Para efeitos práticos, resumir o homem a um “bom selvagem” ou a um “grande filho da puta”, redunda no mesmo. A antropologia pessimista, como a optimista, serve às mil maravilhas ao materialismo. Fazer fé num putativo (irra, como este adjectivo está na moda!...) idílio ou numa sacanagem perpétua, em teoria pode parecer antípodas, mas na prática conforma uma pocilga geminada.
Todavia, não deixa de ter a sua piada o facto de, genericamente, a direita se reclamar da antropologia derrotista, e a esquerda se circunscrever na eufórica. Visto de cima, como sempre convém nestas coisas, com pinças, máscara e luvas (e um cacete bem a jeito, para o caso de alguma das bestas em análise acordar antes de tempo), dir-se-ia que o nó do problema (rotunda quer da coincidência, quer da derivação) consiste na mudança. Passo a explicar: é na relação com a mudança que uns e outros se definem ( e se geminam, tanto quanto se digladiam). Os da sinistra, viciados empedernidos nela (na mudança, claro está), colocam no termo da saga alucinante um corolário acabado e definitivo. Quer dizer, de charola permanente com o mundo, à pergunta “onde é que isto vai parar?”, efabulam um estado final de perfeição, de ordem incorruptível, e respondem, inerentemente, com um cais terminal da mais sublime estabilidade, um êxtase culminante que preencherá o resto da eternidade – um paraíso inoxidável, em suma.
Por seu lado, os da destra, abominadores encartados dessa mesma mudança, proxenetas maníacos do status quo, vociferam ao carrocel mundano, reforçam os travões da engrenagem e barricam-se na única imutabilidade que, em seu entender, conhecem e proclamam: a da maldade e macaquice atávica do ser humano. Esta, de tão retumbante e estagnada, será a única certeza inamovível do seu sistema, respectivo alicerce e trave mestra.
Destas posições inaugurais, fácil se torna depreender todo o restante novelo argumentativo: para uns, os da direita, de nada adianta mudar o mundo, porque o homem nunca muda, é sempre uma grandessíssima besta; para outros, os da esquerda, há que acelerar o mundo, pô-lo a rodopiar cada vez mais depressa, em frenesins caleidoscópicos, porque quanto mais depressa mudar, mais depressa atinge o seu fim –naturalmente- idílico.
Levar a sério qualquer destas fantasias dignas de manicómio é crer, opcionalmente, que é forçoso que o homem seja uma nuvem gigante ou um anão de merda.
Por último, resta-nos ainda o contra-senso com que se couraçam e se desfraldam aos séculos os próprios termos emblemáticos das duas seitas: enunciar o “bom selvagem”, ou o “grande filho da puta” aniquila-se per si – nenhum “selvagem” é bom, como nenhum “filho da puta” é grande. O conceito de “bondade” é estritamente civilizacional; e é porque se não tem grandeza –de alma, de coração, de inteligência, de humanidade enfim –, que se é filho da puta. Quer dizer, nem a selva é um palco moral por excelência, nem a filha da putice constitui faculdade e resultado de coisas grandes, elevadas ou meritórias.
O Grande filho da puta, na verdade, é um tipo minúsculo, ínfimo, microscópio. Visitamo-lo em Liliput. Já o “bom selvagem”, por seu turno, não deixa de ser uma verbosidade inflaccionada, um gigante feito de vento, um traque em peregrinação de sopro divino. E, geograficamente, se é que geografia tem, fica logo adiante, no naufrágio seguinte. A capital chama-se “Lorbrulgrud”. Swift deixou-nos indicações precisas sobre a latitude e longitude. Se tão exóticas paragens vos interessam, ide consultá-lo. Ele, que fez a viagem – a primeira ao “fim da noite”-, mostra-vos o caminho.
A mim ensinou-me uma das poucas verdades que julgo levar desta vida: a de que o destino da sabedoria é o naufrágio. Não é uma viagem a lado nenhum, como concebem os burgueses e as costureiras; não é um perambular zombificado pelas superfícies: é uma viagem ao fundo. Às vísceras e aos abismos. De nós, do mundo, e de tudo.
