Tu sabias à partida, ó Zazie, minha flor, que, munida desse mapa, entravas em terreno minado. Mesmo assim, trouxeste para aqui, onde não são de todo chamadas, as pérolas do VPV. Lá vou ter que desmantelar, mais uma vez, a bacoquice periódica do sujeito.
Acredita que não me dá gozo especial nenhum. Mas como sugeriste (em tom de desafio, que bem te topei), eu faço-te a vontade.
Começo por citar a tua citação: « Admitamos, por exemplo, que a democracia e a "Europa" deixaram relativamente intacta a nossa cultura de pobreza, de manha, de compadrio, de corrupção, de servilismo e de um ódio universal à lei e à justiça. Uma sociedade camponesa, isolada, quase indigente e quase sempre sujeita a tiranias várias, não se transforma em 30 ou 40 anos numa sociedade individualista, inovadora, solidária e disciplinada».
Isto terá escrito o VPV.
Tu puseste a cereja no topo do bolo: « É isto, Portugal é um país pobre e atrasado ».
É isso, não é?
Extrapolemos.
Pois bem, Portugal é um país pobre. E atrasado, valha-nos Deus.
No entanto, Angola é um país rico. Um dos mais ricos do mundo. E ainda é mais atrasado que Portugal. Em que é que ficamos? Ah, pois, Angola é atrasada por culpa de Portugal, já me esquecia –porque foi colonizada por um país atrasado. Mas eu poderia referir também o ex-Zaire, ou a Nigéria; esses foram colonizados por países adiantados. E também são atrasados. Ainda mais desorganizados, corruptos e caóticos que Angola. Mistério profundo.
Mas os mistérios não ficam por aqui. Diz VPV que em Portugal grassa, simultaneamente, em alegre pandilha suponho, uma "cultura de pobreza" e de "corrupção". Ora, sendo Portugal um país pobre onde, ainda por cima, predomina uma cultura de pobreza, não se compreende muito bem onde vão, os portugueses, maltrapilhos cósmicos, buscar combustível para a corrupção. Depreende-se –a fazer fé no costume – que a corrupção pressupõe uma prática desonesta, tortuosa, de angariar e acumular riqueza. Com certeza, ninguém se dá ao trabalho de surripiar fundos ou cobrar favores para ficar mais pobre, para exercer a tal "cultura de pobreza". Donde, novo paradoxo: há cultura de pobreza ou há, afinal, cultura – capciosa, frenética, trafulha – de riqueza? Queremos todos ser pobres, honrados e honestos; ou queremos, ao invés, seja lá de que maneira for, ser todos ricos, o mais rapidamente possível e vendendo o que estiver mais à mão de leiloar? É impressão minha, ou o país, ao contrário da putativa cultura de pobreza que a fábula em epígrafe testifica, apanhou, isso sim, uma valente gonorreia mental de novo-riquismo?! O que é que Portugal fez ao ouro do Brasil? O que é que fez e ainda vai fazendo ao ouro do Botas? E o que é que fez –questão crucial e proibida – ao dinheiro dos Fundos de Coesão Europeia? Banhou-se neles e, no entanto, não se perfumou. Ao contrário: cheira mal que tresanda.
E temos também - diz o VPV, acabado de descobrir a pólvora - a "cultura do servilismo". Fica sempre bem, no bordado retórico, mencionar o servilismo. É chique. E todavia o nosso servilismo não será, nem de perto nem de longe, maior que o dos chineses, por exemplo. Ora, a China não é a economia em maior expansão e crescimento no Mundo? Devíamos enviar embaixadas para aprender com eles? Devíamos organizar visitas de estudo, romarias e pós-graduações?...
Não esqueçamos, de caminho, os efeitos perniciosos das tiranias, em contraponto aos dotes balsâmicos das democracias milagreiras. Mas pasme-se: a mesma China foi sujeita a tiranias do arco-da-velha, que, à boa moda da crueldade oriental, nem nos passam pela cabeça (continua mesmo sob os rigores duma) e, não obstante, lá vai ela, toda pimpona, vacarrona inaudita, a grande velocidade, em adiantado estado de economia. Novo prodígio: o desenfreado servilismo não os impediu a eles, mas obstrui-nos a nós. Se calhar pecamos por defeito. É, deve ser isso. Devíamos treinar mais.
E quanto ao compadrio, esse cancro? Praticá-lo-emos mais que os italianos? Todavia, eles, que até inventaram a mafia, não se nota que se amargurem e descabelem como nós, ou pelo menos como o VPV. Não é patente que grandes complexos ou traumas, nesse departamento, os atormentem ou atrofiem. De tal modo, que até fizeram dessa infâmia produto de exportação. E não foi com importações dessas que os Estados Unidos se tornaram também uns adiantados de primeira água? E não suspiramos nós, e todos os virtuosos do mundo avançado, por Ferraris, Alfa Romeos, albardas Giorgio Armani e quejandas bugigangas para parolo adiantado-mental?
Mas tem pior, mais grave ainda: Nós, portugueses, párias do mundo, odiamos a lei e a justiça. Será que as odiamos mais, a essas virgens inefáveis, que os Americanos, ou os Ingleses? Basta comparar as taxas de criminalidade violenta, toxicodependência, densidade penitenciária, etc, etc. Ou será que simplesmente não estamos tão bem organizados como eles na mistificação e manipulação da lei e da justiça? Em qualquer dos casos, isso não os atrasa a eles, mas, para alta recreação do articulista, atrasa-nos a nós. Ora bolas!
