quinta-feira, abril 13, 2006

Ostras e pérolas



(Para a semana, retomaremos as conclusões e considerandos acerca da nossa "Experiência de Campo". O grande assunto tabu fica em banho maria até lá. Para já, rendamos homenagem a temas bem mais interessantes e, sobretudo, bem mais importantes.)

«Logo a primeira expressão "cristianismo" é um mal entendido - apenas existiu um cristão, e esse morreu na cruz. O "Evangelho" morreu na cruz. Aquilo a que, desde então, se chama "Evangelho", era já o oposto do que ele tinha vivido: uma "má nova", um "Dysangelium". É falso até à insensatez ver numa crença, ou seja na crença pela redenção pelo Cristo, a marca distintiva do cristão: a prática cristã, uma vida como a viveu aquele que morreu na cruz, apenas isso é cristão... Uma tal vida é, hoje ainda, possível, e para alguns necessária: o cristianismo autêntico, o cristianismo primitivo, será possível em não importa qual época... Não uma crença, mas um fazer, acima de tudo muitas coisas a não fazer, um modo diferente de ser. (...)
A vida do redentor nada mais foi que essa prática - a sua morte nada mais foi também que ela... Não necessitava já de qualquer fórmula ou qualquer rito nas suas relações com Deus - nem sequer a oração. Liquidou as contas de toda a doutrina judaica da penitência e da reconciliação; reconhece que é unicamente a prática da vida que permite o sentir-se "divino", "bem aventurado", "evangélico", sentir-se a cada instante "filho de Deus". Nem a penitência, nem a "prece pela remissão" constituem caminhos para Deus: só a prática evangélica conduz a Deus; ela, justamente, é "Deus"! - O que já não estava em circulação depois do Evangelho era o judaísmo das noções de "pecado", "remissão dos pecados", "fé" - toda a totalidade dos ensinamentos da igreja judaica era negada na "boa nova".
O profundo instinto do modo como se deve viver para o homem se sentir "no céu", para se sentir "eterno", enquanto que qualquer outro comportamento o impede de se sentir "no céu": é essa a única realidade psicológica da "redenção". - Uma conduta nova, não uma nova crença...
(...) O "reino dos céus" é um estado de alma - não qualquer coisa que sucede "para além da terra" ou "depois da morte".(...) O "reino de Deus" não é uma coisa que se espere; não tem ontem nem depois de amanhã, não vem daqui a "mil anos" - é algo sentido por um coração; está em toda a parte, não está em parte alguma...»

- Nietzsche, "Anti-Cristo"

É preciso abrir a ostra para encontrar a pérola. Tem muito -quase tudo - de ostra a filosofia de Nietzsche. E, claro está, não é para chapinhadores de charco, mas para mergulhadores de águas mais profundas. E perigosas.
Tome lá, cara MP, que lhe dou eu, porque também é uma pérola!... Com votos de uma boa Páscoa, para si e todos os seus.

Sem comentários: