Alexandre de Marenches é uma das mais míticas figuras dos Serviços de Informações Ocidentais do século XX. Director do S.D.E.C.E. (Serviço de Documentação Externa e Contra-Espionagem), entenda-se Serviços Secretos Franceses, desde 1946 até 1981, concedeu uma discreta entrevista em 1985 a Christine Ockrent, onde revela alguns detalhes curiosos da geopolítica mundial, entre os quais alguns que nos dizem particular respeito a nós, portugueses, e que passo a transcrever...
«(...) Um dos principais azares de Savimbi e da resistência angolana é o regime de Angola ser financiado em grande parte pelos rendimentos petrolíferos da Gulf Oil, a companhia americana que explora o petróleo no enclave de Cabinda.
Tínhamos fotografias que mostravam os engenheiros da Gulf Oil, em Cabinda, a embarcarem num avião militar cubano protegido por soldados comunistas cubanos armados. É um consórcio petrolífero americano de que fazem parte certos membros distintos da Trilateral, que ajuda a conservar no poder o governo mestiço pró-soviético de Angola...
É uma das contradições da história de um conflito importante. O dinheiro vem à frente de tudo para certos capitalistas que acreditam só no oiro. Ignoram a guerra revolucionária. Não a querem conhecer. (...)
O.- Em 1974, tinha informações sobre o que se preparava em Portugal, ou foi apanhado desprevenido pela revolução dos Cravos?
M. - A fraqueza dos regimes autocráticos ou ditatoriais reside no facto de eles assentarem sobre uma só pessoa, em geral na do fundador. Foi por isso que Hitler e Mussolini, chefes carismáticos muito populares em dado momento, não conseguiram dar continuidade aos seus sistemas, abstraindo das vicissitudes dos seus destinos, porque lhes faltava o elemento essencial que constitui uma filosofia, uma religião. O comunismo soviético tirou o modelo das grandes religiões. Tem, salvo o devido respeito, um papa, um colégio de cardeais, o Politburo, a assembleia dos arcebispos e bispos, o comité central e os seus secretariados especializados. tem também o K.G.B. que se assemelha "mutatis mutandis" à Santa Inquisição e que tem como uma das tarefas principais, se não a principal -não o esqueçamos - estar atento aos divisionismos que surjam e que podem degenerar em sismas. Como já aconteceu. É preciso compreender bem que a semelhança com a organização da Igreja católica é surpreendente.
Poderíamos acrescentar que tem igualmente os seus missionários e os seus mártires. A grande diferença é que a Igreja deles não tem Deus e estão perdidos por uma razão bem simpes. Vê-se que todas as Igrejas tiveram a prudência de não prometer a verdadeira felicidade senão depois da morte. Eles estão perdidos por terem prometido a felicidade sobre a terra, porque são incapazes de nos dar sequer uma amostra...
Para voltar ao canteiro dos cravos da revolução portuguesa, sabia-se, na altura, que o regime envelhecia ao mesmo ritmo que Salazar. Estávamos bem informados sobre a revolução que se preparava, não só em Portugal mas no seu império ultramarino: Angola, Cabo verde, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné e Timor. O enclave indiano de Goa já se fora. Angola, Moçambique e a Guiné portuguesa íam desaparecer e a parte portuguesa da ilha de Timor ia-se tornar indonésia.
O. - Os serviços franceses mantinham laços tradicionais com a PIDE, a polícia secreta portuguesa?
M.- O patrão da PIDE era um senhor B., que me visitava uma vez por ano.
Chegou uma manhã ao meu gabinete no aquartelamento de Tourells -ele tinha cultura francesa - e disse-me: "Paris é maravilhoso, está um tempo lindo, a vida é bela!". Era verdade, porque eu tinha aberto as janelas e os passarinhos cantavam. Disse-lhe: "caro Sr. B., sente-se." E pergunto-lhe: "Está ao coprrente do que se passa em Portugal?" Responde: "Não, que é que se passa?" Digo:"Há uma revolução." levanta-se como esticado por uma mola: "Não é possível!" -"Ora, não sabe?" Ele responde-me: "Não!"
Soube mais tarde que devia ter-se demorado num local idílico qualquer em França, ou talvez preocupações pessoais o tivessem retido longe de todo o meio de informação.(...)
