sexta-feira, maio 19, 2006

O Mercado explicado aos otários



«Antes de 1980, o Afeganistão produzia 0% do ópio mundial. Até que a CIA entrou em campo, e em 1986 já produziam 40% do fornecimento mundial de heroína. Em 1999, já processavam industrialmente 3.200 toneladas de heroína/ano, ou seja, cerca de 80% do abastecimento de todo o mercado. Só que então algo de inesperado aconteceu: os talibãs chegaram ao poder e, em 2000, tinham destruído quase todas as plantações de ópio. A produção caiu de mais de 3.000 toneladas para apenas 185 toneladas, uma redução de 94%! Esta enorme queda de receita causou danos não apenas nos projectos de Orçamento Coberto da CIA, mas também no fluxo de dinheiro [livre de taxas e impostos] “lavado” nos Bancos Controladores.»

Entendamos o seguinte: o Tráfico Ilícito de Estupefacientes, recorrendo à terminologia da moda, tão do agrado dos nossos mercantileiros desinsofridos, produz tanta riqueza como a indústria do petróleo. Basicamente, o produto final das colheitas traduz-se em dólares – narco-dólares. Narco-dólares, esses, que, depois de lavados em Wall Street e noutras instituições filantrópicas da mesma e fina estirpe, servem, na sua componente menos pornográfica, para financiar digníssimas empresas, casinhotas para o burguês (ou candidato a burguês) ocidental, automóveis a prestações e viagens pelos trópicos. É claro que durante o processo há uns infelizes que se quilham, às vezes os próprios filhos do putativo candidato, mas isso, enfim, são danos colaterais e, afinal, conforme nos explicam os entendidos, ninguém os obriga. Vivemos numa sociedade livre, de indivíduos magnificamente equipados com turbo-livre-arbítrio, os quais, nunca duvidemos, são plena e exclusivamente responsáveis pelos seus actos. Sobretudo, quando estes actos são auto-destrutivos ou irracionais.
Acresce que o Tráfico de Drogas Ilegais serve também, e de que maneira, como ferramenta de ingerência e manipulação geopolítica. A descrição adequada do processo não parece andar muito longe disto:
"The CIA functionally gains influence and control in governments corrupted by criminal narco-trafficking. Politically, the CIA exerts influence by leveraging narco-militarists and corrupted politicians... This is really NEO-narco-colonialism, whereby local criminal proxies do the bidding of the patron government seeking expanded influence. But because of the quid-pro-quo of protecting the criminal proxies' illicit pipelines, the result is still a functional narco-colonialism, involving a narcotics commodity in the actual practical execution of policy, with the very different twist of covert action.”

Claro que tudo isto são conjecturas, delírios pré-estivais. Conversas com as paredes.
Atenhamo-nos aos factos:
1. «A produção de ópio no Afeganistão bateu recorde em 2003, segundo informações divulgadas neste domingo em conferência em Cabul. A produção de ópio não pára de crescer desde a queda do regime extremista islâmico Taleban, em 2001.»
2. «Segundo o relatório, no Afeganistão, a produção ilegal de drogas chegou a um nível recorde em 2004 e está comprometendo a estabilidade do país»
Curiosamente, a produção de cocaína na Colômbia, principal produtor mundial de tão valiosa especiaria e país onde a presença americana -quer no combate ao tráfico através de forças e cooperação militares, quer no controlo remoto do governo aborígene - ainda é avassaladora, também não tem diminuído nos últimos anos.
A produção manteve-se inalterada, apesar dos denodados, heróicos -e certamente dispendiosos para o contribuinte - programas de erradicação levados a cabo pela Administração da Superpotência. Talvez por isso mesmo, a subsecretária Patterson considerou o "Plano" um "sucesso maior do que o previsto".
A função da "erradicação", tudo o indica, na Colômbia como no Afeganistão, é manter a produção a níveis óptimos. Quer dizer, superlativamente lucrativos. Nem pondo em risco o free-flow for cash laundry através duma diminuição abrupta, nem ameaçando o bom preço através dum excesso descontrolado de produção e, consequentemente, de oferta.
Afinal de contas, há que zelar pelo Mercado. Nem só de petróleo vive o "homem". Muito menos o Império.
Cada qual tem a Civilização que merece. Ou dito melhor: retouça na pocilga que melhor lhe quadra.

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