sábado, janeiro 15, 2011

A mentefacção e a mentecaptura (rep)

Imaginemos agora que o Ministério da Educação era tripulado por pessoas sérias e competentes; imaginemos ainda que todos os professores eram excelentes e todos os programas magníficos. Eis a máquina ideal? Quereria isto dizer que teríamos perfeitos enchidos à saída?
Desçamos à realidade, se os caros avestruzes não se importam.
Dum lado, em representação da máquina de ensino, o senhor professor recomenda aos alunos que se abstenham ou moderem no uso convulsivo do telemóvel (por piedade, só falarei deste onto-gadget); do outro, incontáveis canais de televisão, produtores e argumentistas de telenovela, agitadores publicitários aos gritos instigam, instilam e trabalham em permanência - na memória, no subconsciente, na gana, no puré caleidoscópico que faz as vezes de mente do mamífero estudante - imperativos categóricos do estilo: "telefona!, joga!, comunica!, troca mensagens!, concorre!, fotografa!, aproveita!, ganha!, não percas esta oportunidade!, tecla!, retecla!, prime!, consome!, gasta!, compra!, chateia o teu pai!, ensina o teu pai!, fala já à tua namorada!, palra!, grulha!, trina!, gargareja!, mostra o teu temóvel!, passeia o teu telemóvel!, alimenta o teu telemóvel!, pilota o teu telemóvel!, muda o toque do teu telemóvel!, toca píveas no telemóvel!", etc, etc, etc. Pois bem, ó caras aves corredoras, o que é que acham que vai prevalecer? O apelo à contenção, à disciplina do mestre-escola, ou o mandamento ao frenesim epiléptico, ao ceva-bofe dos tele-mestres? Não é elucidativo, a esse respeito, o tal vídeo?...
Abram os olhos, ó cavernícolas. Larguem a droga, amiguinhos! Há um problema muito maior do que a máquina de ensino funcionar mal: é o haver uma máquina de desensino, de deformação e de perversão a funcionar às mil maravilhas. Com total impunidade, tranquilidade, ubiquidade e ininterrupção; mais a bênção completa das autoridades e o enlevo pacóvio e macacóide dos cidadãos. Uma locomotiva que desensina não apenas os filhos, mas também os pais; não apenas os governados, mas também os governantes; não apenas os alunos, mas também os professores. De que adianta mandar uma equipa de pedreiros levantar uma casa, oito horas ao dia, e, ao mesmo tempo, ter um buldózer dia e noite a escavacá-la? Como entulho artístico, como heteroclise, como absurdo, até poderá ter o seu fascínio, não discuto; mas como civilização, garanto-vos, é o suicídio colectivo. Ninguém precisa de nos atacar. Basta-lhes ficar à espera.
Para mais, o máquina da deformação certifica da duplicação obtusa da nossa fogosa irresponsabilidade. Quer dizer, somos irresponsáveis não apenas na medida em que nos recusamos fervorosamente a assumir as nossas próprias responsabilidades, como, mais grave ainda, na crónica obstinação cega em não atribuí-las aos seus reais e merecidos autores. Enfim, somos duplos irresponsáveis porque não nos responsabilizamos nem responsabilizamos os verdadeiros responsáveis.
Bradamos contra a qualidade das mentefacções e das mentefacturas, fingindo não ver toda a mentecapção que funciona, preside e está por detrás. Barafustamos e remodelamos a fachada, sem querer mexer no entulho e no lixo que se acumula lá dentro. E pingamos, languidamente, lágrimas de crocodilo mal morto em olhos de carneiro mal vivo porque as estúpidas das criancinhas, patrocinadas pelos pais e abençoados pelos burrocratas da salsicharia, no fundo, em vez de obedecerem às formidáveis pedagogias e às vetustas tradições, obedecem ao marketing.

PS: O que eu aqui disse, algures em 2008, acerca da educação é plenamente extensível em relação à generalidade da economia e, sobretudo, da poupança/crédito.
Tanto quanto os políticos, deviam ser os publicitários a pagar o défice.

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