Todavia, não deixa de ter a sua piada o facto de, genericamente, a direita se reclamar da antropologia derrotista, e a esquerda se circunscrever na eufórica. Visto de cima, como sempre convém nestas coisas, com pinças, máscara e luvas (e um cacete bem a jeito, para o caso de alguma das bestas em análise acordar antes de tempo), dir-se-ia que o nó do problema (rotunda quer da coincidência, quer da derivação) consiste na mudança. Passo a explicar: é na relação com a mudança que uns e outros se definem ( e se geminam, tanto quanto se digladiam). Os da sinistra, viciados empedernidos nela (na mudança, claro está), colocam no termo da saga alucinante um corolário acabado e definitivo. Quer dizer, de charola permanente com o mundo, à pergunta “onde é que isto vai parar?”, efabulam um estado final de perfeição, de ordem incorruptível, e respondem, inerentemente, com um cais terminal da mais sublime estabilidade, um êxtase culminante que preencherá o resto da eternidade – um paraíso inoxidável, em suma.
Por seu lado, os da destra, abominadores encartados dessa mesma mudança, proxenetas maníacos do status quo, vociferam ao carrocel mundano, reforçam os travões da engrenagem e barricam-se na única imutabilidade que, em seu entender, conhecem e proclamam: a da maldade e macaquice atávica do ser humano. Esta, de tão retumbante e estagnada, será a única certeza inamovível do seu sistema, respectivo alicerce e trave mestra.
Destas posições inaugurais, fácil se torna depreender todo o restante novelo argumentativo: para uns, os da direita, de nada adianta mudar o mundo, porque o homem nunca muda, é sempre uma grandessíssima besta; para outros, os da esquerda, há que acelerar o mundo, pô-lo a rodopiar cada vez mais depressa, em frenesins caleidoscópicos, porque quanto mais depressa mudar, mais depressa atinge o seu fim –naturalmente- idílico.
Levar a sério qualquer destas fantasias dignas de manicómio é crer, opcionalmente, que é forçoso que o homem seja uma nuvem gigante ou um anão de merda.
Por último, resta-nos ainda o contra-senso com que se couraçam e se desfraldam aos séculos os próprios termos emblemáticos das duas seitas: enunciar o “bom selvagem”, ou o “grande filho da puta” aniquila-se per si – nenhum “selvagem” é bom, como nenhum “filho da puta” é grande. O conceito de “bondade” é estritamente civilizacional; e é porque se não tem grandeza –de alma, de coração, de inteligência, de humanidade enfim –, que se é filho da puta. Quer dizer, nem a selva é um palco moral por excelência, nem a filha da putice constitui faculdade e resultado de coisas grandes, elevadas ou meritórias.
O Grande filho da puta, na verdade, é um tipo minúsculo, ínfimo, microscópio. Visitamo-lo em Liliput. Já o “bom selvagem”, por seu turno, não deixa de ser uma verbosidade inflaccionada, um gigante feito de vento, um traque em peregrinação de sopro divino. E, geograficamente, se é que geografia tem, fica logo adiante, no naufrágio seguinte. A capital chama-se “Lorbrulgrud”. Swift deixou-nos indicações precisas sobre a latitude e longitude. Se tão exóticas paragens vos interessam, ide consultá-lo. Ele, que fez a viagem – a primeira ao “fim da noite”-, mostra-vos o caminho.
A mim ensinou-me uma das poucas verdades que julgo levar desta vida: a de que o destino da sabedoria é o naufrágio. Não é uma viagem a lado nenhum, como concebem os burgueses e as costureiras; não é um perambular zombificado pelas superfícies: é uma viagem ao fundo. Às vísceras e aos abismos. De nós, do mundo, e de tudo.
14 comentários:
este é dos grandes, Dragão, daqueles em que tenho de te pedir autorização para guardar e linkar que não basta bater palmas nos comentários.
e volto cá mais logo para conversarmos...
Então vamos lá conversar um bocadinho. Sabes que eu penso que há coisas que têm as costas largas. Uma delas é a dita natureza humana. Que isto para certos conhecimentos até o D. Juan tinha limites. Quer dizer, para o que quer que interesse só conta a que nos é próxima. O resto são teorias, e claro, as teorias vivem do ar, vivem de universais, do futuro, e de mil e uma coisas onde o que conta é o “projecto”.
Ora eu tenho ideia que só quando não há projecto é que ficamos numa “realista” a pensar que "força, tentem mudar e vão ver que fica tudo na mesma".
Os verdadeiros pessimistas não têm teorias. Os outros geralmente criam-nas por oposição às que ainda deixaram marcas.
O dito optimismo e pessimismo tem alternado de mão, basta olharmos um pouco mais para trás.
Porque não há teoria que não seja optimista.
Tu olha-me bem para o este liberalismo (que eu tenho aprendido à borla e graças à blogosfera) e diz-me se não é a crença optimista na “escolha” do cidadão e do mercado que está por trás do que defendem.
Eu não vejo outra coisa, a não ser um optimismo num casamento de conveniência entre o espírito e carne, ou a alma e a algibeira. E quem sou eu para dizer que não é o casamento possível.... com a graça de deus e nos tempos que correm...