O regime português, como todos os regimes denominados fortes, acabara por se atolar nos seus louros, tornando-se louco e cego. O exército português não representava nada. Para enviar homens para os territórios ultramarinos e os conservar, tinha-se feito um apelo aos oficiais milicianos, muitas vezes formados nas grandes universidades como as de Coimbra e Porto. O partido comunista clandestino português tinha colocado nessas universidades os seus próprios professores - o que fez com que essas duas universidades tivessem fabricado oficiais milicianos comunistas. O Partido tinha-se também infiltrado até na Igreja. A famosa PIDE não se apercebeu disso! Portugal não se encontrava no centro das nossas preocupações internacionais. A França tem meios restritos. Não era um assunto primordial, mas estudámo-lo bem.»
- Ockrent/Marenches, "No Segredo dos Deuses"
26 comentários:
Há uma piquena falha na análise do senhor de Marenches:
Em 1974, o movimento dos capitães era formado, na sua maioria, por oficiais não politizados ou pelo menos não politizados para além as trovas do "cancioneiro do Niassa".
Por muito comunistas que fossem alguns professores de Coimbra e Lisboa, a verdade é que o Partido era minúsculo. E em 25.4.1974, os comunistas foram tão surpreendidos como os outros.
A surpresa só não foi completa, porque em 16 de Março já tinha havido uma tentativa frustrada de pronunciamento militar.
O senhor de Marenches é francês e por isso, não se lhe pode pedir que saiba tudo de um país sobre o qual obtinha informações por vias travessas- e muito travessas como se vê.
Ao dizer que a maioria dos oficiais milicianos era comunista, denuncia a sua competência de analista. Se calhar, seria capaz de jurar que o falecido Vasco Gonçalves sempre foi um comunista de gema...
Lamentavelmente, ó José, nessa questão, não é o Maranches que está redondamente enganado.
Mas, claro está, o gajo era um amador. Já tu, pelos vistos, és um profissional.
Foste infeliz, agora, pá!... :O)
Aproveito este aparte para te desejar um Bom natal e feliz Ano Novo.
Talvez não tenha sido bem explícito:
Corrijo a afirmação apenas no sentido de que havia politização. No entanto, pelo que fui lendo ouvindo e vendo, o comunismo não era a corrente ideológica maioritária e preponderante no movimento dos capitães.
Era?!
Sabes dizer melhor?
Assumo a ignorância de alguns assuntos, nestas matérias, mas parece-me que não estarei muito enganado.l
Fico à mercê.
Iguais votos endereço.
Se calhar vamos ter de esperar pela história do Pacheco Pereira, para saber...ahahahah!
Ontem, almocei com um histórico do PCP que ajudou o Álvaro Cunhal na fuga de Peniche.
Disse-me que o Pacheco Pereira ( ajudado pelo Jaime Serra) fantasiou um aspecto dessa fuga. O de que os fugitivos que eram sete, enlatados num Dodge americano da época, conduzido pelo tal histórico, teriam umas tábuas de pregos para lançar na estrada, para furar pneus de eventuais perseguidores.
Falso. Qual tábuas, qual carapuça. O que eles queriam e conseguiram, aliás, era fugir de lá o mais depressa possível.
Disse-me ainda que o JPP ao insinuar que a morte de Fogaça foi obra do PCP, através da execução, é uma ignomínia.
Por mim, fiquei a pensar no rigor histórico...
Passaram uns erritos de concordância...
O "Movimento dos capitães" começou por ser, essencialmente, um mal estar coorporativo, da parte dos oficiais do Quadro Permanente, por causa da lei "Saviana Rebelo". Claro está que o PCP aproveitou a fermentação e é verdade que os oficiais milicianos continham o melhor e o pior das Forças Armadas: tinham muitos gajos infiltrados pelo PC ou que funcionavam na sua órbita; e tinham também dos melhores e mais generosos combatentes, sobretudo nas chamadas Tropas Especiais. (Mas nota que também houve oficiais do quadro ligados ao PCP ou arredores que foram condecoradíssimos por feitos em combate, até nas Tropas Especiais). Portanto, como podes intuir, o quadro é complexo e não é asunto para se poder resumir, com o mínimo de seriedade, em caixas de comentários. Fica atento, que nos próximos tempos tentarei apresentar aqui algumas pistas. Na certeza de que não tenho verdades absolutas e também sou um peregrino.
