se eu fosse de me espantar facilmente, estava agora perplexo, senão mesmo estarrecido; se eu fosse atreito a crenças, estava agora a persignar-me de alto a baixo; e se fosse dado a juízos psíquicos apressados, estaria agora a recomendar-lhe sedativos e uma boa -não direi camisa, mas - luva-de-forças, a ver se atenua essas convulsões e espoldrinhamentos no teclado.
No essencial, é público e está à vista de quem saiba ler, agradeci-lhe e desejei-lhe (sem qualquer ironia, aliás) Boas Festas. Vossência, todavia, depois de rir, preferiu atirar-se às minudências e pentelhices. Presumo que terá contraído essa tendência com os anglo-saxofónicos, porque entre nós, lusotoinos, isso é extremamente raro. Daí a lançar-se a jacto pela estultosfera a fora e - alcançada a velocidade de cruzeiro, por volta dos 5.000 pés-de-salsa- a ligar o peixeiro-automático, foi um ápice. Menos que um ápice: uma fracção de centésimo de segundo.
Motivo para o tremendo escarcéu: foram-lhe ao acólito. Coisa gravíssima, ao que vislumbro. Hirsutante, descomposto, em suma, ridículo, rompe em clamores às autoridades da higiene pública, à futura ASAE dos blogues, que venha, que venha depressa, urgentemente, condimentar línguas, condomizar penas e ultrapasteurizar léxicos. Que é um despautério, uma pouca vergonha, um crime de lesa-hipocrisia, a mais imunda das tradicinhas! Socorre-se até da sombra proba e austera do Presidente do Conselho para servir de tenda de circo a tão descabelados contorcionismos e acrobacias. Não tarda, temo bem, empoleira-se na Santa Madre Igreja e serve-se dela para catapulta dos seus remoques e azedumes descabidos. Vício de instrumentalização dá nisso.
Mas vamos ao busílis. Considera então que lhe ofendi o anão. Acha mesmo? Sério? Urinei-lhe no duende de jardim, o seu rico duende de jardim, foi? Não tive essa intenção, afianço-lhe. Referi-o apenas tal qual se me exibe, enquanto fenómeno. A coisa-em-si (isto é, nele) desconheço-a olimpicamente. O problema, ó estimado Arroja, é que vossência não sabe a diferença básica entre númeno, fenómeno e coisa-em-si, do que resulta essa lamentável mistificação onde, com certa reincidência, se atasca; essas ideias-movediças em que, calamitosamente, se engalfinha; esses amontoados de nuvens que teima, ixionicamente, em tomar por Juno. Mas o pior é que não apenas não sabe: não quer saber e tem raiva de quem sabe. E assim permite que essa Kantofobia frenética e compulsiva o transporte às mais deploráveis figuras e encenações. Como esse drama de caca e alguidar que está agora a fazer acerca de coisa nenhuma e em redor dum pentelho raquítico, por alma dum piolho púbico, vulgo chato, que transporta à boleia na peúga.
