Era uma vez um avião.
Um belo dia tornou-se evidente um particular facto: o comandante e o co-piloto persistiam numa condução errática, soluçante, cheia de salavancos, que teimava em não chegar a lado nenhum. Começaram os múrmurios entre a tripulação, inquieta e temerosa. Daí à conspiração não demorou nada. Um plano tomou forma: atirar com o comandante e o co-piloto pela borda fora. Era simples, rápido e eficaz. E foi. Atiraram. Em plena pausa para o pequeno-almoço, mal tinham acabado de ligar o piloto automático, lá foram eles, o comandante e o co-piloto, em queda livre, pela porta fora, nuvens abaixo.
Vitoriosos, os comissários e hospedeiras comunicaram o gesto redentor aos passageiros e fez-se uma grande festa. Os passageiros, não perceberam muito bem o que se estava a passar, mas interromperam as rezas e a audição do relato para celebrar.
Entre a tripulação, porém, surgiu um problema: quem seria agora o comandante? Os comissários reclamavam que fosse um comissário; as hospedeiras contestavam que fosse uma hospedeira. Do debate passou-se ao confronto e, em menos de nada, desatou-se no tumulto. Todos, hospedeiras e comissários, achavam que deviam ser comandantes. Por fim, depois de grandes confrontos, decidiram fazer a coisa por turnos. Promoveram-se todos a comandantes e estabeleceram um horário repartido.
Entretanto, os passageiros viam chegar a hora das refeições, mas como toda a tripulação era, doravante, composta por comandantes, já não restavam comissários nem hospedeiras para o serviço de bordo. A fome e o desconforto não tardaram. Começaram os múrmurios. Daí à conspiração foi rápido. Os passageiros da 1ª classe instigaram os da Segunda; os da segunda ampliaram os boatos aos da económica. Até que a paciência se esgotou: desterraram os comandantes e comandantas revolucionários todos pró porão, e organizaram eleições para delegarem novo comandante e restante tripulação. Estabeleceram-se as seguintes regras: pra comandante poderiam concorrer os da 1ª classe; pra comissário os da Segunda; e pra hospedeira os da económica. E assim foi. O acto decorreu sem mais sobressaltos e com elevado civismo. Elegeram um humanista.
Entrou na cabina e encarou toda aquela panóplia de instrumentos, comandos e pedais. Sentou-se na cadeira de comandante e, depois de várias experiências e tentativas, descobriu onde ficavam os intercomunicadores. Conseguiu mesmo entabular conversação com aeroportos estrangeiros. Comunicou a situação. Recomendaram-lhe acções de emergência. Chamou os comissários e ordenou que transmitissem aos passageiros para apertarem o cinto. Os passageiros não gostaram. Começaram os múrmurios, especialmente entre os da 1ª classe. Os economistas, sobretudo, clamavam contra a incompetência e lirismo do humanista. Até que o humanista foi demitido e foram convocadas novas eleições. Ganhou um economista. Entrou na cabine, sentou-se na cadeira de comandante e pôs-se a fazer elaborados cálculos e contas. Por fim, consultando o manual de voo, descobriu qual era o pedal do acelerador e acelerou. Ufano com a conquista, comunicou pró avião: "vamos agora mais depressa, já podem desapertar os cintos!".
A viagem lá prosseguiu, mas, entretanto, deu-se o caso da tripulação começar a comer mais que os passageiros e a entregar-se a orgias privadas em vez de servir o público. Nova agitação a bordo. Murmúrios, protestos, eleições. Escaldados com humanistas e economistas, elegeram um engenheiro. Mas o engenheiro nunca exercera. Entrou na cabine e olhou para o vasto e azul céu lá fora...Comovido, sentindo-se próximo do Senhor, ajoelhou-se e rezou. Depois, benzeu-se e veio dialogar com os passageiros sobre as virtudes e os vantagens da oração. A salvação era rezarem todos, talvez o milagre acontecesse. Mas o milagre não aconteceu e a tripulação, como a anterior, desatou a açambarcar víveres e mordomias. Desgostoso, o engenheiro abdicou e fechou-se na casa de banho, convertida em mosteiro imaginário.
Novo plebiscito e nova nomeação. Fartos de humanistas, economistas e engenheiros, tentaram com um advogado.
O advogado esfregou as mãos; nem queria acreditar naquela verdadeira prenda dos céus. Mal chegou diante da porta da cabine, nem entrou: veio logo queixar-se que o engenheiro tinha levado a chave, que o avião estava em queda livre, que os motores gemiam gripados e as reservas de combustível retumbavam delapidadas.
Estarrecidos, os passageiros agradeceram o treino com o humanista e apertaram-se muito às cadeiras com os cintos; aproveitaram o treino com o economista e puseram-se a chorar muito depressa; aproveitaram o treino com o engenheiro e puseram-se a rezar fervorosamente. Enquanto isso, a tripulação do advovado, iluminada pelo exemplo das anteriores, correu a tratar do espólio urgente dos mantimentos e até dos bolsos e bagagens dos passageiros. Ao mesmo tempo colocaram o avião à venda na Internet.
Entretanto, o avião lá anda, às voltas, numa espiral descendente, cada vez mais baixo, entregue ao piloto automático e aos caprichos da meteorologia. A gasolina, tudo o indica, está-se a acabar.
Agora, espreitem bem lá para dentro...observem com atenção...
Como é que se distinguem os políticos, presentes e passados, dos restantes?
É simples. São os que estão de pára-quedas.
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