terça-feira, junho 15, 2004

O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO


Cá no burgo, confunde-se muito o essencial com o acessório. Por exemplo, essencial é a competência dum governante; acessória é a sua cor política. Mas o pagode acha o contrário. Desde que vista a sua camisola, está salvaguardado o essencial. Porque pró pagode o essencial é o acessório, a vaidade prevalece sobre a eficiência. Votei naquele que ganhou, logo ganhei.
Grande parte dos governantes, nem são de direita nem de esquerda: são incompetentes. Depois vem o acessório: são incompetentes de direita ou de esquerda. Não é pelo acessório que se tornam especialmente danosos, é pela essência -por serem incompetentes.
A competência dum governante, ainda por cima democrata, mede-se pela eficácia na governação dum país real, para o qual se candidatou e foi eleito, e não dum país imaginário. Muito menos dum país liliputizado ao seu grémio, reduzido à sua pandilha. O problema é que a maior parte das criaturinhas incubadas e criadas nas máquinas partidárias não faz a mínima ideia do que é o país real, quanto mais governá-lo. Os seus horizontes esgotam-se no aparelho que os hospeda e amamenta. Daí a confundirem o país com o partido, e, por conseguinte, a trocarem o essencial pelo acessório, não demora nada. Também não espanta que a democracia descambe numa parasitocracia oligarquizada. É assim. Ou isso ou o caos.
Entretanto, a discussão política reflecte a política, quer dizer, o essencial é o acessório: aquele senhor não presta porque não é do meu partido; se fosse do meu partido seria excelente. Eis-nos, assim, ao nível do futebol. As bancadas do parlamento confundem-se cada vez mais com as bancadas dum estádio; e o partidarismo vociferante, ululante, em nada se distingue duma variação engravatada de hooliganismo.
O actual governo, por exemplo, essencialmente, não é de direita ( e muito menos de esquerda): é, isso sim, profundamente incompetente. Chegaria a ser anedótico se não fosse trágico. A ministra das finanças, essa, é digna de internamento compulsivo e camisa de forças. Quanto ao que distingue este governo do anterior, não é o facto -acessório- de este se pretender de direita e aquele de esquerda. No essencial, na profunda incompetência, assemelham-se; na confusão entre Estado e aparelho partidário quase se geminam. Não me restam grandes ilusões que qualquer um dos outros partidos, uma vez no governo, desgovernaria com igual gula.
Para que servem, então, as eleições?
Sinceramente, já não sei. Nem consigo, tão pouco, perceber se, na realidade, os cidadãos votam (aqueles que votam), ou se, pura e simplesmente, se aliviam.

1 comentário:

zazie disse...

ora até que enfim que estamos de acordo em matéria política! claro que o grande problema são as fantasias ideológicas. O grande problema é não se pegar nos factos em si mas camuflá-los de ideologia. Por isso ainda o ano passado concordava com o doninha a propósito do ordenamento do território por causa dos incêndios. O mais importante é ser feito por quem conhece isso, o secundário é investi-lo de uma ideologia liberal. E tens razão que a maior parte dos´"políticos" são fabricados na máquina e quem vota, vota no clube. Em relação a isso também não vejo alternativa. Simplesmente não me entusiasma nada. Passo.
Já em relação aos teóricos incomoda-me porque, insisto: essa divisão esquerda direita é muito artificial. Pior, o que é mais tonto é usar-se como cartilha e colocar-se à frente do estudo das questões concretas.
Vou dizer uma boutade mas creio que até se coloca á frente da própria teoria ";O)