Por outro lado, note bem, limitei-me a derivar consequências. Explico: eu, ocasionalmente, quando me mendigam muito, destruo. Tenho requintes de malvadez no acto? Pois tenho. Ou, pelo menos, faço por ter. Depende do capricho da musa de serviço. Isto, se não sabe fica a saber, funciona a crédito. Uma coisa, porém, é certa: um gajo depois de ter sido devastado por mim pode quase ir apresentar-se numa galeria de arte. Ou às portas do céu, por ablução expresso de todos os pecados e cristofacção à sec. Deviam, pois, agradecer-me, desejar-me as maiores felicidades, enviar-me donativos e subsídios (bom uso lhes saberia dar: tantas conas e tão pouco tempo, meu Deus!) Ao contrário; em vez disso, desse módico de gratidão e justiça, melindram-se, escamam-se, descabelam-se, espumejam que nem lesmas aflitas ou caracoletas stressadas... trepam às paredes, muros e sebes vivas - e até, pasme-se, aos arames (pelos vistos, farpados, tal a chinfrineira acompanhante). Como conseguem espumar-se e trepar ao mesmo tempo é prodígio que nunca deixará de me encantar. Mas, dizia eu, e dizia muito bem, queira perdoar o extravio, ocasionalmente escavaco, escavaco muito bem escavacadinho, como convém e manda a ordem. É uma coisa que tem que ser feita com um certo espaçamento, com criteriosa parcimónia, senão, como tudo na vida, enjoa. A fome, ensina a experiência, é o melhor esmoril do paladar. No entanto, por ciganice, porque lhe convinha ou porque lhe apeteceu, o digníssimo Arroja, vossência em pessoa, benza-o Deus, entendeu converter o ocasional em eterno, o casual em permanente. Ou seja, deu em proclamar aos quatro ventos e brisas associadas que eu não faço mais nada no blogue senão destruir e gozar; que nada mais me ocupa na blogovida senão mandar abaixo o idealhame alheio, e fazer em fanicos argumentários imaculados de peregrinos incautos da Santa Verdade de Assobio. Isto é, para si, às três pancadas e colado a cuspo, o píncaro é a montanha; a cereja no topo do bolo é o bolo; o engodo é o caçador. Achei piada à finura. Como sou duma bonomia já quase lendária, não me agastei minimamente. Porém, não pude conter-me de murmurar para com os meus botões: "olha que método interessante! Vamos lá experimentá-lo." Reparei então no seu símio amestrado, o Quim Panzé (panzé porque todo ele é zézinho) e decidi inocular nele a injecção experimental (compreenderá que não ia agora experimentar em si, assim de chofre, tenho-lhe consideração; demais, a ciência tem que cultivar princípios, temos que respeitar uma certa ética: primeiro experimentamos nos macacos, pois claro). Ora, esse seu bugio é conhecido por bolçar guinchos e imbecilidades com uma certa regularidade. Bem, mas não é sempre imbecil, calculo. Lá terá decerto alguns períodos do dia, em que, presumo, esteja calado e quieto, sobretudo quando dorme. Todavia, graças à prodigalidade do seu método arrojado, eu pude calmamente extrapolar que ele era absoluta e ininterruptamente imbecil, que gastava dia e noite nisso; e apresentei, de enfiada e supetão, o resultado conveniente à comunidade científica, digo blogosférica. Vossência, aí, como foi público e notório, não gostou das consequências. Devia ter pensado nisso quando andava, tão alegremente, a semear as causas. Aplicado em mim era ciência, sociologia puro malte, ideurgia de alto nível, mas aplicado ao seu macaquinho é insulto? Isto tem um nome, aliás, dois: fariseísmo, tartufice.
Contudo, para lhe ser simpático, admitamos que me excedi. Que não respeitei, entre outras flausinices de estalo, a moda da época. Defronte do aleijadinho mental não devia, pois, ter exclamado imbecil, mas cidadão portador de imbecilidade. Portador e exportador, tudo o indica. Pois bem, logo à partida, a má fé está a ser sua, não há como negá-lo. Inventa e distorce que "imbecil" é um insulto. Que, ao taxá-lo de tal, alimentava eu a vil intenção de diminui-lo. Quando, na verdade, era exactamente o contrário: mais uma vez, traído pela minha boa índole mancomunada com o meu espírito benemérito, eu estava, isso sim, a promovê-lo. À realidade ostensiva do mentecapto tentava eu apenas atenuar e suavizar com os ouropéis e garridices da imbecilidade, tão simples (e edificante) quanto isso. E desde quando imbecil constitui injúria, nestes mimosos tempos que correm, hein? Vá, diga-me!... Imbecil é, actual e mundialmente, a classe dominante, a raça eleita, a tribo imperatriz, enfim, o Alfa do Admirável Mundo Moderno. Mais: o Topo da evolução! Os imbecis, esses privilegiados pimpões, assistimo-lo a toda a hora, açambarcam já nóbeis de tudo e mais alguma coisa, ministérios de empreitada, presidências de toda a espécie, generalatos, parlamentos, pódiuns, comendas, fundações, cátedras, dómus municipais, administrações, tabelas, televisões, eu sei lá, uma cornucópia! Direi mais, a imbecilidade, hoje, é quase condição sine qua non de sucesso, de carreira triunfal, de pança e papada - e não apenas na função pública! (como a actual crise financeira global, aliás, bem demonstra.) Chamar imbecil, por conseguinte, ao seu Quimpanzé, longe de menoscabá-lo ou enxovalhá-lo é predestiná-lo às maiores proezas e cometimentos, é augurar-lhe o melhor dos mundos, um futuro risonho, em suma, o paraíso na Terra. No mínimo, vai a deputado. E a presidente de Câmara só se ele não quiser. Talvez prefira um clube de futebol, quem sabe. Como vê, (e se teimar em não ver então é que corre o risco de eu me zangar mesmo consigo), diminui-lo? Qual quê! nem por sombras: é, isso sim, turboprojectá-lo à mais altíssima e finíssima roda! Fi-lo por maldade, por vingança? De maneira nenhuma. Fi-lo por inveja, nem mais. O jeito que me dava ser um calhau com olhos!...O repouso e a maravilha ambulatória, a ascensão meteórica, a glória em vida que não seria!...
