terça-feira, agosto 01, 2006

Da hipertaliação à tanatoterapia


I

Na sua coluna inspirada, o rabi Daniel Lapin (o rabi preferido do Reverendo Ted Pike, note-se) perfaz uma recapitulação básica do famosíssimo "vae victis". Encerra a sua homilia com um episódio edificante da Torah (ou Antigo Testamento, para os cristãos), Genesis, 14. Nessa santa peripécia, decorrida vários milénios antes do nascimento de Cristo, uns terroristas quaisquer da época "apoderaram-se de Lot" -que, por azar, era sobrinho de Abraão -, bem como de todos os seus pertences. A retaliação de Abraão não demorou e, à semelhança dos seus descendentes de elite contemporâneos, também se esteve nas tintas para a "proporcionalidade": «atacaram-nos de noite e destroçaram-nos, perseguindo-os até Heba (...) retomou todos os bens saqueados, libertou também Lot, seu sobrinho, assim como as mulheres e outros prisioneiros.»
Ficamos assim a saber que os hebreus, ontem como hoje, em bom rigor, não "retaliam" - porque "re-taliar" significaria praticar a "lei de Talião", ou seja, "olho por olho, dente por dente". Ora, o que se passa é que a prática recomendável, segundo os mais diversos e proficientes peritos, (rabi Daniel incluído) é qualquer coisa da ordem "olho por corpo inteiro, dente pela família, amigos e, eventualmente, transeuntes incautos que forem a passar". Não será certamente um exagero se baptizarmos este método altamente civilizado como "hipertaliação".
Não quero, naturalmente, com nada disto colocar em causa a excelência da argumentação do rabi Daniel. Pelo contrário, parece-me a mesma inexpugnável e cristalina, se bem que perifrástica. No fundo, podia ter resumido tudo a uma simples frase:
"Eles atiram-nos com o que têm e nós atiramo-lhes com o que temos! (isto convém-nos porque temos muito mais com que lhes atirar)."
Eu concordo. Já o disse aqui: é tudo uma questão de arsenal. De eficácia a dar cabo do outro. É preciso, no entanto, um bando impenitente de totós para peixeirar juízos morais acerca de algo onde, na realidade, nenhuma moral é tida nem chamada.

II

Por seu lado, na JewishPress, em ritmo laico e prelectivo, mas não menos musculado, Steven Plaut actualiza-nos com as suas "Quarenta lições sobre a Guerra dos Katyuskas aos judeus". É verdade, leitores, também me ocorreu: depois de Ali-baba e os quarenta ladrões, temos agora Steven Plaut e as quarenta lições. Todavia, não percam. Ao melhor nível da Masada2000, este professor da Universidade de Haifa, emite quarenta (deve ter algum significado cabalístico) verdadeiras preciosidades táctico-estratégicas.
Eis alguns desses tesouros intelectuais:
«5. Gestos de boa vontade implementam o terror.
8. O Terror não é causado pela ocupação militar israelita, mas pela remoção dessa mesma ocupação militar.
39. A única maneira de parar o terrorismo é matando os terroristas.
40. Nenhum terrorista matou ninguém depois de ter sido executado

Também aqui, realço, não está minimamente em causa a excelência do raciocínio do benemérito erudito. Fica apenas um breve reparo: mais uma vez, incorre-se em logorreia desarvorada. O General Philip Sheridan gastou muito menos palavras para dizer o mesmo, se bem que duma forma bem mais poética: "O único índio bom é um índio morto". E Adolf Hitler foi ainda mais lacónico: "Temos de ser cruéis!".

É tudo gente que sabe do que fala. Que conhece, em detalhe, os mistérios do ofício e os dédalos profundos do saneamento básico da alma. Que, em modo ou tempo algum, duvida dos méritos panaceicos da "tanatoterapia" -entenda-se, o "tratamento pela morte".
E de facto quem pode afirmar que a Negra Ceifeira não detém a melhor medicina deste mundo?

Falta apenas adicionar a tudo isto, e antes que me esqueça, a lógica imperial do momento: "a única forma eficaz (quer dizer, rentável) de resolver um problema é bombardeando-o". E pronto, temos o manicómio perfeito.

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