E, por fim, culminar apoteótico, eis que, num vislumbre fulgurante, a criatura entrevê o paraíso na terra à beira mal plantada. E de que forma? Abracadabra: "uma sociedade individualista e...solidária", "inovadora e...disciplinada". Quer dizer, em simultâneo, uma coisa e o seu contrário. Vamos passar de país atrasado para país esquizofrénico? Belo e besta, por turnos? A desfazer de noite o que tecemos de dia?... Que maravilha!...
Mais palavras para quê? É um artista português.
E vem um tipo, que faz uma trafulhice destas num artigo, clamar contra a putativa trafulhice nacional.
Para mim, isto, este acto típico e campeão do tartufismo infestante, apesar de tudo, tem uma grande virtude: demonstra à saciedade que não só Portugal não é um país pobre, como, pelo contrário, é riquíssimo: pelo menos, em pobreza de espírito. De facto, "uma sociedade camponesa quase indigente", como radiografa o Vasco, já há muito vem dando lugar a uma sociedade urbana – de janotas cultorículas – a destilar pedantice e a chocalhar basófia. Urbanorreia, esta, e doravante, não apenas "quase" mas completamente miserável. Não apenas do espírito, mas também de todos e quaisquer valores que não sejam a vida fácil e o dinheiro homónimo dessa vida.
PS: Desculpa lá, Zazie. Deixas-te levar pelas simpatias goliardescas e nem sempre remiras com atenção. Assim, vou ter que to dizer outra vez (e espero que seja a última): o Rei vai nu! O Vasco faz-me lembrar o Dâmaso.
24 comentários:
Pois até que enfim que se quebrou um pouco esta unanimidade albanesa que também já me estava a fazer comichões “:O)))
Ora vamos lá um bocadinho de porrada como nos velhos tempos e por obra do mesmo senhor:
Primeiro, até devia colocar aqui o link do texto completo porque o VPV até escreveu isso numa de “homenagem” à dita capacidade de crença e de mudança do optimismo do Mário Soares. Coisa rara no senhor que optimismos não são com ele.
Mas, se quiseres, ficamos apenas com esse excerto, embora sejamos obrigados a enquadrar tudo isso em muito mais coisas e outras ideias do “goliardesco” do VPV.
Em primeiro lugar não acertas nessa tentativa de desmontar a noção de pobreza e compadrio por equiparação africana. Porque, o VPV sempre se interessou em analisá-la no seu enquadramento europeu e nas repercussões da revolução industrial que uns tiveram e que nós não tivemos (por falta da dita, e não é sequer novidade descoberta pelo Pulido).
Quando ele refere a sociedade agrária ligada ao compadrio ele também é capaz de te explicar historicamente como isso sempre foi assim desde os tempos remotos do início da república e do poder do cacique local numa sociedade em que o isolamento sempre foi geral para quem não pertence à cabeça Lisboeta.
Ele até escreveu coisas bem giras a esse propósito aquando do caso da Felgueiras. O compadrio é esse mesmo, é tacitamente aceite pelo povo que beneficia da corrupção do cacique e que desconfia com boas razões dos senhores de Lisboa.
E este atraso agrário de uma sociedade que sempre esteve na cauda da Europa e fechada para o mundo também se paga não apenas pela manutenção do atraso (à africana) mas pelas consequências de um súbito “desenvolvimento” melhor dizendo: money que até nem tem correlação com um desenvolvimento real das estruturas produtivas mas que é o responsável paro paradoxal novo-riquismo de que falas. E o Pulido também já se fartou de o referir. Não podia agora nesse texto dizer tudo, como é óbvio, mas tu sabes bem que ele já o disse...
Quanto ao odiar a justiça também me parece que meteste a martelo essa interpretação. Quando ele fala em odiar a justiça não se está a referir a termos crimes mais sanguinários que os outros. Está-se a referir ao mesmo que tu, meu caro e digníssimo Dragão! Está-se a referir ao hábito do poltranismo do laxismo em que todos fazem de conta que cumprem e os outros fazem de conta que “fazem cumprir”. Queres exemplos? O VPV tem textos excelentes sobre essa choldra de laxismo a propósito do comportamento dos automobilistas. Não te lembras do que ele escreveu sobre aquele imbecil mail que corria por aí a avisar onde estava a polícia e a dar a matrícula dos carros e lugares em que se encontravam para que, numa de solidariedade, todos pudéssemos alegremente, exceder a velocidade e evitar essa estúpida sanção da lei?
Pois é disto que ele fala. E de como o poder também faz de conta e ainda dá exemplos piores de não cumprimento das magníficas leis ou casos que, de boca cheia, e com o aparato da moda, costuma vir solenemente anunciar.
Era disto que se falava. É nisto que gosto do VPV, afinidades goliardescas à parte. Diria que me estranharia que a ti tanto te irritem estas saloices do nosso escriba do contra, mas pronto, admito que tu tens exigências mais profundas e outros tipos de ódio que até nem deixam ver as semelhanças “:O))))
O texto politicamente incorrecto por excelência! A welwitschia mirabilis da iconoclastia!
Ora bem, estas incursões metafóricas estimulam sempre a verve da acutilância e despertam o meu espírito de S. Jorge, um pequeno deus caseiro que tem residência permanente no sótão onde guardo as armas de arremesso.
Ora citas os italianos como exemplo da anomia mais completa e ao mesmo tempo da indiferença à lamechice mais militante que entre nós toma partido de maioria de ruído silencioso.
O italiano é, de facto, um bom exemplo a apontar.
