« -Ah, tu vens de Paris?! E não quedará mal perguntar em que é que os senhores estudantes de Paris levam o tempo?
- Transcruzamos a Sequana ao dilúculo e aos crepúsculo; deambulamos pelas compitas e quadrívias da urbe; despumamos a verbocinação lacial e, como veros amorabundos, captamos a benevolência do omnijuiz, omniforme e omnigénio sexo feminino. Em certas diéculas, vamos aos lupanares e em êxtase venérica, inculcamos as uretras nos penitíssimos recessos vaginais das meretrículas amicabilíssimas. Depois, caponizamo-nos nas tascas meritórias, com espátulas vervecinas, perfumadas com salsis e hortelanus. E se nossas barjuletas carecem de metal ferruginoso, para pagar a conta contorum, deixamos as sebentas e as véstias de penhor, até que nos chegue a mesada dos penates e lares do nosso paternal.
Arregalaram-se os olhos a Pantagruel:- Que raio de falar é este? És herético, pela certa!...»
- Rabelais, “Pantagruel”.
Já vai para quinhentos anos que Rabelais ridicularizou, justa e irremediavelmente, os sorbonículas, ou sejam, todos aqueles que mascaram a maior vulgaridade de espírito sob os rococós do paleio abstruso. E, não obstante, a praga continua, a epidemia não só alastrou como se multiplicou à enésima potência. Quem enche a boca a toda a hora com parangonas como “progresso” e “evolução” bem melhor será que repense a higiene da mesma.
Oiçamos um jovem assistente universitário, pelo ano da graça de 1981, numa alocução ao “Colóquio Kant”, numa Universidade cá do burgo:
«O debate em volta da concepção kantiana de história, e particularmente sobre a natureza e latitude do conceito de progresso, progride em uníssono com as próprias brechas causadas nos instrumentos de análise teórica do objecto histórico, pelo desenvolvimento frio e anónimo dos acontecimentos que consubstanciam o presente colectivo nas suas múltiplas dimensões, da economia à situação político-militar. Mas esse vértice de actualidade, com todos os seus convites à fuga para a frente ou à doutrinação da espera e do impasse, não ocupa todo o espaço de motivações capaz de explicar o interesse e a vivacidade polémica sugerida pelo estudo dos textos históricos de Kant.» Bla-bla-bla, e por aí fora.
Perceberam? Naturalmente, não é para perceber. O estudante sorbonícula de Rabelais ocupava o seu tempo, como diz o povo, em putas e vinho-verde. O jovem estudante cá do burgo, recentemente promovido a assistente pelos idos de 81 (actualmente, está quase catedrático), mais valia que o fizesse, pois nem esse mérito social alcança: limita-se a um onanismo verborreico, malabarismo palavroso perante uma assembleia tribal de saltimbancos académicos.
Não tenho dúvida que, assim como a religião tem sido estropiada pelos sacerdotes de todas as latitudes, também a filosofia tem sofrido as piores sevícias às garras dos escolastas de ontem, de hoje, e de sempre –universitários de toda a espécie. Lembram pirilampos armados em estrelas, fazem do papagaio o totem sagrado da tribo e praticam uma coscuvilhice de comadres mascarada de erudição rupestre. Colocar a sabedorreia no altar da sabedoria, esgota, de resto, as funções destes burrocratas do conceito.
Ao fim de um quarto de século de repugnadas e perplexas observações, acho que, finalmente, me aproximei duma definição.
2 comentários:
Ah! Que maravilha! O Rabelais e os cagões que também já mandei post para a Janela por causa desses patapoufs. Na altura lembrei-me do Sebastian Brant mas este Rabelais soube que nem ginjas “;O)))
Confesso já: pelo-me por ouvir falar um bom pedante. Um pedante do tipo imaginário de um Dâmaso Salcede.
Diverte-me até às lágrimas do riso contido, ler declarações pedânticas.
Há um tipo que escreve no Público, em local cada vez mais recuado ( agora, parece que é no suplemento de Economia...). Chama-se F. Ilharco e escreve como quem come pipocas, intercaladas com sultanas e mais frutos secos. Palavras secas para falar de tudo. No início ficava embasbacado a ler aquilo e admirava a capacidade do tipo em relacionar o MIT com o TIM ( o caricaturista do L´Express). Agradava-me essa versatilidade no conceito subreptício e tomava-a por habilidade genuína. Durou pouco. COmecei a ler outras coisas e descobri no artista, uma capacidade para escrever sobre tudo o que mexe, sem apanhar os conceitos. Desisti. E a verdade é que continua a escrever textos longos e áridos como os panfletos de instruções de um qualquer electrodoméstico. E eu passo ao lado.
Tirando esse, só um texto de Eduardo Lourenço me arrancaria à beatitude e me poria a cogitar como é que esse tipo conseguiu dizer tantas coisas durante tantos anos, tendo sempre alguém que o...ouvisse!
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