terça-feira, maio 30, 2006

A Irmandade das Demolições



Mencken, entretanto, prossegue, ao ritmo das grandes demolições. Eu, recolhido em profunda meditação, deleito-me. Acabo de descobrir uma alma gémea!...

«Em nenhum outro lugar do mundo é a superioridade tão facilmente alcançada ou mais prontamente reconhecida. A principal ocupação da nação, enquanto tal, é a produção de heróis, sobretudo falsos. A nação admirava o estilo literário do falecido Woodrow, respeita a paixão teológica de Bryan, venera John Pierpont Morgan, leva o Congresso a sério; a nação ficaria chocada e sem palavras se lhe dissessem (apresentando as respectivas provas) que os seus juízes, em grande medida, são completos ignorantes, e que uma respeitável minoria não passa de uma corja de malfeitores. O fabrico artificial de altezas reais e até de deuses prossegue a ritmo alucinante; a vontade de venerar mostra-se inquebrantável. Dez ferreiros reúnem-se nas traseiras de um bar, criam uma loja da Nobre e Mística Ordem dos Rosa-cruzistas americanos e elegem um mecânico de carroças para Coisa e Tal Supremo. Um mês depois, mandam um anúncio para o jornal local dando conta da grande honra que constituiu a visita desse Coisa e Tal e que planeiam oferecer-lhe uma corrente ornamentada para o seu relógio de bolso. Os principais heróis nacionais - Lincoln, Lee, e por aí fora - não podem ficar confinados ao estatuto de meros seres humanos. O misticismo do campesinato medieval insinua-se na visão comunitária destas personagens, às quais começam rapidamente a nascer asas e halos. Como já afirmei, nenhum mérito intrínseco -proporcional, pelo menos, ao julgamento das massas - é necessário para aceder ao estatuto destas augustas dignidades. Tudo o que é americano tem um toque de amadorismo e de infantilidade, mesmo os deuses nacionais. (...)
Tudo o que acabo de dizer resume-se ao seguinte: os Estados Unidos são essencialmente uma comunidade de gente de terceira categoria; esta é uma distinção fácil de fazer devido ao baixíssimo nível de cultura, de informação, de gosto, de capacidade crítica e de competência. nenhuma pessoa em seu perfeito juízo, ao chamar um canalizador americano para reparar uma fuga, espera que ele o faça à primeira tentativa; do mesmo modo, não esperará mais do que um desempenho mediano de um secretário de Estado americano em negociações com ingleses ou japoneses. Está claro que gente de terceira categoria existe em todos os oaíses, mas só aqui lhes é confiado o leme do Estado e, ao mesmo tempo, a guarda dos valores nacionais. O país foi povoado não por esforçados e lendários aventureiros, mas muito simplesmente por incompetentes que nunca saíram da cepa torta na terra natal. A natureza pródiga que aqui vieram encontrar e a facilidade com que podiam ganhar a vida apenas confirmaram e aumentaram a sua incompetência natural. Mesmo nos piores momentos das guerras índias, nenhum colono americano teve de enfrentar as provações por que passaram os camponeses da Europa durante a Guerra dos Cem Anos, ou mesmo aquelas que oprimiram as classes baixas imnglesas no século que precedeu a reforma eleitoral de 1832. De facto, na maioria das colónias, raramente um colono se cruzou com um índio: a única coisa que lhe fazia a vida difícil era a sua cretinice congénita. A conquista do Oeste, vastamente celebrada em obras de estilo grandiloquente, custou menos vidas do que a batalha de Tannenberg, e a vitória foi muito mais fácil e segura. os imigrantes que foram chegando desde esses primitivos tempos têm revelado, quanto mais não seja, ainda menos qualidade que os seus antecessores. O mito de que os Estados Unidos foram povoados pelos descendentes de minorias corajosas, que se haviam revoltado contra a injustiça, o sectarismo e o obscurantismo dominantes nos países de origem, está rapidamente a desmoronar-se perante os resultados surpreendentes da análise que tem sido feita sobre a imigração destes últimos anos. A verdade é que a maioria dos imigrantes não anglo-saxões desde a Revolução, assim como a maioria dos imigrantes anglo-saxões antes da Revolução, não é ou não foi constituída pelos melhores dos respectivos países, mas sim pelos falhados e pelos inadaptados: irlandeses a morrerem de fome na Irlanda, alemães incapazes de resistir ao Sturm and Drang da reorganização pós-napoleónica, italianos enlutados num solo esgotado, escandinavos só pele e osso e sem cérebro, judeus demasiado incompetentes até para enrolar os bárbaros camponeses russos, polacos ou romenos. De tempos a tempos, bem entendido, lá se encontra um bravo, ou até um super-homem por entre os imigrantes -por exemplo, os antepassados de Volstead, Ponzi, Jack Dempsey, Schwab, Daugherty, Debs ou Pershing - mas o recém-chegado é, e sempre foi, má rês.»

- Henry Louis Mencken, "On Being an American on prejudices" (trad. port. da Antígona)

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