Enquanto nós nos orgulhamos do nosso milénio de história, do Viriato ao...aos...Descobrimentos, passando pelo Nuno Álvares Pereira e ficando-nos nessas memórias históricas para nos fortalecermos de brios, os italianos nem se preocupam com isso: dão um pontapé numa pedra e aparece-lhes uma história a brilhar! Pode ser numa moeda de Diocleciano e pode ser num escrito renascentista. Têm história para dar, voltar a dar e vender a seguir por muito bom preço. Têm cidades cuja beleza natural e artificial até fere os olhos do visitante. Por cada Vasco Gonçalves ( o dos painéis, não o celerado) têm eles duzentos renascentistas que pintaram abóbadas! Por cada Camões, têm eles os Petrarcas e Dantes, que ocupam o dolce fare niente de apaniguados da nossa cultura estrangeirada. Por cada Fátima Lopes da pinderiquice têm eles o Armani, mai-lo Valentino, mai-lo Zegna, mai-lo grupo da Benneton e as fiações da seda, do algodão e do linho que vendem ao mundo em cortes impecáveis de bom gosto. Misturam isso com a massa Buitoni, o raviolli e a perícia intransmissível em fazer risotto.
Por cada Aveiro de canal moliceiro, têm eles a Veneza incrível, com os canais em dédalo.
Enfim, os italianos que eu acho serem o povo mais parecido com o nosso, em traço fisionómico puro, têm a Cultura ocidental plasmada neles!
Basta falar com um italiano de profissão definida para perceber que eles aprenderam bem e sabem mais do que nós alguma vez saberemos se continuarmos nesta senda de ministros da educação da estirpe dos grilos e dos carneiros.
E na política já transcendem há muito o pós modernismo. Puseram de lado a mitificação dos líderes e arranjam um quando lhes apetece, sem ligar muito ao pedigree. Foi por isso que agora escolheram um bandido de casaca e em 2006, o porão a mexer se perceberem que não lhes resolve problemas comezinhos ou os envergonha demasiado.
Os grandes problemas não são resolvidos pelos partidos que aliás partiram em cacos, refazendo o espectro político em cores que até admite o arco íris. Por aqui, no torrão natal, as cores ficam-se pelo rosa velho e o laranja desbotado, como alterantivas de escolha.
Basta entrar numa livraria qualquer de uma quqleur pequena cidade italiana, para perceber num minuto de observação das estantes, a diferença que faz a cultura e o conhecimento!
Portugal não tem nada disso, em quantidade criticamente suficiente, para impor grupos de pensadores que façam opinião pública. Temos por isso uma opinião demasiado abúlica e entretida com misérias óbvias.
É esse o papel de um VPV: elencar indigências atávicas.
Não se espere mais do escriba de fim de semana. É a nossa Cassandra de psiché. E mesmo assim, como ordena bem as frases, lê-se com gosto. As trafulhices retóricas contam pouco, pois também o crédito é desnecessário. A leitura da opinião não obriga à compra, pois não é bem de primeira necessidade. Logo, opiniões andam por aí, aos pontapés, e muitas delas pelas ruas da amargura.
Quanto ao nosso modo de ser, é preferível castigar os costumes no sarcasmo, como faz o Vasco, do que seguir comportamentos de Dâmaso. Os Salcedes de Portugal são muitos, mas ao Valente não lhe assenta bem essa luva.
Diria mais que ao Vasco sobra-lhe nos escritos a intenção de surra; mas, frequentemente, faltam-lhe palavras para o açoite na hora certa.
Outros, antes dele, seguiram a mesma vereda de assalto às intenções e actos de quem manda. Ramalho Ortigão e mesmo Eça, emboscaram-se mas Farpas e a tradição da maledicência é pacífica entre nós.
Como, aliás, nós próprios damos testemunho...
bons exemplos, José. De facto os italianos são um caso... e o VPV também já falou no assunto: o nosso problema nem é a corrupção que eles têm-na em maior escala e com maior rotatividade e lá por isso aquilo não deixa de funcionar: o nosso problema, como ele também ainda há pouco tempo disse (creio que a propósito do gajo do Avelino Ferreira Torres), se ao menos isso ainda nos trouxesse riqueza...já que vergonha ninguém tem...
Quanto às contradições do individualismo-solídário também reparei mas pareceu-me acessório. Afinal nunca o vi nem a defender um mundo liberal extremo (se há gajo que defenda os impostos é o VPV) como nunca o vi encher a boca de solidariedadezinha. Até no tempo do Cavaco ele gozava com essas boas intenções (na altura era a família) como modo do Estado escapar a patrocínios.
É capaz de ter sido efeito da prendinha de anos para o marocas ";O))
Ah-ah-ah!...:O)) Nada como bordoada no Vasco, para vos estimular, ó meus comentadores de eleição!...Valeu a pena a bordoada!...
Ao Vasco, aí estamos de acordo, salva-o a verve, a estética e nada mais! Já não é pouco. Mas convém não misturar ficção e arte ficcionista com lucidez histórica.
Eu não leio o senhor e apanho ocasionalmente com ele de ricochete.
Também já deverieis saber que não me atrai a cultura italiana, os Dantes e quejandos. A cultura ocidental é nota de roda pé dos Sófocles e Homeros dos abismos, como o Eça (e eu estimo-o) é sub-produto do Stendhal. Deixemo-nos de complacências e de liliputices. Se em terra de cegos quem tem um olho é rei, para mim não: é zarolho!...
Quero que se foda o VPV, mas a vós dois ganhei-vos afeição e estimo que não sejais burros nenhuns! Até porque vos admiro, sobremaneira, quando não concordais comigo!...
