A história inicial, se bem estou lembrado, era que eles pretendiam fazer explodir os aviões no dia 11 (o tal fetichismo cabalista que muito parece fasciná-los, desde o WTC). Para o efeito, tinham congregado explosivos líquidos sofisticados (que se compram em qualquer drogaria e cuja receita a televisão - e os media em geral - já tiveram a bondade de comunicar às massas) e detonadores disseminados em aparelhómetros electrónicos vulgaríssimos (falou-se, a partir de certa altura, em iPods). O Telegraph fazia mesmo uma emblemática súmula da tese: "It is believed that the plan was for different passengers to carry peroxide-based liquid explosive in drinks containers and detonators disguised as everyday electronic devices and combine them on board" Segundo estes rumores inaugurais, teriam sido placados, heróica e providencialmente, na véspera da hecatombe.
Entretanto, sucedem-se as flutuações e as incongruências na tese.
Peritos afirmam que o tal "cocktail diabólico", afinal, não precisa de detonador. Transportes de imaginação por parte dos ficcionistas de serviço?
Por outro lado, se inicialmente era o alerta geral e lancinante nas vésperas duma chacina formidável que entraria para o Guiness Book of Records, não tardou que, aos poucos, e para grande mágua dos amantes de desastres e sangrias nas auto-estradas (melhor ainda se forem aéreas), sobreviesse uma espécie de anti-clímax:
Do "dia seguinte" (o tal 11 mágico) começou por adiar-se para dia 16; daí a coisa resvalou para um já menos excitante "a poucos dias de" ("British suicide bombers were within days of blowing up 12 passenger jets" (interrogo-me: porque não 11?) e, logo de seguida, murchou para "algures no futuro", em "data incerta", já que, segundo fontes anti-terroristas, "nenhum dos hediondos conspiradores tinha ainda comprado bilhete de avião".
Em suma: já tinham os ingredientes líquidos, o plano maquiavélico, a pérfida intenção, cassetes martiriológicas (segundo o Financial Times, de 11 de Agosto,"US officials said police had found a pre-recorded martyrdom tape, airline schedules and even flight tickets at the addresses"), uma grávida disposta a tudo para abortar na estratosfera, mas, lastimavelmente, ainda não tinham os bilhetes. E, pelos vistos, segundo a notícia de abertura em epígrafe, nem os passaportes.
Mas o essencial, apesar de todas estas contrariedades, mantinha-se: eram voos destinados aos Estados Unidos. Dava imenso jeito; e cumpria quesitos essenciais a esta qualidade de enredos. Se bem que a última versão -pela voz abalizada de Michael Chertoff (Department of Homeland Security Secretary) à CNN - cometa a imprudência de reconhecer que " the current evidence does not show any plotting occurring inside the United States or any plan to conduct operations within the United States".
Ora bolas! Mas restará algum suporte sólido nesta conjura de cordel?!
Contra-subversão ou propaganda -ainda por cima pregada e erguida às três pancadas?!...
A conclusão a tirar de toda esta trapalhada é óbvia e é triste: se esta gentinha que vive principescamente a expensas do erário público (e à gorjeta dos empórios) for tão boa a combater o terrorismo como a cozinhar fábulas conspirativas, então, meus amigos, podemos afirmá-lo à confiança: estamos olimpicamente fodidos.
Com anti-terroristas destes, é de conjecturar se os terroristas, de todos os escalões e proveniências, não começam a tornar-se redundantes, verdadeiramente supérfluos...
Os aviões não explodiram, os desgraçados a bordo não faleceram abruptamente, mas também não foi preciso. O alarme, o sobressalto e a balbúrdia decorrentes foram quase os mesmos. Precisamente porque quem era suposto combater, neutralizar e evitar o terror -isto é, a disseminação dum clima de insegurança, nervosismo e medo entre a população -, foi quem tratou de propagá-lo aos quatro-ventos, com esmero missionário e frenesim megafónico. Mais, com insídia reforçada: "não explodiram, mas podem ainda vir a explodir a qualquer momento"; "não morreram, mas não perdem pela demora, as urdiduras prosseguem a ritmo infernal". Antes de padecê-la no corpo, à catástrofe pulverizante, vamos ter que sofrê-la na imaginação, na esperança. Angustiemo-nos, pois, até à loucura: Temos uma espada de Dâmocles sobre os toutiços frívolos e microcéfalos. Sitiam-nas hordas demoníacas e ocultas (pior que tudo: intestinas!) - episódio não já da História, este neo-feudalismo que se acastela no horizonte, mas da Histeria induzida e cultivada.
Sinal disso é o método a que os nossos peritos anti-terrorismo, com obsessão crescente, se devotam sem fadiga: protegem-nos, vacinam-nos, imunizam-nos contra o terror, numa homeopatia alucinada, através da inoculação sistemática do pânico. Percebe-se a lógica: não há como o instinto das tripas para suspender o juízo, varrer a memória e liquefazer a coluna.
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