terça-feira, outubro 19, 2004

Meditação sobre uma Vassoura

«Esse mero pau que estais a ver estendido aí a um canto abandonado vi-o eu outrora florescente numa floresta: estava então prenhe de seiva, carregado de folhas, cheio de ramos, mas hoje é em vão que a arte diligente do homem tenta lutar contra a natureza atando aquele murcho ramo de vergas ao seu tronco ressequido: fica exactamente o contrário do que era, uma árvore voltada ao contrário, com os ramos no chão e a raiz para o ar; presentemente é manejada por todos os porcalhões, está condenada a ser escrava deles e, por capricho do destino, tem a missão de limpar os outros objectos e de a si própria se sujar; gasta enfim até aos restos nas mãos das criadas e é condenada umas vezes a ser lançada fora e outras a acender o lume, como serventia derradeira. Contemplando eu estas coisas, disse para comigo: “É mais que certo que o homem é uma vassoura!”
(...)
Mas uma vassoura, podereis vós dizer-me, é o símbolo de uma árvore que se sustenta sobre a própria cabeça; e eu respondo-vos: o que é um homem senão uma criatura virada ao contrário, com as suas faculdades animais perpetuamente a cavalo nas suas faculdades racionais e com a cabeça no sítio dos calcanhares a rastejar pelo chão? E mesmo assim, com tantas deficiências, ele erige-se em reformador universal, em destruidor de abusos, cavaleiro andante de todos os agravos, sempre a esquadrinhar os esquálidos recantos da natureza, a trazer para a luz do dia as podridões ocultas, a erguer poeiras consideráveis nos locais onde nem sequer elas existem, deixando-se tomar muitas vezes da sujidade que deseja limpar; os seus últimos dias passa-os escravizado às mulheres, que no geral são as de menos mérito: até ao momento em que, como a sua irmã vassoura, gasto até aos restos, é deitado pela porta fora ou empregado em acender fogueiras a que outros se vêm aquecer.»

- Jonathan Swift, “Meditação sobre uma vassoura”

Conclui-se, num aforismo do mesmo Swift: “No geral os elefantes são desenhados em mais pequeno que o natural; mas as pulgas são-no sempre em maior.”

Também sibilinamente, eu corroboro:
É o anão que necessita de andas; e quanto maiores elas forem, maior ele se torna. (Decifração: o Homem é um anão cada vez menor com andas cada vez mais gigantescas. Quanto mais elas crescem, mais ele se atrofia.)

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