terça-feira, maio 10, 2005

Babilónia e a Besta

Em discussões rendilhadas que por aí fora se vão exacerbando, ficamos a saber que uma cornucópia de peritos no nazismo fizeram os trabalhos de casa: leram atentamente as trepidantes aventuras do Major Alvega.
Podemos dormir descansados. Esta gente, capitaneada por um moderador intrépido, cristalizado algures entre Mamselhe X, Alô-Alô e Luís Delgado, velará pela nossa consciência. Depois da máquina de lavar roupa, da máquina de lavar loiça e da trituradora de cozinha, louvemos ao alto este novo engenho mirabolante que, em simultâneo, ao deitar e ao erguer, lava a consciência, lava a história e tritura quaisquer dúvidas. É uma verdadeira papa Milupa para desdentados mentais. Pena é só lavar para um lado, o zingarelho, mas resignemo-nos: não se pode ter tudo. O óptimo é inimigo do bom. E acima da História Boa, há a "História Bem", a história quéque, a história betinha, enfim. Calculam-se as playstations que não exauriram, os videocorders que não extenuaram, para alcançarem tamanha sapiência sobre a guerra e a geopolítica, a táctica e a estratégia. Os panzeres avançaram em 4-4-2 losango, ou em 4-3-3, com duas alas e um ponta-de-lança fixo? Os aliados apostaram no contra-ataque venenoso, ou no despejar de bombas para a grande área adversária? O guarda-redes russo era o Yashin ou o Stalin? Quem tinha melhor banco, o Eixo ou a Aliança? Os alemães descuidaram o jogo aéreo e foram goleados por causa disso? O Conde Drácula reencarnou no Adolfo ou no José Paizinho-dos-Povos, ou nos dois, por turnos? Se não fosse o John Wayne que seria de nós? Questões essenciais como estas, todas as que vos ocorram, perguntem-lhes que eles sabem. São tu-cá-tu-lá com a Wikipedia, as novas Páginas Amarelas da Erudição.
O nível é de tal modo elevado, que dá vertigens. A argumentação é tão profunda, que só de escafandro, ou submarino se alcança. A guerra, tranquilizemo-nos, é pim-pam-pum. Imita na perfeição um filme de bang-bang. Os maus são os que perdem. Vae victis, já diziam os romanos. Na essência, para esta boa gente, é essa a sua –deles, maus- maldade e, simultaneamente, a prova inabalável da mesma. Os bons, no cumprimento duma lógica inoxidável, são os que ganham, os que estão por cima, os que vendem mais; os que fazem as regras e remendam a história. É assim. Sempre foi assim.
Pela amostra de espírito presente, não custa muito adivinhar onde andariam todos estes eruditos da belzebuzição alheia, todos estes beatos remelosos que esmurram o peito imaculado, todos estes carneiros mal mortos, caso os que perderam tivessem ganho:
Com que idêntico afã e volúpia esbirra zanzariam por aí, de braçadeira rutilante em riste, à cata do judeuzinho lá do bairro, do comuna da paróquia, do entrevadinho e do panasca. E com que generosidade, sempre que o seu bem amado lucro e não menos idolatrado património beneficiassem, com que generosidade, digo-vos eu, que cheiro porcaria desta a léguas, não inventariam até judeus, comunas, ou larilas onde muito bem lhes conviesse. São escuteiros do status quo, virgens de lupanar, peritos na caça às bruxas. É uma escola antiga.
Não sei se o nazi é o mal absoluto. Nem sei se há mal absoluto. Sei que ele habita no fundo de todos nós. Emboscado, à espreita, à espera. Sei que se alimenta de medo, de ganância, de estupidez. Desconfio que se fortifica e desmesura com o poder, que galopa à rédea solta o autismo.
Desconheço igualmente as gradações exactas do mal. O que será pior: matar as pessoas ou matar a dignidade e os sonhos das pessoas? Também não sei se estarrecidos e desesperados diante do Péssimo não corremos o risco de acabar por vislumbrar no Mal um bem. Não é essa a vertigem que nos arrasta tantas vezes ao abismo? Vive-se perigosamente neste planeta. Cada vez mais.
Por outro lado, se o nazi é o mal absoluto, então as "democracias" que usam à exaustão os seus métodos de propaganda - que emulam mas cloroformizado, que não matam só lobotomizam, apenas mutilam -, estão longe de ser esse bem absoluto, sacrossanto, que uma mesma mentalidade "nazi" (só que disfarçada a desodorizante anestésico, a tintas e ouropéis de rameira) apregoa.
Não, francamente, não sei se o nazi é o mal absoluto. Sei que o burguês não tem ponta por onde se lhe pegue.

Vós todos que celebrais a Besta que matou deuses, achais que ela se compadece com essa ninharia que são os homens?

1 comentário:

Anónimo disse...

Ele ri as gargalhadas dos sofrimentos dos seus semelhantes.Quando a desgraça o apanha,é o primeiro a subir as barricadas!La Françe, com o seu presidente (gentil-homem) é um outro exemplo da mérda humana