Irra, mas que foram uns belos comentários, lá isso foram!... :O))
A nossa corrupção talvez seja idêntica à deles! Porém, os nossos profissionais de assalto à besta estão desmotivados pela anomia reinante.
Por lá, a mafia e o tráfico de apalti são tradição da casa e fenómenos endémicos. Por cá, o tráfico de influência, e também dos apalti, são fenómenos endémicos, também. O que varia então, nas duas latitudes?
A organização e a competência profissional no jogo do gato e do rato. Aqui os ratos já conquistaram lugar no conselho de ministros. Por lá, chegaram ao topo do próprio conselho.
Os gatos de cá andam constipados com gripes crónicas. Os de lá, não têm mãos a medir e atiram-se aos ratos com ganas de os apanhar.
Ora vejam lá:
Alguém tem a mínima dúvida que os negócios de milhões de aquisição de bons duradouros e a transferência de activos e passivos, se fossem escrutinados como deveria ser, mostrariam o autêntico antro de ratazanas, escondido nos buracos do poder?
Alguém duvida do pagamento de comissões, luvas, e troca genérica de favores entre quem decide sobre milhões?
Só para dar um pequno exemplo, já tratado noutro local:
A empresa Petrocontrol que agrega grupo Espírito Santo;Patrick Monteiro de Barros; grupos Mello, Amorim e Parfil; a Fundação Oriente e o empresário Manuel Boullosa, comprou em 1992 uma participação de 33,34% na Galp, por 439 milhões de euros.
Poucos anos de pois, vendeu essa participação à ENI italiana em negociações intermediadas pelo escritório de advogados de Morais Leitão, por 963 milhões de euros.
A mais valia realizada de 525 milhões de euros, deveria ser tributada e se o fosse renderia ao Estado cerca de 165 milhões de euros. Foi-o?! Não! O engº Guterres mai-lo o seu governo, antes de fugir do pântano, isentou-os especialmente desta maçada.
Ah! Em 1994, a Petrocontrol tinha detectado um "buraco" financeiro na empresa- a Galp - da ordem de 100 milhões de euros que se seguiu a um outro de 50 milhões de euros, logo em 1992!
Alguém investigou estes fenómenos, na altura certa e no tempo do engenheiro que tinha medo dos pântanos?!!
Outra: ficou provado que na altura da eleição presidencial que levou Sampaio a Belém, um certo Santos Martins, compadre de Cavaco Silva intermediou um negócio de compra de aviões Airbus por conta da TAP. Como se levantaram suspeitas de o referido Santos Martins ter recebido umas luvitas nesse negócio, o que foi denunciado pelo prejudicado e pessoa conhecedora do milieu, fez-se um Inquérito para caça ao ratola escondido.
Resultado, ao fim de vários anos de espera e de jogo de escondidinho: provou-se que a vendedora pagou efectivamente luvas pelo negócio. Não se apurou foi a quem...
Mais palavras para quê?!
Outro domínio- o futebol que é um mundo à parte. Alguém tem dúvidas de que há uma parte desse mundo que chafurda no meio da traficância de influência e da pequena corrupção- dos árbitros aos dirigentes?!
Estes problemas não têm a ver com bodes expiatórios. Têm a ver com costumes. Alguns acham que são aceitáveis. Outros não. Os valores que venham e decidam.
Por mim, não tenho grandes dúvidas.
é... essa dos bodes serem expiatórios também nunca me convenceu muito... lá da família serão,pois que atributos caprinos não lhes faltam. Mas, cá para mim não expiam nada que também não têm quem os agarre pelas canelas ":O)))
Ocorre-me aquele gag do Jô Soares, o do "corruptu" na pildra. Perguntava ele, escandalizado: "Corrupto? Mas sou só eu?! Cadê os outros?!..."
Já lá diz o ditado :" OU há moralidade, ou comem todos."
Se não há moralidade...
E todavia sobra um enigma: "Quem é que selecciona quem?"
Não obstante, cada qual só vê o que quer ver. Ou melhor, o que lhe interessa. E ao bem estar da sua consciência.
Pois..cadê os outros?!
Neste campo minado, como noutros, aliás, aplica-se a velha máxima: uns escapam por casualidade; outros são vítimas por acidente. Geralmente, o acidente,advém a seguir a um divórcio mal resolvido ou devido a comadres que se zangam com estridor.
FOi assim que se espoletaram as bombas de alta poder de fragmentação que se entregavam à porta do jornal Independente. Todas elas e que atingiram os Belezas, os Costa Freires, os Melancias, os Cadilhes, etc etc.
Também no caso Moderna a bomba foi entregue a pedido de boas famílias que costumam procurar o Bem.
Ora, sendo os bens escassos, é da teoria económica que a luta pela sua obtenção gera antagonismos. Sendo os meios escassos também é do senso comum que não é possível andar a policiar e a perseguir com penas todos os corruptos. Como todos sabem disto, é então que se aplica o aforismo caseiro que apontei: alguns são vítimas por acidente e outros escapam por mera casualidade. Escapam muitos- e por isso o crime compensa largamente o risco.
É notório que um pindérico qualquer que vai para o governo ganhar umas centenas de contos, não têm possibilidade de fazer vida de quem ganha milhares- e alguns fazem-na e nunca serão apanhados. COmo não serão apanhados os pequenos salteadores do galinheiro das autarquias e estou a referir-me concretamente a uma amálgama de engenheiros, directores de serviços, desenhadores e arquitectos, para além de vereadores e presidentes que ganham a vida na candonga pura e simples e para eles o modo de vida e já um hábito arreigado e tributário daquela máxima: escapam por casualidade e perdem-se por acidente de percurso.
