Caro António,
em primeiro lugar, quero que saiba que sou um apreciador, não raras vezes deleitado, dos seus comentários. Digo isto sem ironia. Há em si um talento raro e invejável para a irrisão que, particularmente, admiro.
Em segundo lugar, quero alertá-lo que é perda de tempo argumentar com estas picaretas digitais. Eles não argumentam: energumentam. Não caia na asneira de subestimar a aparente sonsice destes brutos: lá por detrás daquela capinha epistemagógica há toda uma ferocidade evangélica imune à civilização. Sob o verniz, não duvide, ossifica o casco.
Por conseguinte, até como simples racionalidade são entulho. Verdadeiras lobotomias falantes. Meras línguas que desenvolveram uma saliva lógica. Estritamente pavloviana, entenda-se. Não obstante, têm outras qualidades aproveitáveis e interessantes: como a persistência, por exemplo, do bom pastor Ludwig. Se este tipo é alemão faz jus à raça. No fundo, até deve ser uma excelente pessoa. Mas o atavismo não perdoa. Eu explico com devido detalhe...
Havia um cirurgião meu conhecido, tipo patusco, que trabalhou alhures com vietnamitas. A impressão com que deles ficou foi que tinham sempre o pensamento noutro lugar: dir-se-ia que passavam a noite inteira a escavar túneis e o dia todo a urdi-los. Ora bem, com os alemães é algo semelhante: só que, em vez de túneis, são bunkers. Nem imagina o betão armado e soterrado de que são capazes! E a última coisa de que querem saber ou, ainda menos, ouvir falar é da realidade! Tudo menos a realidade! Livre-se de lhes lá levar qualquer aviso ou notícia!... Não será bem tratado, pode crer.
Platão, nisso, teve sorte: não os conheceu. Caso contrário, muito provavelmente, ter-se-ia visto forçado a remodelar toda a sua alegoria da caverna. Com alemães, o enredo seria necessariamente outro. Logo a abrir, porque os cavernícolas, instados pelo filósofo, até viriam, em boa ordem e disciplina, cá fora. Mas nada de contemplações, que não há tempo a perder. Toca de deitar, pronta e automaticamente, mãos à obra. E, perante o olhar atónito do grego, desatariam a desmontar o mundo real, por corte e cola, e a trancafiá-lo, de enfiada, na gruta.
-"Mas, por Zeus (digo, Logos!)! - Exclamaria, o filósofo. - Que raio estão vocês a fazer ao cosmos?..."-"Então, ó mestre - clamariam, buliçosos, os germânicos. - Estamos a metê-lo na caverna. Somos epistemólogos, caralho!...
Esse singular processo de transformação da caverna num cosmos é o tal "bunker" que os fascina e obsidia. O próprio Cristo, se fosse alemão, quase posso garantir, ninguém mais o arrancava do Santo Sepúlcro: ressuscitava na mesma, é certo, por imperativo categórico, mas apenas para converter o túmulo em residência e consultório. O que, convenhamos, nos pouparia ainda hoje a muita maçada e discussão.
Sim, de facto, com um Deus alemão não corríamos o risco de ele nos fugir para o Céu. Se bem que, a esta hora, em compensação, andariam os crentes a escavar poços e galerias no chão à procura Dele. Aliás, há quem diga até que já andam.
Nisto tudo, pode dar-se o caso do Ludwig não ser alemão. Mas se não é, imita muito bem.
PS: Há ainda outro aspecto no Ludwig que já granjeou a minha estima: a sua capacidade intrépida de encaixe. A meus braços, - ou melhor, às suas extremidades - herr professor!...
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