A terceira república, além de não ter resgatado o país do marasmo onde o deixou a segunda, corre sérios riscos de ir pelo mesmo ralo da primeira.
Sobre essa evidência já eu tinha elucubrado há dias. Vem agora S. Mário, de trombeta em riste, despender amargos queixumes sobre a mesma questão. Especifica ele que, não pipilasse o país sob a asa protectora –e sedativa – da Europa e, a esta hora, com tanta corrupção e crispação social à solta -uma vergonha!- e já militares exaltados, de estribeiras perdidas e espingarda na mão, se teriam soltado também dos quartéis, em pronunciamentos, levantamentos, motins – barrelas, enfim. Estaremos a ouvir bem? Estamos. Será caso para alarme? Quando o próprio pai da democracia portuguesa, o engendrador capital das suas moléculas, vem bradar para a rua, em barrete e ceroulas, que a filha anda na má vida, enrodilhada com alcoviteiros e proxenetas, amancebada com merceeiros, a esfolar trolhas na borda da estrada e sabe-se lá que mais, muito naturalmente as almas mais sensíveis tenderão a preocupar-se, senão mesmo a escancarar a boca de espanto. As almas sensíveis, ou seja, aqueles que tenham acordado agora após um coma profundo de vinte anos. Fora esses, julgo que mais ninguém se alarma nem descobre motivos para isso. E depois de vos expor as razões, julgo que também todos vós concordareis comigo e dormireis repimpados esta noite.
Começando pelos motivos para alarme...
1. O putativo golpe militar.
Bem, para haver golpe militar é necessário, no mínimo, uma coisa: os tipos que fazem o tal golpe, ou sejam: os militares. Ora, toda a gente sabe que a instituição castrense foi purgada dessa gentinha belicosa, como se de um explosivo instável se tratasse. Por atávica mania, esses energúmenos cultivavam o péssimo hábito de considerarem a pátria acima dos partidos políticos. A partir do momento abençoado pela História em que a pátria passou a andar por baixo dessas bizarras associações, a permanência desses fulanos nas fileiras tornou-se indesejável, afronta potencial de lesa-democracia. Procedeu-se em conformidade. À presente data, quando muito, restam não militares mas militantes, funcionários públicos fardados e estrelados –lacaios de luxo, enfim –, mais a criadagem avulsa de todas as épocas (quer dizer, a soldadesca anódina e de plantão às mordomias dos graduados). Não espanta pois que os preocupe mais a fundação dum sindicato que a redenção da pátria. Têm prestações para pagar.
Mas, mesmo admitindo o fabuloso, só para efeito retórico, mesmo que houvesse um golpe militar, que tremenda interrogação angustiaria a esta hora, e por antecipação, o povo? Provavelmente, apenas a prosaica conjectura de qual a flor garrida que os bravos magalas trariam na ponta das armas desta vez.- Cravos? Rosas? Malmequeres? Manjericos? Narcisos?...
2. A corrupção, essa metástase.
As pessoas, regra geral, alarmam-se com algo de surpreendente, de inesperado ou ameaçador. Pelo contrário, relaxam diante daquilo que é corriqueiro, habitual, vulgar. Pior: desinteressam-se, enfadam-se. Ora, como todos sabemos, e estamos cansados de saber, a corrupção, em Portugal, será tudo menos surpreendente ou inesperada. De facto, mais que endémica, ubíqua, deveio já modus vivendi (ou dito à moda fadista, constituiu-se em "estranha forma de vida"). Poderá ser estranha, mas é a nossa. No estado actual dos negócios, vir alguém bradar contra a corrupção é o mesmo que vir pregar moral a um heroinómano ou exortá-lo, em evangélica pregação, a abandonar tão nefasto vício. O que torna a coisa ainda mais caricata, próximo da anedota, é ser um ex-traficante e fornecedor inaugural do toxicodependente, subitamente transmudado em anjo de procissão, quem rompe em perorações bacocas ao domicílio.
3. A crispação social, esse vulcão...
Existe, é um facto; tem-se vindo a acumular. Mas a razão é simples: O Benfica não ganha o campeonato vai para 11 anos. Basta que esse jejum termine e a crispação acaba. É tão simples quanto isso. Concretize-se esse anseio aglutinador da grande maioria de encrespados, reforce-se a dose de novelas, de reality shows, de hipnose mediática, e Portugal entrará no melhor dos mundos. Os actuais governantes sabem disso. E estão a tratar do assunto.
Quanto aos motivos estamos por conseguinte conversados. Só um existe, mas, o mais tardar em Junho de 2005, estará resolvido. Os desígnios nacionais, os interesses de estado, cá, no país das maravilhas, são assim.
2 comentários:
Manjericos! Manjericos! Ehehehehe poderá ser estranha mas é nossa “:O)))
Ai que este é uma maravilha! Posso guardar, rapaz? Eu não resisti e já o enviei ao pinguim que até me tinha escrito um mail espantado com o discurso do marocas “:O)))
Podes, claro que podes. E até podes pôr numa moldura!...:O))
Fica atenta. Tem continuação.
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