Agora o bom selvagem, ou o filho-da-puta são outra história, estão-nos na alma e aí a política é que não tem culpa. E sabes o efeito que me causaram as "viagens" de que falas e que também tanto me marcaram? que a grande treta é auto-indulgência, a porquita e lamecha comiseração com as pequenas merdices da vidinha quando já nem se faz nem se sai de cima. E que se lixe o naufrágio da sabedoria, que ser-se surpreendido pela vergonha da constatação que nem todos são tão comodamente filhos-da-puta é um murro muito mais forte “;O)
Quanto à indulgência, de acordo. Quanto ao liberalismo, aquilo é uma variante softcore, assim a modos que betinha, copinho de leite, dos nihilistas dos finais do século XIX. Pode parecer incrível, especialmente aos próprios que desatam imediatamente num arrulhar de virgens ofendidas, mas é assim mesmo. O espectáculo chega a ser confrangedor, tal o débito de imbecilidades pomposas que jorra em catadupa. Mas, enfim...No fundo até são bons rapazes. Deu-lhes pr'aquilo como lhes podia ter dado para outra coisa qualquer. Acho que se entregam à auto-mutilação mental. Quem faz um bom quadro da espécie, um quadro sublime aliás, é o Dostoievski, nos "Demoónios" (Ou "Possessos", conforme a tradução). Há até um capítulo hilariante, duma ironia arrasadora, em que retrata uma reunião nihilista em caso dum dos personagens. É de um tipo se rebolar. E, no entanto, é duma profecia atroz. Quando leio as preces inflamadas dos nossos amigos ao Deus Mercado (verdadeiro Ser Supremo robespierriano), a forma benta e pia como eles acreditam cegamente naquela mixórdia que promete fazer parecer um mar de rosas às bizarrias nazis e bolcheviques, lembro-me sempre dessa reunião em casa de Virguinski. Quanto a mim, reforço, é uma das obras mais geniais que já li e, aproveitando que falas nisso dos "liberais", conto postar brevemente a parte mais sucolenta da reunião: a arenga de Chigalev.
Direi mais: é um daqueles livros que ciclicamente releio. Irra, por falar nisso, vou lê-lo mais uma vez!...
Ahaha, tu fazes cada associação que se fica com mais vontade de reler Dostoievski.
Agora as mutilações mentais não as vejo pela teoria a menos que se transformem em ideologia. Eu gosto de teóricos e pouco interessa o assunto que teorizam. Gosto de estilizações mentais como na Idade Média ";O)
e politicamente prefiro mil vezes um teórico a um panfletário. Enquanto não me quiserem governar tudo bem “;O))) E os liberais aqui do mundo virtual até são uma simpatia, o pior são as caricaturas no poleiro.
«E os liberais aqui do mundo virtual até são uma simpatia, o pior são as caricaturas no poleiro»
Ai, Zazie, Zazie...Experimenta colocá-los no poleiro a ver se a simpatia resiste. E olha que isso das "teorias" nunca são tão inofensivas quanto parecem. Sobretudo quando se revestem daquele fundamentalismo obsessivo que corresponde aos antolhos nas cavalgaduras. Qualquer gajo que passe os dias a rezar um credo não é digno de confiança.