É este o panorama da vida social dos estratos mais aburguesados e simultaneamente mais rascas da sociedade democrática. Uma sociedade de rapinantes e de corruptos que não passam sem meter a mão no prato das lentilhas por que se deixam comprar. E é um fenómeno generalizado, parece-me.
Daí que seja virtualmente impossível, nas sociedades actuais, combater todos os ratos, pois não há raticida que chegue e por outro lado, a sociedade não aguentaria a carga e a pressão dos gatos assanhados, se o pudessem fazer.
Há um equilíbrio nas repressões e o importante é não perder o sentido dos valores que ainda contam.
Daí, mais uma vez, o sentido calibrador do ditado: uns escapam por casualidade; outros quilham-se por acidente. E é bem feito, não devendo ver-se nisto uma discriminação ou perseguição ad hominem, mas apenas o devir natural das coisas. É assim, porque é assim, como disse para aí uma juiza que não se quis dar ao trabalho de fundamentar a decisão.
E eu digo também que o azar que bate à porta de alguns, não é verdadeiro azar: é apenas a sorte que parou de sorrir...ou o reflexo do ditado do cântaro que tantas vezes vai à fonte que um dia lá deixa a asa.
ahahaha que maravilha essa da "sorte que parou de sorrir"!
em cheio. Por isso ficam com aquele ar de galinha aflita para por o ovo e que já não vai a tempo ":O))))
Uma vez que a corrupção se transforme em "costume", e todo o tecido social seja impregnado, as estruturas dominantes acabarão um dia controladas por corruptos. A partir daí, o aparelho de estado estará ao seu serviço, e as próprias leis serão adoptadas à "nova ética".
Daía que, ou se acaba com a corrupção, ou ela acaba com quaisquer hipótese ou entidade capaz de a colocarem em risco. É assim que os regimes se putrefazem. Até à implosão ou explosão; ou à pura dissolução do organismo que era suposto regerem. A História Universal explica. Portanto, meu caro José, sabes bem que compreendo a tua posição e subscrevo, na essência e na intenção, o teu discurso. Mas a realidade é como é. E não se compadece.
Resumindo: Não se combate uma doença atacando só uma pequena parte dos micróbios.
Pois não. O problema, contudo, é que a corrupção não é uma doença que se possa combater com puras medidas de intervenção e repressão. Pura e simplesmente não adianta, porque até nas próprias cadeias ela existe em profusão, nas mais pequenas coisas, como seja a busca de um cigarro ou a de um estatuto de protegido.
A corrupção é mais uma forma de vida que se opõe a outra e que com ela convive num equilíbrio instável mas permanente.
Nas sociedades menos corruptas, do Norte da Europa, isso significa que as pessoas trocam bens e serviços respeitando as regras consensuais.
Nas mais corruptas, de expressão latino americana ou mesmo asiática, a maior corrupção deriva também do respeito das regras consensuais, embora não escritas.
As regras escritas seguem valores que se querem universais, estabelecidos por classes dirigentes democraticamente eleitas.
As regras não escritas seguem valores ancestrais e que sempre se opuseram ao ordenamento que existe para evitar a consensualização da lei da selva e que é a do poder do mais forte, do mais esperto e do mais manhoso.
COmo essas tendências são naturais e se manifestam por geração espontânea, só um esforço civilizacional as poderão contrariar e evitar as formas primitivas de organização social. A religião, a filosofia, a ideologia estabelecem regras de conduta, princípios de vida em sociedade e lá chegam ao ordenamento jurídico.
Todo o ordenamento jurídico parte de valores prè-existentes e lhe acrescenta os convenientes à ideologia dominante.
Entre esses valores avulta, nas sociedades democráticas e ocidentalizadas, o respeito pela igualdade de todos perante a lei e o respeito da legalidade.
Ora esses valores e princípios são um verbo de encher papel em muitas cabeças governantes que pura e simplesmente não os aceitam intimamente por não se reverem pessoalmente nesse espírito de democracia, embora o alardeiem para permanecer em posição de poder usufruir das suas vantagens.
Muitos "democratas" actuais e portugueses e até alguns que se julgam paizinhos da pátria, não estão para se ralar a interiorizar comportamentos que impõem aos outros através das leis que mandaram fazer.
As leis, assim, são meras sugestões e os princípios meros indicadores de tendência, com excepções que abrangem esses putativos senadores que se colocam acima e ao lado desse ordenamento.
É aí, nesses interstícios de domínio da lei da selva que se situa a luta perene entre o gato e o rato.
Esta é uma posição cínica, bem sei, mas não alcanço outra forma de lidar com um problema que não é extirpável como uma doença ou até um simples quisto o poderia ser.
Não sendo possível arrasar a sociedade para limpar os corruptos, a alternativa é conviver com o fenómeno como natural que é- e confiar na superioridade dos valores que o contrariam e são consensualmente aceites pela lei democraticamente instituida.
O resto é um jogo, onde entram as leis próprias do caos, das probabilidades e da estatística.
Há um equilíbrio nesta instabilidade aparente e que se consegue pelo funcionamento regular das instituições, mesmo que algumas delas estejam já minadas pela térmita.
Como se vai sabendo, esta espécie de formiga branca é inerradicável por muito banho de químicos que lhe dêem.
A solução neste caso, segundo os especialistas, é gerir a praga. Exactamente.
