A cena, rigorosamente verídica, decorre no leste da China, na região de Donghai. Os habitantes locais, por razões que só a eles dizem respeito, acreditam piamente que quanto mais pessoas assistirem a um funeral, mais homenageado e dignificado o defunto fica. Vendo bem, não estão muito longe da nossa burguesia pata-brava: também acha que numeroso séquito de volta da urna dá status e, eventualmente, lubrifica e facilita contactos. Confiram-se os "enterros das figuras públicas" ou das "vedetas populares". Alguém me contou, não sei se é verdade, que esteve num velório onde serviram salgadinhos e, pela noite fora, borboleteava um doido qualquer, de camcorder em punho, a registar o pesaroso ajuntamento para a posteridade. Não sei se o bufete foi uma forma de atrair peregrinos, ou meramente necroturistas. O que sei é que, nos dias que correm, há uma lógica de audiências que impera por toda a parte - dos concertos pop aos discos pimba, da literatura light à televisão hardcore, das catástrofes aos matrimónios e, pelos vistos, até aos funerais (passe a tripla redundância). Grassa um exibicionismo obcecado de mão dada com um basbaquismo militante.
Ora, para angariar basbaques, vale tudo. E quanto mais sórdido ou aberrante, melhor. Por essa comprovada senda a fora cavalgaram os tais chineses de Donghai. De forma a engodarem audiência para os funerais dos seus entes queridos - sinal de grande honra e distinção, recordo-, ponderaram certamente vários expedientes e acabaram devotos daquele que, por razões óbvias, lhes pareceu oferecer mais garantias de sucesso: shows de Strip-tease. Sem tirar nem pôr - a não ser a roupa, claro está. Ávidas de enxames humanos em laureação dos seus presuntos, as famílias abastadas chegaram a contratar duas trupes de stripers para se despirem durante as exéquias, em dois palcos alternativos, ao melhor estilo festivaleiro. Com tal chamariz, acorreram multidões excitadas, atraídas muito mais pela exibição de carne viva que pela de carne morta. Ao último funeral, segundo relatos, terão assistido cerca de duzentos espectadores, a maior parte deles mirones aliciados.
Não sei se a moda vai pegar por cá. Por lá, já ganhou tais contornos de tradição que as autoridades, alarmadas com a proliferação galopante de tão bizarros convénios, se acharam na necessidade de intervir. Provavelmente, a pretexto das iguarias eróticas servidas em acompanhamento, não é de admirar que alguns entusiastas -daqueles em quem o escrúpulo, compreensivelmente, não resistiu à corrosão do vício - tenham chegado ao ponto de antecipar ou apressar, por meios artificiais, vários óbitos. Agora,
segundo noticiam os jornais, cada funeral tem que ter o seu planeamento previamente submetido à aprovação da polícia. E nada de chamarizes eróticos.
Em todo o caso, sempre vos digo que, comparado ao bufete, o strip-tease apresenta largas vantagens. Largas é escasso: imensas!
No meu funeral, por exemplo, desde já posso ir adiantando, em jeito de recomendação aos meus parentes próximos: prescindo do padre e dos crocketes. Dispenso basbaques, caras de frete e carpideiras. Filmagens, proibo determinantemente. Mas, se fizerem questão disso - e eu espero bem que façam, não me ofenderá nada que contratem uma mocetona de opulentos atributos para, em performance lenta e privada, me despedir com um vislumbre do que mais belo encontrei nesta vida. Direi mais: não só não me ofenderá nada, como me honrará muito. Homenagem mais digna, assim de repente, não concebo. Tem apenas um ligeiro inconveniente, sobretudo para a vastíssima horda dos meus figadais inimigos e demais saloiada hostil em redor: é que se a mocetona for da qualidade dessa aí, em epígrafe, provavelmente o enterro, no mínimo, vai ter que ser cancelado e adiado sine die. É que, quase de certeza absoluta, eu ressuscito.