sábado, março 30, 2024

A Passagem da vida







 

« (...) a prática cristã, uma vida como a viveu aquele que morreu na cruz, apenas isso é cristão... Uma tal vida é, hoje ainda, possível, e para alguns necessária: o cristianismo autêntico, o cristianismo primitivo, será possível em não importa qual época... Não uma crença, mas um fazer, acima de tudo muitas coisas a não fazer, um modo diferente de ser. (...)

A vida do redentor nada mais foi que essa prática - a sua morte nada mais foi também que ela... Não necessitava já de qualquer fórmula ou qualquer rito nas suas relações com Deus - nem sequer a oração. Liquidou as contas de toda a doutrina judaica da penitência e da reconciliação; reconhece que é unicamente a prática da vida que permite o sentir-se "divino", "bem aventurado", "evangélico", sentir-se a cada instante "filho de Deus". Nem a penitência, nem a "prece pela remissão" constituem caminhos para Deus: só a prática evangélica conduz a Deus; ela, justamente, é "Deus"! - O que já não estava em circulação depois do Evangelho era o judaísmo das noções de "pecado", "remissão dos pecados", "fé" - toda a totalidade dos ensinamentos da igreja judaica era negada na "boa nova".
O profundo instinto do modo como se deve viver para o homem se sentir "no céu", para se sentir "eterno", enquanto que qualquer outro comportamento o impede de se sentir "no céu": é essa a única realidade psicológica da "redenção". - Uma conduta nova, não uma nova crença...»

                 - Fredrisch Nietzsche


À maneira dele, muito pouco linear, nem sempre sensata, Nietzsche também, lá bem no fundo e na essência, era religiosamente aristotélico. Quer dizer, entendia o Bem, no caso humano, como um agir, uma forma de ser na vida. Não uma estrita crença, mas uma ética plena. Aristóteles vislumbrava na contemplação - a acção pura, "divina" - a forma mais nobre da felicidade humana; Nietzsche, na senda de Shopenhauer, equiparou essa mesma felicidade contemplativa à Arte. Talvez porque esta demandasse, por assim dizer, um nível excelente da própria beleza: o sublime. Convém, para o caso, ponderar o seguinte: o entendimento (mai-la sua excrescência, a razão) impedem-nos de apreciar a aceder a esse mesmo grau magnífico da Filosofia ou da Arte. Que, a limite, tem um nome: Deus. Atinge-se apenas enquanto antes do entendimento, na sensibilidade (e aí, a Arte), ou para lá do entendimento, na inteligência (e aí, a Filosofia). 

Quando entramos numa catedral ou escutamos a música de J.S.Bach sentimos - pelo menos aqueles dotados de sensibilidade para isso - Deus. Uma emoção ou comoção profundas, pungentes, inexplicáveis. Sendo certo e evidente, todavia, uma coisa: foi por uma acção humana, de arquitectura e música, que se abriu essa passagem, essa ponte. Um ser capaz desse prodígio não está só; nem temos o direito de nele perder  a Esperança.

Por um instante, em certas passagens sublimes desta vida, é como se Deus nos emprestasse o Seu coração, os Seus ouvidos e os Seus olhos. Com lágrimas e tudo

Uma Feliz e Santa Páscoa para todos, com uma dedicatória especial à minha leitora Fernanda.




5 comentários:

Figueiredo disse...

Obrigado, uma Boa Páscoa para si e toda a família.

Anónimo disse...

Feliz e Santa Páscoa!
Anónimo da poesia

Bic Laranja disse...

Obrigado! Para si igualmente.

Jorge disse...

Uma Santa Páscoa

Vivendi disse...

Feliz Páscoa a todos!