos os seus compatriotas. Tendo travado relações com o meu pai por causa de alguns instrumentos que lhe vendeu, acabara por as cultivar, quer vindo afinar o cravo, qur trazendo o que lhe pediam para outros instrumentos. O gosto da música acabou por ligá-lo a Charles-Henri Sanson, que também era melómano, e tocava muito bem violino e violoncelo; o repertório de Glück não tardou a pô-los em acordo perfeito.
Vinha, portanto, Schmidt muitas vezes tocar cravo, enquanto Charles-Henri Sanson fazia gemer o seu violino ou suspirar o seu violoncelo. Ora, certa noite, entre uma ária de Orfeu e um duo de Ifigénia na Áulida, mudaram de instrumentos, se me é permitido este horrível trocadilho, e meu avô voltou àquele cuja forma buscava com tanta perplexidade.
- Espere, creio ter encontrado o que precisa; pensei nisso, respondeu Schmidt.E pegando num lápis fez rapidamente, em meia dúzia de traços, um desenho:
Era a guilhotina!
A guilhotina, com a sua lâmina de aço cortante, suspensa entre dois postes, e que o simples manejo duma corda fazia mover; o paciente amarrado, a todo o comprimento, a uma prancha de báscula, de tal maneira que, baixada essa prancha, o pescoço daquele se encontrava justamente no lugar onde a lâmina vinha bater ao cair. A dificuldade estava vencida, o problema resolvido; Schmidt tinha enfim descoberto o meio de executar o paciente na posição horizontal e de o pôr em condições de não poder fazer falhar a execução.
Charles-Henri Sanson não conseguiu reprimir uma exclamação de surpresa e de prazer.- Eu não me queria meter nisso, porque, sabe, é a morte do próximo; mas via-o tão apoquentado... E se repetíssemos aquela ária de Armida que tcamos no outro dia?!...
- Da melhor vontade, meu bom Schmidt! - respondeu meu avô, compreendendo que ele queria afastar do pensamento uma ideia desagradável.
E o cravo e o violoncelo puseram-se a tocar com mais força.»- H. Samson, "O meu ofício é matar - Memórias do Carrasco Sanson"
Charles-Henri Sanson, é bem sabido, viria a obter na guilhotina um virtuosismo ainda maior do que no violoncelo. Há quem diga até que foi o maior intérprete de violoncéfalo que alguma vez existiu.
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