quarta-feira, abril 13, 2005

Do Homo-Gastador ao Homo-Tampax

Isto, por aqui, meus amigos, vai endurecer. Depois do desmantelamento ao domicílio, passamos ao bombardeamento pesado. Munições que fui coleccionando ao longo dos anos...


O Gastador espelha-se nas coisas, remira-se coquetemente nelas, cobre-se e descobre-se com elas, esconde-se e exibe-se; a limite: promove-se, vende-se. Transita num permanente mercado, apregoa-se, oferece-se. Esta vaidade inesgotável, mais o cortejo de lambisgóias anexas - a basófia, a jactância, a ostentação, a imodéstia, o espalhafato e a parlapatice -, revelam, por um lado, a concretização da profecia nietzschiana da "feminilização" do Homem e, por outro, a vacuidade intrínseca que o ocupa. É um homem vão e em vão, que não se realiza nem concretiza: apenas se dispersa e desagrega, repasto de incontinência avassaladora. Um homem fragmentado, esquizótico, psicopatético, que não pode perder tempo, precisamente porque está perdido no tempo. À deriva de apetites primários, alarves, venais, patinando na eterna selvajaria mascarada e em balelas frenéticas de pseudo-progresso e evolução. Atascado até à medula na sua bestialidade não resolvida ou sequer atenuada. Embrutecido até à insensibilidade por séculos e séculos de onanismo mental desgovernado. Uma alimária pedante, sem limites, nem fronteiras, nem contornos visíveis duma qualquer identidade ou lugar coerente no Universo. Uma cacopatia inexplicável do Cosmos. Um absurdo e autofágico predador, molusco vagante, empedernido e obsidiado, das cavernuras dos infernos.
Este Adão Furioso entrega-se agora abertamente ao ajuste de contas: a sua Perfectofobia edenoclasta vai, enfim, resolver-se. Deus, a Alma, o Destino, a Utopia, a Perfeição, foram apenas momentos simbólicos desse Velho Tempo que compete arrasar, até que não reste poeira de significância. Por isso, aquilo que o Consumidor/gastador - na sua epilepsia recorrente, espumante e renovadora-, verdadeiramente anseia e perpreta é a morte do Passado; a erradicação das raízes, o parricídio das Origens. A sua, é uma fúria novo-rica, presunçosa, arrogante. O Passado é o supremo lixo que importa varrer para debaixo do tapete; os antepassados são porcaria inútil que convém despejar da janela, à noite, sem que ninguém veja; as tradições não passam de abcessos chagosos que convém extirpar ou espremer... O Gastador-Consumidor nutre um misto de vergonha e ódio pelo Passado. Reinventa-se e redescobre-se a cada instante, fruto de geração espontânea, moderna, mágica. Concebe-se auto-engendrado em laboratório, na proveta da sua imaginação e por inseminação umbilical científica.
Só o presente lhe interessa. O Tempo eterno presente, perpétua oferta. O exibicionismo da existência é, essencialmente, apresentação, espectáculo, feira. Os dias são uma sucessão de feiras. O que não se exibe não existe; aquilo que não participa do espectáculo do presente, do fogo de artifício da notícia, não acontece. A Memória, amázia do Passado, foi banida. O que não participa do carrocel do imediato é atirado para a lixeira do esquecimento. Se não rebola na explosão do momento, não interessa. O Mundo inteiro chocalha, vibra, deflagra e assobia, num interminável Big-Bang. O Velho Deus preguiçoso, que trabalhava seis dias e descansava a eternidade, é, assim, vantajosamente substituído por um Big-Bang que nunca descansa, nunca duvida, nunca se arrepende. O universo é sempre novo, e a chusma humana -por simpatia e, à boleia, a cavalo nele - também; porque nunca acaba de nascer, de brotar, de se expandir e espumar miraculosamente a partir da cloaca negra e desconforme da incógnita sideral. E se o Mundo é um Big-Bang, o homem, gastador-consumidor encartado, tem que ser também um big-bang, um ping-pong, um zig-zag. Ribomba e silva em inesgotável expansão; jorra de si próprio e para si próprio; gira, balanceia, oscila, zune, revoluciona e arfa, qual Último Motor Imóvel rectificado e turbo-descomprimido. Porque, na verdade, e desde sempre, o Homem não parece ter sido muito mais que o macaco de imitação ao espelho: O espelho da sua própria imaginação.

Entretanto, as mulheres, ocupando o vazio limítrofe, masculinizam-se. Cada vez mais inexoráveis e calculistas, entregam-se, com volúpia, ao auto-erotismo do sucesso e da carreira; descobrem cada vez mais o deleite de falos sucedâneos, filões inesgotáveis, semper-erectus, e de coitos psicológicos. Conquista fundamental dos novos tempos, a mulher livre, emancipada, executiva, super-activa e ocupada não hesita e funciona movida a rancores e vinganças. Também aqui impera a imitação, a fotografia ao negativo: A Mulher macaco do Homem (ou mais exactamente, duma determinada ficção de Homem).
Por seu lado, os "homens", em crescente descompensação maternal, oscilam entre o bebé-chorão retardado, o prestador de serviços no lar ou e efeminado comodista e desterritorializado.
Não espanta, pois, que as relações amorosas, de parte a parte, se resumam a um mero usar e deitar fora. O outro, cada vez mais indiferenciado, é uma espécie de preservativo que, utilizado uma vez, utilizado para sempre. Lixo com ele! Esquecimento!... Temos assim, dada a sua postura intransigente, liderante e castigadora, a Mulher-Durex; como do outro lado, pelo seu papel serviçal, higiénico e asséptico, amigo e suavizador dos desportos e aventuras, o Homem-Tampax.
Mas desenganem-se os optimistas: a relação macho/fémea apresenta muitas mais peculiaridades modernas. Cito apenas uma, para terminar...
Em vez da tirania, passou-se à democracia popular. A família devém socialismo científico com bizarrias unilaterais. Divisão rigorosa de tarefas e comunidade de esforços. Não faz mais sentido, sequer, falar em família: agora é o "casal", ou "trio", ou "grupo". As decisões são conjuntas, em plenário. Mesmo a gravidez é conjunta: ambos correm a parir, um para se exibir, o outro para mirar.
Enfim, é toda uma puta duma gente que, sinceramente: já mete nojo.

4 comentários:

Afonso Henriques disse...

Os textos do VPV, quando comparados com isto, ficam reduzidos a canções de embalar.

Anónimo disse...

Deixe que lhe diga: não sei se concordo, ou sequer alcanço, mas que bate forte, lá isso bate!...

zazie disse...

“Só o presente lhe interessa”

Como tu dizes estamos na era do homo barbie e das “mulheres de sucesso” Ainda ontem, a propósito da importância da história e das tradições, uma delas sacou do Einstein e despejou esta sentença:

'A tradição é a personalidade dos imbecis'

zazie disse...

Quanto ao resto que é que se estava à espera- a partir do momento em que os valores são aferidos pela lide da casa não me espanta nada que tudo se descarte.