Boa análise, José! Pois eu penso que assim seja e que a diferença de peso entre o gato e o rato também fique entregue ao profissionalismo de ambos. Os “gatos” que conheço estão cada vez mais cépticos em relação às caçadas, é verdade, o que importa é que sejam bons gatos e também se propaguem. O resto são os espectadores ou os apoiantes das diversas cliques a quem a tal igualdade da lei interessa mais da boca para fora. E são esses muito dados à figura do “bode expiatório” ou ás variantes cabalísticas que eles lá sabem que o que toca a um hoje pode vir a tocar a ele amanhã...
Mas, uma coisa também me parece certa: se não for neste equilíbrio instável da dita democracia que nos amanhamos cuidado com as “mudanças radicais” ou as promessas de “limpeza”. Vem sempre porcaria da mais grossa.
Os comentários que este post suscitou são, por sua vez, do melhor que já li na blogosfera portuguesa (prefiro a italiana e a distância mede-se em 'parsecs'). E vir aqui dá direito a um bónus extra (o principal é ser escrito em português decente): uma excepcional lucidez.
Os meus parabéns a todos.
Estou maravilhado!
A lisura e elevação intelectual deste debate faz a Crítica da Razão Pura mais parecer o guião dos Malucos do Riso.
www.a-bomba.blogspot.com
Venho aqui reincidir para dizer uma coisa que não me apetece muito dizer noutros lados:
O Bibi, que prefiro chamar por sr. Carlos Silvino, falou em tribunal como era seu direito.
A audiência é pública e por isso posso citar e glosar.
O sr. Carlos Silvino que do processo Casa Pia deve saber tudo, disse que os acusados no processo eram culpados dos crimes por que vinham acusados. Disse isso livremente, pois se assim não fosse alguém o teria apontado.
Tendo em atenção os elementos de prova que existem no referido processo, será caso para dizer que se inverteu o ónus de prova, mesmo que assim não seja, no direito que temos.
COntudo, perante essa confissão, forçoso é concluir que as ignomínias lançadas durante meses a fio sobre os investigadores e acusadores públicos e sobre o juiz Teixeira, ficam no vácuo das estratégias de defesa.
COmpreende-se - mas fica-se a compreender melhor que o trabalho que se fez foi meritório e não a borrada que muitos queriam e desejavam que fosse.
Tenho dito.
é verdade, José! também queria comentar isso consigo e aqui a casinha do Dragão é o local certo para evitar aquelas coisas que nós sabemos...
foi em grande! gramei, agora desenrasquem-se! mas a verdade é que ele até já tinha implicado o Pedroso só que no recurso fizeram vista grossa ou vieram com uma treta qualquer de fora de tempo...
Não vejo razão nenhuma para que se inverta ónus da prova, só porque o Senhor Carlos Silvino se lembrou de dizer aquilo que disse. Aliás, esse Senhor Carlos Silvino já disse e desdisse muita coisa, já aventou inúmeras versões para todos os gostos, porque é que só esta última há de ser a credível?
Mesmo que assim não fosse, qualquer juspenalista te dirá que as declarações de arguidos nunca podem valer como prova acusatória contra co-arguidos: porque são sempre um meio de prova particularmente frágil, porque os arguidos não estão sujeitos ao dever legal de falar verdade, entre outras razões. E quando esse arguido se chama Carlos Silvino, ainda menos credível se torna esse meio de prova.
Finalmente, quanto ao juiz Rui Teixeira, é um asno vaidoso, sem escrúpulos e de tal forma sedento por protagonismo de que chega a ser doentio. Basta recordar que nunca deveria ter sido ele o juiz de instrução deste processo, que só lá chegou por trapaça com o colega e que todos os seus actos foram revogados pela Relação, em termos aliás invulgarmente severos para com um juiz de primeira instância.
Podes ver mais crónicas sobre este tema no meu blogue: www.a-bomba.blogspot.com
mas, não é por nada, já tinha pensado que isto podia muito bem acontecer. O gajo era o único preso, ia apanhar com as culpas sozinhos e estava a ver os Vips todos a escaparem... já se sabe, assim como assim, abriu a boca.
Mas agora vai haver por aí muita gente a engolir sapos, ai vai, vai...
Flávio:
Não vou aqui usar a casa acolhedora deste temível Dragão, para esgrimir argumentos ou razões para além do seguinte:Não tens razão quanto ao Rui Teixeira, ponto final para mim.
Quanto à inversão do ónus da prova,eu disse que em termos jurídicos não era bem assim. Porém, a partir daqui, o problema para os arguidos complica-se. NUm processo em que as provas essenciais, são testemunhais, como são os depoimentos dos ofendidos, um depoimento de um arguido como o Carlos Silvino vale muito. Quase tudo, caro Flávio.
A circunstância de ele ter dito isto ou aquilo não terá valor negativo por aí além se ele depôs livremente e se convenceu o colectivo daquilo que disse. Por uma simples razão de ordem jurídica: são os depoimentos prestados em julgamento que contam! E quem confessa livre e espontaneamente em julgamento, tem direito a ver a pena reduzida na sua medida concreta. Provavelmente, a defesa irá confrontá-lo com o que disse antes e fará bem. Aguardemos assim o que virá a seguir. Pode ser que ele ainda fale mais...
