Padre- Então, meu filho, porque queres tu tornar-te católico?
Dragão - Bem, padre... Estou a ficar velho e, pelo sim, pelo não, convém acautelar a reforma celeste. Não descontei toda a vida, mas não poderia agora entrar num programa rápido de compensações e prestações caridosas por atacado?
Padre - Meu filho, a Providência Divina não é bem igual à Previdência Social, graças a Deus:
Dragão - Pena. Todavia, olhe, para começar, acredito em Deus!...
Padre - Pois, meu filho, mas isso é irrelevante. Compete-te acreditar é na Santa Madre Igreja. É isso que faz de ti um católico. A Igreja é a concessionária estatal de Deus na terra. Fora Dela, não serás nunca um crente, mas um contrabandista da fé, um evadido aos impostos celestiais!...
Dragão - Ah... já agora, escute cá, ó padre: se somos praticamente da mesma idade, porque teima em aperfilhar-me? Não faria mais sentido chamar-me "irmão", ou "meu irmão"?
Padre - Não, meu filho. Esta fórmula paternal reflecte o facto de estar sacerdotalmente consagrado e representar aqui, junto de ti, através da Igreja, o Pai Celeste...
Dragão - Zeus?
Padre - Não, o Pai de Jesus Cristo!...
Dragão - Hum, representações contundem-me um bocado com o sistema. Às tantas, embrulha-se tudo na palramentação. Assim de repente até diria que foram vocês que inspiraram o Kant: não temos acesso à coisa-em-si nem, inerentemente, ao Ser-em-si (Deus), mas apenas às suas representações fenomenológicas. Isto levou o Shopenhauer ao pessimismo, o Nietzsche à loucura, o Heidegger à poesia e a mim, para ser sincero, vamos lá ver aonde!...
Padre - Pois, meu filho, mas as regras são estas: tu falas comigo; eu falo com o bispo, o bispo fala com o cardeal, o cardeal fala com o Papa e Sua Santidade vai a despacho com os anjos, com os santos e, na melhor das hipóteses, com Nossa Senhora. Estes, depois, intercedem junto de Deus.
Dragão - Padre, aprecio hierarquias. Por aí não há problema. Super-crentes com kit de cabine telefónica celestial e auto-eleitos com deus às ordens nunca me fascinaram muito. Pelo contrário, repugnam-me visceralmente. Mas isso de tomar a nuvem por Juno também me causa uma certa urticária moral... Olhe, passemos a coisas mais simples. Antes de ser católico, não haverá um qualquer programa de treino, uma ginástica espiritual, que me permita ganhar destreza e musculatura, de modo a facilitar o acesso à salvação?...
Padre - Começa tudo pelo amor ao próximo. Tens que amar o próximo.
Dragão - Comprendo, dado que Deus está inacessível, começa-se pelo próximo, e vai-se paulatinamente por ali acima, até chegar ao Papa. Suspeito que sei quem é que os maçónicos, à sua escala minúscula, andam a plagiar há séculos... Em todo o caso, ponderemos o próximo... E se o próximo só ama riquezas, honrarias, prepotências, bazófias, arrogâncias, desplantes, vaidades, mentiras e coisas assim? Como vou conseguir amá-lo? Pior, e se o próximo, sem aquelas nem queloutras, converteu o "conhece-te a ti mesmo" no "ama-te a ti mesmo", roncando que não precisa do amor dos outros para nada, pois já tem o dele todo, infinito e imenso?...
Padre - Tens que amá-lo redobradamente. Para compensar as suas fraquezas e mundanidades...
Dragão - Mas há-de convir que o sujeito não é nada amável. Amar aquilo é amar um calhau com olhos, um pedregulho despencado sobre uma cidade!... Ainda por cima, é um próximo que se afasta cada vez mais de mim e só decreta é distância entre nós, muros e polícias. Ora, eu aí, estou como Swift: aquele que me põe à distância eu agradeço muito por ficar longe de mim. Mas temos depois aquel'outro próximo que só ama o anterior ou quem, de algum modo, favorece em tornar-se como ele. Se o outro é um penedo em acto, este é um matacão em potência e gestacinha.
Padre- Meu filho, tens que aprender e praticar a humildade. Não te compete julgar os outros, mas apenas amá-los. Deus julgar-nos-á a todos. Pois todos somos seres imperfeitos e carregados de pecados!...
Dragão - Para mim isso é pacífico. Acho muito bem. Encanta-me. O meu problema com o próximo é quando ele começa a agir como se não houvesse Deus no Céu e fosse ele o deus na terra - deus, papa e crente de si mesmo, ídolo ambulatório de cegos, répteis, venais e mentecaptos como ele! Isso eu não consigo amar. Consigo amar o Filho de Deus, mas não consigo amar enteados do diabo! A falha, eventualmente, será minha: Mas é fruto genuíno da inteligência que Deus me deu, e por isso, creio, lhe chamamos Deus, porque deu, não vendeu. Vendesse Ele e não seria Deus, mas o seu oposto: Vendeus. Por isso, dar a outra face, ainda concebo, mas ven-dar ou vender a alma é que não! Como não troco o Ser pelo ven-cer, nem, tão, pouco, pelo vencimento. Não vale nada quem pensa que vale tudo; não é nada quem pensa que é tudo.
Padre - É humano o erro e o pecado...
Dragão - Mas não é humana a pocilga. E eu julgava que Jesus nos tinha lavado a cara e posto de pé...
Padre - Meu filho, ama o próximo e deixa a doutrina connosco. Vem à missa, reza e arrepende-te das tuas más acções e vais ver que, com o tempo, o horizonte fica menos carregado.
Dragão - Sabe, padre, eu sou o mais imperfeito e inapto de todos. Está visto que tenho que percorrer um longo caminho. O próximo pôs-se a milhas; Deus retirou-se para as insonduras dos céus. Já percebi que isto tem que ser gradual, por fases. Para já contento-me em treinar com o amor à mulher do próximo. E depois, aos poucos, com muita intercepção dela, ainda acabo a vir à Igreja. De preferência às horas em que o próximo cá não esteja a relambar-se de hóstias.
3 comentários:
A tua moeda de troca para chegar ao céu é o riso
e reza e arrepende-te num templo mesmo à maneira , que Deus não quer ser adorado abaixo da catedral de Santiago.
( um aparte : achas que Deus quer ser adorado ou quer apenas que usemos o poder que nos deu ? , é pá , a cena da adoração de um Deus é assim tão palermoide humana. nunca aceitei a conversa de padre de adoração de Deus. jamais Deus era tão parvo ao ponto se querer ser adorado . humanos mesmo estúpidos , nem percebem o poder que têm à disposição tão entretidos que estão nos rituais de adoração)
Essa crendices cristãs são tudo mentiras e vigarices dos judeus.
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