quinta-feira, abril 28, 2005

Xenofobia é que não! Fica mal numa puta.


A xenofobia é um vício muito desagradável. E não obstante, a nossa história, durante largos períodos dum passado infamante, é um cardápio completo de energúmenos afectados por essa alucinante mania. Uma vergonha! E o pior é que esses figurões, autênticos ferrabrazes trogloditas, não se ficavam pelos rosnidos, pelas bocas ao transeunte ou as cuspidelas da janela ao incauto. Não; em arruaças e batefundos que só visto, cismavam de implicar violentamente com as boas almas que nos visitavam, espancando-os não raras vezes até à morte.
Um D.Nuno Álvares Pereira, por exemplo, quereis exemplo mais gritante e escandaloso de xenofobia? Aquilo eram maneiras de receber turistas? Francamente!...E aquela padeira louca, desvairada, um estafermo boçal que em vez de servir almoçaradas e regueifas ao viandante, inventava de assestar com o utensílio de serviço nas trombas, certamente estupefactas, dos peregrinos?!...Irra, assim, com pergaminhos destes, não admira que enfileiremos na cauda das europas e do mundo. A tratar assim a putativa clientela, não há economia nem défice que resista!
O Viriato, lembram-se dele? Nada menos que outro xenófobo exaltado...Com tão bom queijinho que podia vender aos estranjas, teimava, ao invés, de lhes despejar calhaus e pedregulhos pelos costados, de lhes largar avalanches em cima. Em vez de boas tendas e feiras, como o sensato marketing aconselhava, obcecava-se era de lhes armar emboscadas e mortificantes recepções pelos desfiladeiros. Um rústico! Ainda por cima, movendo guerra aos romanos, gente sofisticada, bem falante, evoluída, enfim: os americanos daquelas épocas. O baguinho que não se delapidou com tais peraltices. As heranças e os proveitos de vindouros que não se esbanjaram assim. Ainda hoje penamos de tanga, por causa de madraços que teimaram de não arriar a dita.
Não, a mim ninguém me convence do contrário: Estas taras nacionalistas é que têm dado cabo de nós. Estas extravagâncias dispendiosas com a independência, os valores patrióticos, a língua mãe, os ilustres antepassados... Ilustres?! Broncos, isso sim. Dissipadores! Mentalizai-vos: Celebrar essa malta arruaceira, hostil ao desenvolvimento e ao paraíso global, é comemorar o atraso, a parolice, o obscurantismo. O sacana do Estado Novo, entre outros, essa pandilha castrante, andou cinquenta anos a intoxicar-nos, a induzir-nos em tremendo erro. A enxertar-nos de ilusões malfazejas. Cretinos!...
Felizmente que nos últimos anos todo um trabalho de descontaminação e lavagem tem sido levado a cabo por esta excelsa gente progressista -esta boa elite benemérita que faz o favor de nos guiar à redenção humanista e comercial. Graças à sua supervisão sempre benigna, por obra e graça duma indústria pedagógica desinfectante (verdadeira creolina do espírito, Deus os abençoe!), esses presumidos heróis que outrora nos impingiam (malditos sejam!) transparecem agora na sua verdadeira aura de traidores à pátria, retardadores maléficos do augusto mercado e do ufano nível de vida catita. Continuamos pobrezinhos mas já não somos estúpidos, já não enfardamos gato por lebre. Libertaram-nos dos antolhos, carago! Aprendemos a ter maneiras, maravilha! Assim, nem que seja a conta gotas, ao ralenti, como convém a gastrópodes, lá chegaremos!... É garantido. Pedalamos à retaguarda, mas vamos no bom caminho - e o importante, que diabo, é competir, é participar nesta fórmula 1 da ciganice.
Ardemos já não em xenofobia, essa peste, mas em xenofilia, esse enlevo. E clamamos deste rincão -a redimir-se, a saldar-se - doravante franco e sôfrego de alienígenas: Vinde, ó salvadores!, nada temeis: já não atiramos pedras nem azeite a ferver a ninguém!...Nem espetamos lanças nem piques nos excursionistas. Se dúvidas tendes, perguntais aos brasileiros, aos que nos embalam do alto das novelas e nos vistoriam por alturas de carnavais: eles atestar-vos-ão, em júbilo, o quão simpáticos e hospitabundos somos. Melhor não há. Até enjoa.
Ah, mas, graças a Deus, não tem sido em vão todo este esforço... Com que alacridade eles nos visitam e acodem de todas as bandas. E com que ainda maior alacridade, em formidável êxtase, nós, babosos, os recebemos: de sorriso alvar desfraldado nas ventas e a bisnaga de vaselina sempre pronta na mão.

1 comentário:

JMTeles da Silva disse...

Ó amigo Dragão, neste momento já a vaselina é superflua. Talvez sim creme hidratante para amaciar o calo.