ehehe, eu quando me referia aos liberais virtuais estava a pensar nos meninos blasfemos e não ia dizer mal dos rapazes por trás. E depois dois até já confessaram que poder só se fosse para atrair as gaijas looooooooooolll
O que eu queria dizer é que entre os que falam de política prefiro os teóricos aos ideólogos e panfletários. Têm a vantagem de não serem situacionistas nem reduzirem tudo a lutas partidárias ou visões de conjuntura. Quanto à teoria, pelo que me apercebi até agora, tem todos os defeitos que enunciaste e a tal beatitude da boa natureza do mercado e da escolha. Mas a questão da inteligência não se perde nem se resolve assim tão facilmente... Claro que também não é pela argumentação que vê porque argumentar é uma treta. Chega-se sempre ao mesmo com mais ou menos argumentos. O que penso é que quem é inteligente só a perde a quando se age. Enquanto pensa até é curioso ver como resiste à tontice das ideias de que está convencido. É mais ou menos como os bons artistas do passado. Não era por terem restrições de encomenda que deixavam de fazer grande obra, como também não é hoje em dia só por serem livres que o conseguem ";O)
Por outras palavras, não é por não ser teórica de uma tontice que eu muito mais inteligente que um teórico de uma coisa tonta “:O)))
era bom era “:O))))
Agora se ficar quieta e não fizer asneiras até posso ser mais smart que o maior sábio que se meta a fazer porcaria ":O)))))
ehehe, eu quando me referia aos liberais virtuais estava a pensar nos meninos blasfemos e não ia dizer mal dos rapazes por trás. E depois dois até já confessaram que poder só se fosse para atrair as gaijas looooooooooolll
O que eu queria dizer é que entre os que falam de política prefiro os teóricos aos ideólogos e panfletários. Têm a vantagem de não serem situacionistas nem reduzirem tudo a lutas partidárias ou visões de conjuntura. Quanto à teoria, pelo que me apercebi até agora, tem todos os defeitos que enunciaste e a tal beatitude da boa natureza do mercado e da escolha. Mas a questão da inteligência não se perde nem se resolve assim tão facilmente... Claro que também não é pela argumentação que vê porque argumentar é uma treta. Chega-se sempre ao mesmo com mais ou menos argumentos. O que penso é que quem é inteligente só a perde a quando se age. Enquanto pensa até é curioso ver como resiste à tontice das ideias de que está convencido. É mais ou menos como os bons artistas do passado. Não era por terem restrições de encomenda que deixavam de fazer grande obra, como também não é hoje em dia só por serem livres que o conseguem ";O)
Por outras palavras, não é por não ser teórica de uma tontice que eu muito mais inteligente que um teórico de uma coisa tonta “:O)))
era bom era “:O))))
Agora se ficar quieta e não fizer asneiras até posso ser mais smart que o maior sábio que se meta a fazer porcaria ":O)))))
gaita que isto duplicou e não encontro o caixote do lixo
sorry que escrevi isto com os pés...estava ali ao lado a comentar o Village
Pois, ó Zazie, pelos vistos, tu estavas (ao dizer "liberais") a referir-te especialemnete aos "blasfemos" e eu não. Referia-me à floresta e não apenas a alguns espécimes. Quanto a esses, devo dizê-lo, ao mesmo tempo que estão sob o meu assombro, estão tambem sob a minha protecção (se bem que o Miranda exagere um bocado nas asneiras e o AAA persista em vendar-se; um rapaz com potencialidades é o Rui). Estou-te a dizer isto agora, mas já lhes disse isso pessoalmente, ou melhor, dragoneamente. Aos "blasfemos", de resto, louve-se-lhes a educação e um certa elevação com que encaram as provocações (eu dantes tinha um prazer especial em provocá-los, mas agora nem tanto). Além disso, são o único "top-blogue", como diz o Dodot (meu grande camba) que se dignaram linkar-me. É de "democratas a sério", foda-se!
meus caros,
quanta prosopopeia nestes comentários!!! e quantos termos em ingles...tisc tisc, que coisa ridícula. :(
Quanto ao autor do texto, gostei muito e amei o título.
Ó Dragão, eu também comecei por lembrar a utopia optimista liberal em geral e não estava a falar dos rapazes mas depois é claro que me lembrei deles e aí tinha de fazer a ressalva. São bem educados e simpáticos e têm costela do norte - não são de falinhas mansas. E ainda por cima aquele de quem estou mais a leste nas ideias é logo o mais simpático - o AAA “;O))) É o meu único blogue político de momento. Mas olha lá ó meu c****** ingrato, com que então são os únicos a linkar-te meu badalhoco... vai lá à Janela e vê mas é se ganhas vergonha nessa cara “:OP
Anonymous: olha que na volta era francês...
Zazie, lá estás tu a abespinhar-te sem razão. Agora vais ter que me pedir desculpa. Eu disse, e muito bem, que os blasfemos eram o único "top-blogue". Ora, que eu saiba, a "Janela" não é um "top-blogue" (este termo no meu conceito, aliás, já o devias ter percebido, não é lá muito elogioso -equivale a "populista"), mas um "bom-blogue". Basta que tu lá postes. E mesmo que não fosse, eu, por elegância e cavalheirismo, diria que ele era excelente e ainda te mandaria um ramo de flores. Ingrata, precipitada e tresloucada, por conseguinte, és tu! :O)))
Se não andasses a ler dez mil blogues ao mesmo tempo, e a comentar não sei quantos mais, lias as coisas mais pausadamente, o que só te fazia bem.
ahahahaahaha
eu vi que fiz asneira mas já tinha mandado o comentário looooooooooollll
seu malandrão, estava a brincar, não estava nada abespinhada ehehehehe como se tivesses assim um feititozinho muito calminho e diferente do meu ":O))))
toma lá uma beijoca e olha que eu sou melhor a ler que a postar ":O)))
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