O que se passou no dia 11 de Março em Madrid foi um acto horrível, uma inominável atrocidade. Mesmo para aqueles que a cometeram, não devem haver muitas dúvidas sobre isso. Provavelmente, também acreditam nessa velha e bela tese do "mal necessário", ou melhor, do "horror necessário". Justificar-se-ão que é uma resposta a outros "horrores", uma retaliação a outras "atrocidades". Ora, em se tratando de "horror necessário", quanto mais horrível, melhor. O que, convenhamos, numa época em que o lema reinante é "quanto pior, melhor", acaba por assentar que nem uma luva.
Mas imaginemos que, por hipótese meramente académica, esse acontecimento, a todos os títulos horrivel e atroz, não devinha super-notícia, orgia mediática por muitos e largos dias...Certamente, não se teria tornado "terrível", "aterrador".
Basta ver que, todos os dias, por toda a Europa e Estados Unidos, só em acidentes de trabalho e viacção, morrem e ficam feridos o equivalente às vítimas do horror de Madrid, senão mais. Esfacelados, mutilados, comatosos também não faltam. No entanto, ninguém no seu perfeito juízo se lembra de acusar de terrorismo os construtores de automóveis ou as empresas exploradoras das auto-estradas. Ou o ritmo de vida cada vez mais frenético e desvairado que é imposto aos cidadãos. Esses mortos e feridos também são horríveis, mas, contudo, não se tornam "aterradores", nem as suas causas são apelidadas de terroristas.
Por conseguinte, o horror só devém terror, quando amplificado e propagado. Os tipos que puseram as bombas nos comboios de Madrid, horrorofactores "hard", assumidos, sabem-no e contam com isso. Eles só cometem a atrocidade, o horror. Dão o mote, o leitmotif. Do terror propriamente dito, da sinfonia macabra, tratam outros: os jornais e as televisões. Em delírio. E os políticos. Em manobra.
Há toda uma indústria necrofágica ansiosa por colaborar. Por transmitir a má nova a todo o mundo. Por transformar o choque em histeria colectiva, em estampido de manadas.
A existir esse tal indivíduo Bin Laden, nem é preciso ser muito inteligente ou maquiavélico: basta-lhe um oportunismo qb. Ele já percebeu que o ocidente histérico, gorduroso, mercantilista, fariseu, entrou na fase autofágica, isto é, do absurdo e da auto-destruição. Basta acrescentar-lhe um bom catalizador.
Este terrorismo sem resquício de quaisquer escrúpulo, ética ou respeito, que transformou o massacre e a carnificina no supremo dos espectáculos, reflecte, por isso, uma tripla infâmia: a daqueles que o semeiam; daqueles que o propagam e amplificam; e da sociedade mórbida, cada vez mais embrutecida e viciada no seu consumo.
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