Mas sei o suficiente, pelo menos, para não cultivar grandes dúvidas de que o que se tem escrito e contado acerca da génese do 25 de Abril é, na maior parte, conversa para boi dormir, histórias da carochinha. Guerra de propagandas; tricas entre comadres desavindas. Ninguém quer saber da verdade para nada. Pelo contrário, à direitinha e à esquerdona, abominam-na, é a última coisa que gostariam que se soubesse. Somos um povo de mitómanos. Cada qual arranja um nicho mentirológico e instala-se. De pantufas e robe.
Já agora, sobre a lendária fuga do Álvaro Cunhal de Peniche, ao que julgo saber, aquilo não teve grande heroísmo: A PIDE, pura e simplesmente, olhou para o lado, assobiou e fingiu que não via.
Errata;
Onde está "saviana Rebelo" leia-se "Sá Viana rebelo" - Decreto 353/73, salvo erro, sobre a integração de milicianos no Quadro Permanente.
E agora, sr.de Marenches, passa-se alguma coisa?
- Diga que sim, por favor! Bem precisamos.
Caso contrário, quando souber, avise-me com a antecedência devida. Quero estar preparado (e já perdi a ingenuidade)!
Que o diga o Belmiro...
Ó Dragão, desculpa lá mas estou como o José, que grande treta este franciú. Desde quando é que os oficiais milicianos do 25 de Abril eram comunistas? E comunistas formados por profs nas universidades de Lisboa e Coimbra, isto é pura ficção!
O PCP não sabia do golpe. Souberam-nos alguns que nem eram comunas porque tinham ligações com os militares.
E um bom Natal também eheheh para ti e família
Outra especialista!... :O)
E tu, ó Zazie, onde é que estavas no dia 25 de Abril de 1974? - Em Marte?... :O))
E um bom Natal para ti e todos os teus.
ahahahaha
já estava à espera de uma boca do género
por acaso até apanhei tudo, Carmo incluído mas também confundo muita coisa.
Aqui há tempo um antigo colega estava a escrever um treta qualquer sobre o assunto e decidiu pedir-me ajuda para o relato factual. Pois bem, até chorámos a rir porque eu troquei os golpes de estado todos. E até dizia que na véspera do 25 de Abril tinha havido uma AGA na aula magna da cidade universitária ":O)))
ahahaha
mas tirando estes detalhes de confundir um pouco também te garanto que os tipos não eram nada comunas. Então comunas formados por profs universitários é para rir ":O)))
beijocas e obrigada pelo Natal
Bem, está na altura de perguntar ao Histórico que é nada mais nada menos do que um indefectível estalinista, estimado por ser pessoa de trato impecável, educação esmerada e sabedor de especialidades.
Apesar de na altura se encontrar exilado na terra dos iorques, saberá como foi, pois privava com o Álvaro,como lhe chama.
Vamos lá a ver se tenho oportunidade, pois isto merece atenção.
Não é todos os dias que se depara uma nova perspectiva histórica para explicação de acontecimentos contemporâneos.
Drag
A coda referia-se a uma interpelação:
Dragão: ficamos à espera de revelações bombásticas!
Pouco antes do 25 de Abril, ao que soube, muitos dos membros da comunidade ismaelita de Moçambique, do Sr. Aga Khan agora condecorado, começaram a pôr os seus bens a salvo!
Não sei se é boato ou não mas asseguraram-me ser verdade!
Um dos grandes enigmas do 25 de Abril, caro José, é este: porque é que a PIDE não fez nada para parar aquilo?
É evidente que a PIDE sabia. Quando o senhor B diz ao Marenches que não sabia de nada estava a endrominar com quantos dentes tinha. Tanto sabia que teve o cuidado de se colocar em segurança na precisa data.
O senhor "B". entenda-se Barbieri Cardoso, o director operativo da DGS.
Desse texto do Marenches, no geral correcto, o frase mais interessante, quanto a mim, é quando ele diz a propósito do Barbieri: "talvez preocupações pessoais o tivessem retido longe de todo o meio de comunicação".