Quanto à designação do juiz Teixeira em violação das regras do juiz natural, tenho a dizer o seguinte:
todos os dias, pelos tribunais deste país se violam essas regras, sem consequências, pois ninguém se rala. Se bem te lembras, a questão foi colocada numa sexta feira ao fim da tarde e quem deveria despachar o processo já lá não estava no TIC. COmo no dia seguinte o juiz de turno era o Teixeira, assumiu ele o encargo de despachar. Na semana seguinte, o processo calhou na distribuição a outro juiz e este, sabendo que o Teixiera já tinha despachado na sexta feira, entendeu por bem endossá-lo a ele que o aceitou. A responsabilidade do desaforo é do Teixeira?!
Paremos por aqui, que não quero abusar da facilidade de acolhimento e estou em casa alheia.
Desculpas ao Dragão.
Por mim, estejam à vontade.
Sobre processos em julgamento, especificamente, abstenho-me de emitir opiniões. Compete aos tribunais julgarem. Que julguem. Aguardo para ver.
Continuo a achar que a Justiça é uma coisa digna e não devia ser amesquinhada com quaisquer tipos de folclore e bandalheira.
Mas eu sou um gajo antiquado, eu sei.
Pois bem. Então com a "devida vénia", aqui fica o primeiro texto que publiquei sobre este assunto e que a Zazie se deve lembrar.
É de 3.2.2003, logo após a prisão do apresentador de televisão.
Nessa altura, no sítio onde escrevia, usava como esconderijo um pseudónimo que retinia como joe dalton e por isso as referências são do western.
Aqui fica, sem exemplo:
"Perante acontecimentos extraordinários de fim de semana, descobri um texto antigo que me obriguei a passar, como treino na Remington e motivo de reflexão pessoal perante as perplexidades desses acontecimentos. A minha pena na solitária obriga-me a cuidado no juizo alheio mas também a muita prudência na presunção de culpa seja de quem for.
Por isso, o texto não é labéu para ninguém. Para além do mais, o Pinkerton não mo permitiria . Contudo, esta hipótese de explicação dos acontecimentos, não me parece despropositada, no caso dessa presunção não se confirmar.
O texto é de Robert Louis Balfour Stevenson, nascido na Escócia em 1850 e que escreveu, em 1886, a obra “The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, uma récita, na primeira pessoa, sobre uma estranha forma de vida...dupla e uma reflexão metafísica sobre o mal. Este mal, a ser real, seria insuportável, pois estaríamos confrontados com um mr. Hyde que se ocultou de todos nós durante anos e a quem nos habituámos a admirar.
Aqui fica o excerpto:
Devo agora falar, apenas teoricamente, dizendo não o que sei, mas o que suponho ser mais provável. O lado mau da minha natureza, integrado numa nova forma corpórea, era menos robusto e menos desenvolvido que o lado bom que eu acabara de depor. Durante a maior parte da minha vida que, apesar de tudo, fora uma existência de canseiras, virtudes e recalcamentos, esse lado exercitara-se em escala bastante menor e despendera muito menos energias. Por essa razão, segundo penso, aconteceu que Edward Hyde era muito mais pequeno, mais débil e jovem que Henry Jekyll. Enquanto o rosto dum resplandecia de bondade, o do outro trazia o cunho da ignomínia. Além disso, o mal ( que eu acredito agora ser o lado fatídico do homem) imprimira já naquele corpo o estigma da deformidade e decadência.
(...)Observei que, quando exibia a forma de Hyde, ninguém podia aproximar-se de mim sem um bem visível estremecimento. Eu atribuo isso ao facto de todos os entes humanos, tal como os vemos, serem uma mistura do bem e do mal, e Hyde, único na espécie, era pura essência maligna. Demorei-me apenas um momento diante do espelho. Tornava-se necessário tentar a segunda e conclusiva experiência; certificar-me se havia perdido, para sempre, a minha identidade e, se assim fosse, nada mais me restaria senão fugir, antes de alvorecer, daquela casa que já não me pertencia.
(...) A droga não tinha um caracter específico, não era diabólica nem divina. Apenas moveu as portas do cárcere que sepultava a minha índole. E tudo quanto aí se amontoava, coagido e represado, trasbordou em liberdade. Nessa altura a minha virtude dormitava, mas a maldade, acordada pela ambição estava alerta e pronta a aproveitar uma oportunidade. E assim nasceu Edward Hyde. Por isso, ainda que eu tivesse agora dois caracteres, bem como duas aparências, um era intrinsecamente mau, e o outro, ainda o do velho Henry Jekyll, essa absurda mistura cuja reforma e aperfeiçoamento eu já desesperava de conseguir. A evolução processava-se, pois, no sentido do pior.
(...) As alegrias e prazeres que eu me apressava a procurar sob disfarce eram, como já disse, pouco edificantes e dificilmente lhes poderia aplicar um termo mais rigoroso. Mas sob a forma de Edward Hyde em breve se tornaram monstruosos. Muitas vezes, no regresso dessas excursões, mergulhava numa espécie de torpor e assombro ao meditar na minha falsidade e depravação. Este ser que eu tinha extraído da minha própria alma e libertado para a satisfação dos seus instintos, era intrinsecamente pérfido e asqueroso. Cada gesto ou pensamento o denunciava. A tortura inflingida a outrém constituía uma fonte de prazer de que ele se servia com bestial avidez, insensível como um homem de pedra! Henry Jekyll, por vezes, ficava horrorizado com as façanhas de Edward Hyde; mas a situação estava à margem das leis comuns , e a consciência, perfidamente relaxada, cobria os seus desmandos. Era Hyde afinal, e Hyde somente, o único culpado. Jekyll continuava o mesmo. Quando surgia de novo, continuava adornado das suas boas qualidades e apressava-se, onde fosse possível, a reparar o mal que Edward Hyde houvesse praticado. E assim adormecia a consciência.
