Um mamífero ungulado de estirpe indefinida e pai incógnito (que suspeito, todavia, aparentado aos chibos), decidiu, pelos vistos, imolar todo o seu valioso lazer ao bizarro passatempo e doméstico lavor de me salmodiar inflamados zurros.
Pelo escarcéu das preces, acredito que tenha coisas muito importantes a rogar-me, quiçá milagres que alcancem resgatá-lo da sua deriva cavalgadurenga, ou poções mágicas que permitam enxertar-lhe faculdades racionais, ainda que rudimentares.
Lamentavelmente, não disponho dos meios que me permitam decifrar ou minimamente penetrar tão tosco e estrebariado idioma. Para ser franco, nem lobrigo bem se zurra, urra ou brame. Acredito que sofra, dado o resfolgar escrofuloso com que ocupa os intervalos.
Não obstante, peço-lhe encarecidamente, estimada e devota besta: não desespere. Vá zurrando. Tente ilustrar a jeremiada com linguagem gestual. Deve existir algures um dicionário de asnoguês, bem como uma gramática. Mal os descubra, ou algum jardim zoológico mos forneça, tentarei entender a língua e o respectivo dialecto. Já afixei anúncios em vários jornais. Senão, em último recurso, requisitarei os serviços de um tradutor, desses que por aí abundam, hiperactivos, pomposos, inexpugnáveis a qualquer tipo de humor. Não sei se sabe mas, aos poucos, voltamos às épocas douradas, fabulosas, em que os animais falavam. Ainda não falam, é certo, mas já blogam.
PS: Uma coisa, no entanto, já deu para perceber e creia que suscita a minha sincera piedade: o digníssimo asno foi –ou está a ser? – vítima de experiências médicas no hospital Júlio de Matos.
(e que Deus me perdoe, mas não resisti. Foi mais forte do que eu...)
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