Alguém comprou alguém na PIDE? Quem?...
oh diabo...
não havia comunas na revolução, o movimento era corporativo... a pide sabia do caso... será que existiu mesmo essa cena do 25 de abril?
nah! aqui cheira-me a desinformação do bloco com intenções eleitoralistas....e vai-se a ver inconfessáveis.
mombassa.kid@gmail.com
Dragão,
acredito que o Barbieri Cardoso soubesse mas a verdade é que até os pides ficaram entregues a eles próprios. Aquela invasão na António Maria Cardoso foi totalmente popular. E também não havia militares a cuidarem do caso. Do mesmo modo que durante 3 dias os presos políticos continuaram às mãos deles.
E o que podia fazer a Pide perante os militares? nada. Acho que a questão é só essa.
Se alguém tinha que fazer alguma coisa para travar era o exército, não eram aqueles gatos pingados da Pide. E o exérxcito não fez nada.
Mas tem piada essa do Barbieri Cardoso se ter pirado para "férias"
Não tendo havido impedimento militar nem resistência o resto foi "ao correr da pena"
mas aguardemos pelas revelações do estalinista do josé ":O))))
Memorias de um inspector da pide - de Fernando Gouveia - editora delraux - 1979 - com sorte num alfarrabista.
Ou - De Salazar a Costa Gomes de Manuel M. Murias
POr uma questão de isenção...ver os dois lados...digo eu!
Legionário
Mas estes totós não sabem ler? O franciú não diz que os moços foram endoutrinados nas univs. de Coimbra e Lisboa, garante isso sim, e com inteira razão, que o trabalhinho principal foi feito nas grandes univs de Coimbra e do... Porto. Pois se muitos ainda por lá andam...
É sempre um exercício de controlo ver um anti-comunista ferrenho como o Marenches fazer incursões pela filosofia política...(Que se espera que ele diga da URSS?)
O engraçado é que os franceses a seu tempo (dele Marenches e antes e depois dele) fizeram as mesmas limpezas ideológicas que os «horríveis» KGBs.
E já agora, acabaram tb eles por gerir bem pior do que nós os problemas coloniais, não foi?
PS: É como ver no Goss (da CIA) alguém com capacidade para para tecer considerações isentas sobre o porvir de hoje, mutantis mutandis claro...
Ana
Totó me confesso perante a inteligência analítica anónima.
Tenho, porém, dificuldades acrescidas em interpretar esta pasagem da entrevista:
"O partido comunista clandestino português tinha colocado nessas universidades os seus próprios professores - o que fez com que essas duas universidades tivessem fabricado oficiais milicianos comunistas."
Pronto. Fico ainda mais arrasado e totó.
ehehehehe realmente, as universidades eram uma fábrica de oficiais milicianos comunas, marchava tudo pelo lado esquerdo dos corredores
looooooollll
Factos estranhos:
Silva Cunha,no dia 24 de Abril de 1974 falou ao telefone com Silva Pais, às 23 horas. Durante a tarde, tinha falado pessoalmente com ele que lhe tinha dito que "estava tudo tranquilo".
Silva Cunha, em 24.4.1999, disse ao Expresso que " Depois do 16 de Março, toda a gente estava à espera que se reeditasse um golpe semelhante."
Manuel Maria Múrias ao Independente de 23 a 29.4.1999:
" Antes do 25A conhecia o Barbieri Cardoso eum sujeito chamado Passos, que depois fugiu e andou a monte. Depois, na cadeia conheci muitos. E aí percebi porque o regime era tão fraco: eles eram fraquíssimos.Eram quase todos polícias de giro, ou antigos guaras republicanos, que quando chegava a altura de passar á reforma eram convidados para a Pide. Havia excepções como o Sachetti, ou o Homero de Matos."
Por fim, uma pergunta:
Se a PIDE sabia, como é que o desgraçado Silva Pais se deixou apanhar?!
em resumo... a PIDE fomentou o 25 de Abril aproveitando o alto grau de infra-estruturação do país que inocentemente ( ou talvez não) o Salazar levou a cabo talvez a pensar num futuro ( repare-se que eles até falavam ao telefone e tudo...).
Obrigado PIDE.
Nada de espantar, ó amantezinhos do paradoxo telenovelesco a la Corin Tellado/Ross Pynn.
É a reedição ( agora finalmente ao vivo e a cores) daquele continho do Borges sobre o traidor.
mombassa.kid@gmail.com
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