Nos pormenores das infâmias em que , deste modo, eu era conivente ( pois nem mesmo agora posso admitir que tivesse sido eu a perpetrá-las), não tenho intenção de me alargar.”
Fico pensativo, triste e ciente que um abusador não costuma confessar os crimes de certa natureza, nem que as evidências sejam esmagadoras..."
Eu concordo com o José quando diz que não devemos abusar da hospitalidade do Dragão. Aliás, este tópico nem sequer respeitava à Casa Pia. Mesmo assim, e com a devida licença do nosso paciente e generoso anfitrião, gostaria de dizer só mais umas coisinhas:
a) O depoimento de um co-arguido não pode valer neste, como em nenhum outro processo criminal. Não é uma questão de maior ou menor credibilidade do Senhor Carlos Silvino (que aliás não merece nenhuma), é apenas uma questão de aplicação de uma regra jurídica incontroversa. A não ser, claro está, que entendamos que o Estado de Direito acaba onde começam os processos por crimes sexuais e que neste tipo de delitos todos os abusos e ilegalidades devem ser permitidos ao Estado. Eu não entendo assim.
b) A prova acusatória da Casa Pia é frágil e puramente testemunhal? Pois bem, que se culpe quem dirigiu desastrosamente este inquérito: o Ministério Público. Até a Directoria da PJ de Lisboa já criticou a actuação dos procuradores que avocaram a condução desta investigação e afastaram por completo a Judiciária (e porquê?!). No caso de Carlos Cruz, convém recordar que em Novembro, Souto Moura veio à TV assegurar a sua inocência e em Janeiro o apresentador era preso. Que raio de investigação é esta que dura apenas dois meses?
c) Eu não subscrevo aquela tese politicamente correcta que a Justiça deve funcionar a todo o custo ou que qualquer crítica aos tribunais é uma manobra conspirativa. Como o Presidente Sampaio salientou recentemente, falta-nos ainda uma verdadeira cultura de direitos fundamentais. E só num país atrasado e juridicamente inculto como este é que uma criatura como o Rui Teixeira goza do prestígio que goza junto da populaça.
d) O Rui Teixeira é uma pessoa com uma fixação doentia pelas luzes da ribalta, vaidoso, incompetente e totalmente destituído de escrúpulos. Desdobrou-se em entrevistas aos jornais onde fazia as vezes de MP acusador em momentos estratégicos do processo (mesmo quando já não o conduzia!), sonegou escandalosamente o direito de recurso ao Paulo Pedroso (o mesmo recurso que acabaria na libertação do deputado!) apenas porque o advogado Celso Cruzeiro o criticou publicamente, conduziu interrogatórios até altas horas da madrugada, mandou prender arguidos durante meses a fio sem sequer lhes dizer porquê, chamou o Carlos Cruz e seus advogados de palhaços num dos seus despachos, notificou a TVI antes do arguido Carlos Cruz da manutenção da sua prisão (quando ainda vigorava o segredo de justiça!) e alunou neste processo da forma mais escandalosa possível, muito provavelmente apenas para satisfazer a sede de protagonismo - como salientou a Relação de Lisboa no acórdão que o escorraçou a pontapé deste processo.
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Áh! O nosso bem e velho Joe! Lembrava-me pois, e isso não foi escrito quando esteve na solitária e a Mam’ Dalton até lá foi levar-lhe uma tarte de cerejas? Ehehehehe
Pois é, essa velha história do monstro “inside”..
Mas eu não vou aqui, na casinha do nosso querido Dragão, entrar em diálogo acerca disto. Pelo menos não quero entrar naquele tipo de conversa demasiado próxima das emoções e das pessoas que acaba por ser sempre tão deselegante e que dá ideia que também leva algo da nossa intimidade atrás. Nestas coisas estou como os médicos: só se pode falar de entranhas desumanizando-as. É preciso fugir para os preceitos técnicos, para a teoria forense, para o funcionamento das instituições, para os meandros dos códigos, das hierarquias judiciais, dos mil e um poderes e burocracias que compõem a dita “justiça” que o nosso Dragão respeita como senhor conservador.
Pois eu, para respeitar figuras em abstracto, sou capaz de respeitar mais a dita na iconologia do Rippa que os “animais de letras”, como lhes chamava o Goya, ou os privilégios dos que sempre acharam, como uma vez o José disse (em brincadeira brasuca que agora não me recordo da autoria) “para os amigos tudo, para os inimigos a justiça".
A minha curiosidade técnica mantém-se. O mini-curso que tive com o nosso querido José até devia dar direito a desconto no IRS (dele) ehehe Mas é mesmo cada vez mais só isso. Ou, pelo menos, é por aí que não me inibo. De resto, às vezes penso que deve ser muito difícil um povo conseguir manter uma saudável repugnância por actos públicos que envergonham toda a sua história colectiva, sem cair na tal chicana pública que tanto incomoda um Pulido como um Dragão... é verdade, isto se fosse um crime de furto ou até um crime de sangue trazia menos patologias atrás. Mas não é... para mim é até mais cobarde, sabujo e aviltante usar-se uma instituição de caridade estatal para abusar dos desgraçados que se deviam proteger. E esse sim, é o grande crime. O resto são vícios mais ou menos públicos, mais ou menos privados, mais ou menos vips, mais ou menos rascas. E o resto ainda é o que escapa, por estar fora de prazo e o que escapa porque não há limpezas de alto a baixo de uma instituição (e devia haver) e menos ainda de um país- felizmente!
bom e velho Joe, sorry ":O.
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