sábado, julho 16, 2022

Anedotas e profecias

 



O episódio anedótico que relatarei de seguida até custa a acreditar. Eu próprio experimento algumas dificuldades. Mas parece que foi mesmo assim. Segurem-se...

Passa-se em 2002. Vão chamar-lhe o "Millenium Challenge"; trata-se do maior e mais dispendioso war-game da história do Pentágono. 250 milhões USD, para simular um confronto entre os Estados Unidos (as forças azuis) e o Irão (as forças vermelhas). Pelos azuis, toda a vasta tecnologia americórnia e um grupo completo de ataque naval - porta-aviões e compª. Já não falando em toda aquela panóplia de napoleões do ar condicionado, mais conhecido por Estado maior Pentagónico.

Para bombo da festa, ao comando dos "Iranianos", requisitam o general Marine Paul Van Riper. A sua missão, especialmente ingrata, é ser triturado pelas forças super avançadas, e autoproclamadas avassaladoras, do bem e da democracia. Acontece que o Marine, guerreiro eficaz, ser com vértebras e estratega compenetrado da sua missão, entende levar o seu papel muito a sério. E age em conformidade. 

Os azuis, com a prosápia habitual, iniciam as hostilidades com um ultimato aos vermelhos. Von Riper manda-os bugiar e aguarda até que eles avancem para onde lhe convém. Uma vez aí, point of no return, e sem aviso prévio nem qualquer comunicação radio-electrónica denunciadora, desencadeia uma descarga geral, demolidora, de mísseis, lanchas-rápidas e, enfim, tudo o que tinha ao dispor. Em 20 minutos, os azuis, com as defesas totalmente saturadas e ultrapassadas, desaparecem da face das águas e vão peregrinar o fundo do Golfo Pérsico. 20.000 alminhas. Completa e desastrosa aniquilação. Imaginem as caras dos napoleões do ar condicionado... Toda aquela burrocracia em hiper-ventilação.

Moral do exercício? Agora é que vem a parte melhor, a verdadeiramente crocante e educativa:

«It was a total catastrophe – not to mention a shocking humiliation for Pentagon planners who had expended a quarter billion dollars setting up the elaborate exercise in the first place.

So, what did they do? Well, like a teenage boy playing war in a video game, they simply pressed the "reset" button, “refloated” the sunken ships, and then entered “cheat codes” into the simulation that guaranteed the Blue Team would win.

I kid you not.

General Van Riper was outraged, and quit on the spot. Another more pliant general was assigned to take his place; the exercise proceeded “according to plan”; the Blue Team achieved a great and glorious victory over the “inferior forces” of the Red Team.»


Agora reparem: este "espírito" é o mesmo que tem presidido à abordagem oxidental do actual conflito na Ucrânia. Só que o "reset" button não funciona. Embora eles tentem, desalmadamente, premi-lo. Pelo que  o exercício infantil apenas resulta em escalada, em agravamento do problema, ou seja,  no cumular das causas e condições que conduzem aos mesmos efeitos. Quer dizer, atiro com esta bola contra a parede e levo com ela nas ventas. Isso magoa-me, enfurece-me. Dedução da correcção: vou atirar com a mesma bola contra a mesma parede, mas cada vez com mais força. Até porque estou cada vez mais furioso. Está-me a acertar porque eu não atiro com suficiente força. Voilá! Dá para calcular como o resultado final deste tipo de birra  não será brilhante.

E agora, para cúmulo, já estão, de novo, os do costume, com planos mirabolantes (e sempre-viçosos) de ataques devastadores ao Irão. Americórnios e askenazis de arribação aos urros. Temo que não seja a melhor das ideias. Sobretudo no momento actual. Assim, de relance mnésico, a última aventura dos segundos contra o Hezbollah foi tudo menos gloriosa. Raiou mesmo a humilhação. E sendo que, apesar de tudo, os askenazis ainda são de alguma eficácia na guerra, não estou a ver como é que o conjunto se irá desenvencilhar com um Irão que está muito acima do que eles alguma vez enfrentaram na puta da história. Direi até que, depois da Rússia (e também apoiado por ela) serão talvez o país mais bem preparado para lidar com certo tipo de "war-games" coquetes. À partida, no esgoto da Propaganda, a vitória certa, festiva e esmagadora está garantida. O pior é depois... no terreno. 

Van Riper, esse, após aquele episódio caricato,  afastou-se repugnado, mas foi quem deixou bem lavrada a verdadeira moral da história:

«Nothing was learned from this. And a culture not willing to think hard and test itself does not augur well for the future."»

Absolutamente profético. 


4 comentários:

Jorge disse...

É só por o van ripper ao comando dos azuis e a coisa resolve se. Tanto alarme para quê ?

muja disse...

E falta aí a experiência de combate na Síria para o Hez, que deve ter incluído instrução com russos, e respectivo material adquirido e usado. Se bem me lembro possuem unidades de ou com blindados e, portanto, estão aptos a realizar operações “combined arms”. Se se juntar a isso o que já sabiam e melhoraram de drones e mísseis… Já é combined que se farta. Já não são a milícia de infantaria ligeira que eram em 2006, são um exército a sério, com experiência de combate a sério.

Os quiquis devem estar a contar com os aviões como de costume, mas cheira-me que aí também haverá surpresas…

dragão disse...

«The Israeli army generals urged the Zionist government to avoid any escalation with Hezbollah by making concessions to Lebanon in the negotiations in order to avoid any military escalation with Hezbollah.»

Uma guerra em duas frentes é sempre lixada. Especialmente por parte de quem não dispõe de retaguarda estratégica. Da Hiper-hubris ao death wish é um saltinho.

Vivendi disse...

Entretanto o Irão já preparou o seu arsenal nuclear.

Inibido de desenvolver armamento nuclear e estimulado pelas sanções, afinal um poderoso agente de inovação para países assediados, o Irão já pertence ao pequeno clube das potências possuidoras de misseis hipersónicos, igualando os EUA, a Rússia, a China e o Reino Unido. Concomitantemente, a indústria iraniana gaba-se de possuir dos melhores drones militares, tão efectivos como os de produção israelita e turca e que vão brevemente dar entrada no teatro de operações da Ucrânia, apoiando decisivamente o esforço militar russo. Afinal, para países possuidores de boas instituições de pesquisa científica e tecnológica, como é o caso do Irão e da Rússia, as sanções acabam por revelar-se um importante estímulo económico e industrial, obrigando a políticas intensivas apontadas para resultados expressivos, para a formação contínua de jovens quadros técnicos e quadros dirigentes, assim como para a criação de operários especializados que futuramente poderão operar noutros sectores industriais de ponta. O mundo está a mudar celeremente, de forma tão rápida como desconcertante para quantos só viam Sul e Norte, desenvolvimento e subdesenvolvimento, pelo que muitos ainda não terão percebido que esse "Sul Global" com grandes competências já se está a posicional para , num futuro não distante, deixar de depender das patentes e segredos que eram a garantia do poder de uns e da fraqueza de outros.

MCB