domingo, março 21, 2004

CHACAIS

A falácia mais comum no discurso político dos nossos dias (operação essencialmente retórica), é a chamada "petição de princípio". Consiste em usar a conclusão (ou seja, aquilo que se pretende demonstrar) como premissa de partida. Por exemplo, partir do princípio que os americanos são muito bons para demonstrar que eles são excelentes; ou partir do princípio que os árabes são muito maus para demonstrar que eles são péssimos e terroristas. De certa forma, petição de princípio e preconceito confundem-se. Os efeitos de ambos na análise e na argumentação, esses, são peculiares.
Se olharmos para os comentadores de pseudo-direita (desde a imprensa à blogosfera) deparamo-nos com uma abundância feérica de petição e preconceito. Regra geral, tomam como fundamento e princípio estruturante da sua argumentação a bondade inquestionável dos seus preconceitos. A realidade e o mundo servem apenas para os confirmar e justificar.
Tornam-se, assim, impermeáveis à crítica: quer enquanto alvos, quer, sobretudo, enquanto operadores. Imunes à dúvida, nunca os perturba a análise. Pelo contrário, o seu ramo é o da síntese judicativa. E, acima de tudo, justificadora.
Ao nunca pôr em causa o mundo -isto é, a aparência do mundo-, o comentarismo de pseudo-direita, identifica-se e conforma-se com essa aparência de mundo; acomoda-se à situação; entrincheira-se nos efeitos e na pseudo-eficácia. Daí que nunca seja um discurso de "causas", mas sempre uma consagração dos efeitos; um sacerdócio dos factos consumados.
Enquanto forma de pensamento, redunda assim num misto de surfer e parasita. Não interpreta: recicla; não investiga:acompanha; não questiona: aproveita.
Diante da carnificina e da predação, escuda-se num pseudo-realismo snobe e cristaliza num pragmatismo -mórbido e necrófago- de chacal.

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