domingo, novembro 23, 2008

Ou em forma de fábula...

Era uma vez um cordeiro que gostava de vestir pele de lobo e arvorar um pequeno pau a imitar cajado. Punha-se então, à beira dum regato, com grande empáfia, a proclamar a sua superioridade genética e intelectual em relação à estúpida carneirada. "Essa ralé! Essa populaça!", proclamava, "essa choldra precisa duma elite devidamente vestida, superiormente equipada, adornada por um preclaro domínio das leis da selva, dos imperiais princípios da cadeia alimentar, dos quesitos, protocolos e hierarquias do pedigree social, da epistemania gaiteira e do suave proxenetismo da verdade, em suma, um escol recheado e postiço de gado como eu, que a pilote, tosquie e administre na sua estúpida e tasquinheira existência!..."
Mais um dia se esfumava no horizonte e mais um dia ele dispendera nessas perlendas ufanas. Compenetrado em tais afazeres, nem se apercebeu duma sombra negra e inquietante, ampliada pela luz crepuscular, que foi crescendo atrás dele. Um rosnar cavo e sinistro de fera escutou-se então:
«Ouvi dizer que de mim muito bem tens dito e por mim generosamente tens falado...»
Antes de se virar, o cordeiro ainda jactou qualquer coisa irrelevante. Depois, encarando a dura realidade, quis despir apressadamente a pele, pedindo imensa desculpa.
«Venho reclamar o que me pertence. - Riu-se o lobo, sem piedade. -Mas essa pele não é minha, para nada me interessa - furtaste-a nalguma sepultura, desgraçado?!... É o que está debaixo dela que, por lei (a lei que tanto adoras), me pertence e que vou agora cobrar".
E a treva, caindo, serviu de pano ao teatro da crueldade.



Moral da história: se não queres experimentar o lobo, não lhe vistas a pele.

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