quarta-feira, julho 20, 2022

Notas acerca da Cultura - II. Aculturação e opressinhas

 Postos os princípios da cultura, da nossa cultura, ponderemos então o seu contrário: aquilo que não é a cultura. O termo para o definir é este: aculturação. Aculturação não é uma forma de cultura, pelo contrário, é o desprezo e o abandono desta. Aceitemos, à partida, a própria definição no dicionário. Assim: "Aculturação - conjunto de fenómenos que leva um grupo humano, em contacto com outro grupo humano de cultura diferente, a adoptar os valores culturais desse outro grupo; adaptação de um indivíduo a uma cultura estrangeira, com a qual está em contacto permanente."

Por conseguinte, a aculturação traduz-se, colectivamente, numa adopção, e, individualmente, numa adaptação. Um grupo adopta uma cultura alógena, um sujeito adapta-se a uma cultura estrangeira. Por outro lado, nem um grupo constitui um povo, nem, ainda menos, o preenche um indivíduo. Mas, se pensarmos naquilo a que vulgarmente se pode chamar uma (pseudo)elite, um partido, uma seita, aí temos o grupo; ou se pensarmos num dirigente, num activista, num revolucionário, ou, mesmo, num mero oportunista, aí teremos o indivíduo. Com isto apenas pretendo significar o seguinte: a dimensão dum povo transcende, invariável e necessariamente, a mera pulsão do grupo e, ainda mais, a do mero indivíduo. Donde lhe advém uma resistência natural à aculturação, bem como uma renitência arreigada  ao postiço. A suspeita e o cepticismo são, à partida, a posição de partida de qualquer povo perante o estrangeiro. Mas o povo enquanto instalação, enquanto residência. Porque se pensarmos nesse mesmo povo enquanto transplantação, ou seja, enquanto peregrinação, emigração, ausência, teremos já não "o povo", mas um grupo - o conjunto de emigrantes. E aí, rapidamente, constataremos, primeiro a "adaptação à" e, de seguida, em certa medida, a "adopção da"  cultura estrangeira, isto é, da cultura para onde se transplantaram. 

Todavia, a própria emigração não é homogénea nos seus motivos e causas; donde não é igual nas consequências e, sobretudo, nos níveis da "aculturação". A gente humilde, por exemplo dos anos 60, emigra para tentar melhorar a sua própria vida. Os pseudo-intelectuais e pseudo-políticos da mesma época, evadem-se, refugiam-se e aninham-se no exterior, a título da  melhoria da vida dos outros, - duns "outros", curiosamente, de quem se auto-nomeiam, em simultâneo, tutores, porta-vozes e curadores". Não, não fogem da guerra: porque acabam de fantasiar e aderir a uma luta mais universal e pasteurizada. Ora, o que acontece é que aqueles, os egoístas, vão, de alguma forma, embora superficialmente, aculturar-se; enquanto estes, os "altruístas", já partem mentalmente cativos duma outra cultura e apenas vão aprofundar, entranhar e tornar compulsiva, difusiva e incontinente essa aculturação. Os primeiros vão, mas transportam consigo a saudade de casa; os segundos piram-se,  estrategicamente animados dum rancor imarcescível contra a sua própria origem, pior dizendo: contra a sua própria cultura. Dizem as más línguas que quando regressaram instalam uma "ditadura cultural" - a tal, opressiva e lendária, "ditadura cultura da esquerda".

Se repararmos logo bem à partida, este argumento é o argumento "neo-marxista" típico: somos oprimidos pela esquerda opressora e ditadora. Embora usado, pasme-se, por quem se arroga e fantasia contra a esquerda, de forquilhas e archotes. Quer dizer, que diferença faz dizer-se: sou oprimido pela ditadura fassista, ou sou oprimido pela ditadura anti-fassista? Apenas o ponto geográfico da bancada, apenas a mascarilha. Na essência, é o mesmo tipo de curto-circuito mental. A única genuína, real e concreta opressão que existe neste mundo é a da estupidez humana, que, aproveito para alertar, se abeira perigosamente do totalitarismo. Quanto ao resto, citando-me a mim como exemplo, que é o melhor que conheço e sei, não me estou a ver armado em queixinhas de opressão alguma, muito menos da esquerda. Quero que a esquerda se foda com todas as suas fantasias e diarreias mentais! Mas que se foda mesmo, por plenitude e vocação! E ande ela travestida de esquerda ou de direita ou da puta que a pariu! Assim mesmo, sem paninhos. E digo o que tenho a dizer enquanto me for permitido. Se me censurarem, perseguirem ou prenderem, acho justíssimo. Honra-me por inteiro. Se me cortarem o pio, a mesma coisa. Dentro da artificialidade reinante, considero até a "coisa mais natural" deste imundo. Os labéus todos, as falácias de arremesso todas que entendam grunhir-me, estou mais que habituado: estou imune. Couraça de dragão até à ponta da alma. Imaginem que me entra um polícia em casa e decreta na ponta da pistola e cassetete: o senhor, aí, ouviu? - caluda! Não escreve mais." Acham que me queixe, que denuncie, que faça greve de fome e arme à vítima, ao coitadinho?!" Não me conheceis, então. Ah, não escrevo, na ponta dos tribunais, esbirros e sevícias? Pois muito bem; vou plantar couves. Não é menos digno. Vou falar com as árvores e ouvir os pássaros. Vou atirar-me ali ao mar e nadar, nadar até que já não oiça ninguém e, por fim, embalado pelas ondas, adormeça a boiar de papo para o céu, sozinho com a eternidade. Este falso mundo de cacaracá dos simulacros vaidosos de coisa nenhuma não vale a puta duma lágrima e, ainda menos, o pingo duma lamúria. Oprimido, eu? Apenas pela minha dose, nem sempre modesta, de estupidez. É uma luta até à morte, pois é; e, mais ainda,  um sacana dum combate desigual.

3 comentários:

Vivendi disse...

Se Putin fez frente...
https://observador.pt/2022/07/20/putin-diz-que-se-esta-a-criar-uma-nova-ordem-mundial-mais-justa/


Todos nós devemos estar preparados para fazer o mesmo.

https://www.facebook.com/HCPT22/videos/1486095101849294

Anónimo disse...

Bom texto po ético,a parte final é 5 stars! Já não há pirafões visuais como a Silvana Mangano ou a Sofia Loren...um gajo sofre...bem,resta sempre a Fátimana Lucia,a Madre Teresa de Calcutá,a RuPaul...
Basilio el xuxalhote

Anónimo disse...

Mudam os tempos, mudam as vontades.

O pessoal de hoje tem uma perspectiva de vida diferente doutrora. É hoje básico e natural sonhar fazer a vida em qualquer país do mundo.

O pessoal não está preso ao país onde nasceu. Move-se mediante os seus próprios interesses: económicos, lazer, aventureirismo etc.

É assim a vida actual. Mais facilidade de transporte, toda a informação nas pontas dos dedos, mais estudos, mais poliglota, o pessoal vai para a Alemanha ou para o Canadá como quem antes ia de Bragança para o Porto.


Que bom que assim é, não é?