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Junkie da existência pela propriedade, o gastador faz da coisa adquirível a sua dose urgente. Só que com o correr do tempo, em vez das delícias do paraíso, mergulha aceleradamente nos horrores da ressaca. A única solução que encontra para atenuar a aflição é aumentar paulatinamente a dose e a frequência da mesma. E, no fim de contas, ao invés duma suposta -e velhacamente apregoada - libertação, atola-se, doravante e tenebrosamente, na mais rasteira dependência. A indústria e a tecnologia só aos parolos ainda convencem de que alguma vez conduzirão à liberdade e ao ócio das massas. Pelo contrário, esmeram-se, cada dia que passa, na sua coisificação e apropriação. De facto, transportaram e escravatura e a exploração desenfreada da manada humanóide a requintes de psico-sadismo e sofisticação supliciante nunca antes experimentados. Controlo e manipulação são palavras de ordem: dos genes às consciências.
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Aparentemente, o Consumidor diverte-se; mas, bem no fundo, entedia-se. Nada verdadeiramente o contenta. A velocidade do desgaste, das coisas e de si, por inerência e reacção em cadeia, aumenta de dia para dia. Aquilo que o seduz também o esgota. A sua avidez insaciável empurra-o e, simultaneamente, deixa-o cair no precipício. A caça à coisa degenera em chacina que, por sua vez, só conduz ao enjoo e ao aborrecimento. A "coisificação" tudo abrange -bens, matérias, pessoas -, e tudo dissolve na mesma melancolia enauseada e perversa. O Consumidor enjoa-se do carro, como se enjoa da mulher ou do marido, dos filhos, do animal de estimação, da mobília, do Hi-Fi, dos sapatos, das ideias, das políticas, das emoções, ou do próprio sexo e da cara no espelho. Para ele só o torvelinho infinito e insano da perpétua mudança do tudo o que o rodeia e habita parece aplacar -ou melhor dizendo: paliar, o fastio imenso que, ao mesmo tempo, lhe causa. Além do mais, e na essência, o Consumidor não tem sexo, idade, religião, ideologia ou sequer, em bom rigor, opinião. O seu deserto interior está permanentemente ressequido e ávido da chuva de coisas com que a publicidade o bombardeia. Compra e usa tudo o que veste, come, pensa, fala, sonha, acredita, etc, etc.
Tudo pode ser usado e descartado, comprado e atirado ao lixo, mastigado e cuspido fora quando perdeu o sabor. É um sub-cosmos buble-gum. E é toda uma canalha de olhar oco, desabitado, que masca sisificamente a pastilha e colecciona os cromos que a embrulham.
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