«É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental. Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redacções, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz. Assim, o maior de todos os ironistas, Swift, redigiu, durante uma das fomes da Irlanda, e como sátira brutal à Inglaterra, um breve escrito propondo uma solução para essa fome. Propõe que os irlandeses comam os próprios filhos. Examina com grande seriedade o problema, e expõe com clareza e ciência a utilidade das crianças de menos de sete anos como bom alimento. Nenhuma palavra nessas páginas assombrosas quebra a absoluta seriedade, se não fosse a circunstância, exterior ao texto, de que uma proposta dessas não poderia ser feita a sério.
A ironia é isto.»
-Fernando Pessoa, "O Provincianismo Português"
Ao que Pessoa chama "ironia", chamou André Breton "Humor negro".
A ironia é isto.»
-Fernando Pessoa, "O Provincianismo Português"
Ao que Pessoa chama "ironia", chamou André Breton "Humor negro".
É claro que num país onde o grau máximo do humor alcança a anedota, chafurda na piada, zurra na chacota ou patina no dichote, -tudo isto inflamado de maledicência aguda, fariseísmo viperino ou moralzinha de pacotilha, nunca esquecendo -, lembrar-se alguém da ironia é tarefa inglória que, julgo, nem ao Diabo lembraria.
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