E se, à luz da realidade, não constitui insulto, sequer vitupério, muito menos se tratou dum acto gratuito. Pelo contrário, foi fruto e longa maturação, de aturado estudo, de leitura atenta. Segui com a maior e mais científica das curiosidades, durante um largo período, as momices do seu buliçoso mono. Verifiquei, assim, empírica e exaustivamente, que era destituído, como diagnostica Aristóteles (De Anima, Livro III) de intelecto activo. Mas possui algumas capacidades rudimentares de aprendizagem. Dou-lhe um exemplo: Em 21 de Fevereiro deste ano, bolçava ele, o seguinte: "Não somos uma tábua rasa (conceito aristotélico)". Não obstante, dez meses depois, em Novembro, ele já tinha adquirido outra ideia, a saber: "Nenhum ser humano é uma tábua rasa em que tudo se pode escrever, como supunha o meu colega John Locke". Quer dizer, em dez meses, ele conseguiu descobrir que afinal fora o colega dele e não Aristóteles o autor da treta. O mais interessante é que nem se dignou corrigir a asneira: demonstra, como é bom de ver, uma capacidade rudimentar de progresso, ensombrada por uma ausência completa de auto-crítica.
Agora, vossência, caro Arroja, deseja assistir a insulto gratuito, alarvajolas e duma trolhice absolutamente pacóvia? Repare novamente no seu macaquinho. Ainda ontem, garatujava ele: "Até hoje nunca tinha lido o Dragoscópio e não vou voltar a ler". Não obstante, nunca me tendo lido nem observado, (e eu acredito e agradeço, pois calculo, comiserado, a canseira mental que não lhe acarrateria, antes de desistir, furioso) já deduziu instantaneamente uma série de deficiências profundas, sobretudo estético-literárias, a meu respeito. O seu macaco, ó Arroja, é duma analfabrutice verdadeiramente atroz, mas dá opiniões. Desova ao desbarato. É peremptório da silva. Confunde arrotos com ideias. Mas como é que ele sabe, pesca e garimpa tantas novidades supimpas, tantas pescadinhas frescas do pensamento ? Vai ao Google, ora aí está. Lê na ciberbola de cristal, o orangotangas. Foi ao Google, confessou ele. Mas nem precisava, já todos tinham percebido que ele vai ao Google. E se calhar o Google vai-lhe a ele. Doi-lhe de lhe terem ido ao acólito, ó caro professor? Não olhe para mim, olhe pró Google. Foi o Google que lhe emprenhou a criatura e a faz estar de tanta esperança e dar à luz de tão incontinente jorrão.
E macaco, papagaio, eco ou boneco
está predestinado ao mais veloz sucesso.
Agora que, além de imbecil, está marreco:
fertilizado pelas orelhas, emprenhou pelo sesso.*
Acusa-me, ainda assim, de lhe ter ofendido o Quim? Criminoso, vil e pusilânime, há-de convir, era se eu tivesse ofendido a verdade.
(E amanhã leva a segunda dose da vacina anti-rábica , que agora vou dormir, tive um dia lixado, e isto até sabe melhor com intervalo, como no cinema. A pena que eu tenho de andar com tão pouco tempo para estes quiosques!...).
* - Com vénia pela glosa ao grande Bocage.
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