Além das "Nuvens", três outras comédias de Aristófanes são
emblemáticas (na verdade, quase todas são, mas por amor à síntese...) do estado
de Atenas na Decadência: "As Vespas", "As Rãs" e
"Pluto". As primeiras retratam a grande tara da cidade, autêntica
mania furiosa desenvolvida a níveis de paroxismo: os tribunais e a retórica. Se
temos a ideia grandiosa do "direito romano", ao pé dos Gregos os
romanos, como em quase tudo, balbuciam num misto de infantilidade e
pechisbeque. Basta dizer-se que os tribunais romanos, em bom rigor,
mal-funcionavam. O direito soberano era o da força. O Patrício até cárcere
privado tinha. E a quantidade de servos auto-arvorados beleguins media a
justiça da demanda. Já em Atenas, o tribunal não apenas funcionava, a todo o
vapor, como se constituía quase o mesmo que o Circo viria a significar para os
romanos. Na Grécia, competia até, valorosamente, com o teatro, se é que não o
excedia. A obsessão pública era de tal ordem que a cidade viu nascer um
profissional típico: o sicofanta. Figura execrável e omni-detestado, fazia-se
acompanhar por uma ou duas testemunhas e flanava, como um abutre, pelas ruas à
procura de motivos e pretextos para delacção judicial. Um bufo? Completo,
devoto e desabrido. Muitas vezes, à falta de matéria de facto, inventava
calúnias e chantageava com elas os privados. Estes, para evitarem trabalhos e
custas, bem como temerosos das falsas testemunhas, acabavam por pagar. O
crápula vivia disso. Um pouco o predecessor dos jornalistas da nossa época.
Apenas - e ligeiramente - menos trafulha.
Quanto à segunda peça, "Pluto", das últimas a ser escritas pelo
autor, trata, como o próprio nome indica, das peripécias e aventuras da riqueza
e dum mortal que a procura. Na mitologia grega, duas entidades respondem pelo
nome de "Pluto": Hades, por cognome "Plutow", o Rico (Hades
é o mais rico de todos os deuses, no sentido em que o seu domínio são as profundezas,
depósitos imensos de ouro, prata, pedras preciosas (e mais eles ainda não
conheciam o petróleo), etc; e Pluto, o filho de Demeter, deus da Riqueza. O
Pluto da peça refere-se ao segundo caso.
Conta-se que numa primeira fase Pluto só favorecia quem muito bem entendia
(suspeita-se que pessoas honestas), mas, como isso criou alguns problemas, Zeus
(que ainda por cima não tinha fama de simpatizar muito com a raça antropoide),
decidiu cegá-lo, de modo a torná-lo mais democrático, isto é, a não discernir entre
bons e maus (e assim prejudicar a todos por igual, como adiante constataremos
em detalhe. Até porque, no fundo, essa é a igualdade essencial e mobilizadora
da Democracia: não saber distinguir entre o bem e o mal, já que é tudo igual -
basta atentar na posição das pessoas perante o voto: votar no A ou no B é
indiferente, é tudo a mesma merda; e lá dispara a abstenção). Desse modo Pluto,
a Riqueza, adquiriu três características identificativas: é cego, é coxo e
também voa. Com aquela sabedoria que ninguém sabe muito bem onde foram
desencantar, os gregos diziam que Pluto, por ser coxo, demorava muito tempo até
chegar a uma casa. Mas, depois de nela entrar, saía a voar. Ninguém poderá
negar que o mundo terá mudado muito até hoje, mas Pluto continua o mesmo.
Por outro lado, e aqui importa reter bem isto, Pluto é filho de Demeter, a
terra cultivada. A mesma dos Mistérios de Eleusis, pois. Se, ainda na
mitologia, pensarmos na deusa protectora que deu o nome à própria cidade -
Atena, sabemos que foi em concurso com Poseidon, o deus do Mar, que ganhou essa
distinção. Porque foi considerada a sua oferta aos humanos - a oliveira - a
mais útil e meritória. Ora, na história, embora se tenha tornado e destacado
como potência marítima e comercial, Atenas começou por ser uma comunidade
agrária. E é desse primeiro estágio que emanam os valores fundadores bem como
as estruturas hierárquicas sociais. E, nesse conceito originário, a riqueza era
filha do cultivo da terra. As grandes e mais poderosas famílias, descendentes
da fundação, eram essencialmente grandes senhores agrícolas.
Nesse contexto, se imaginarmos os anos de grandes colheitas, não será
difícil deduzir uma quantidade razoável de excedentes. Dentro destes, aqueles
mais perecíveis (que se estragam rapidamente) teriam como destino, muito
provável, a distribuição pelo séquito de dependentes laborais, a troca por
serviços, a doação à cidade como forma de granjear prestígio, influência ou
poder, etc. Há, pois, pela própria dinâmica natural das coisas, um certo
paternalismo e familiaridade inerentes à sociedade agrária, quer dizer, fundada
na terra. Passe a redundância, porque fundar implica terra sólida, como afundar
implica mar, ou infundar implica ar (Voltaremos a esta trilogia deveras
cucial). Todavia, a partir do aparecimento da moeda, acontece um fenómeno que
não afecta apenas a vertente comercial de Atenas, mas também a agrícola. Os
tais excedentes perecíveis, a partir do momento que se podem converter em
moeda, tornam-se imperecíveis. O Aristoi, em vez de granjear mais fama, passa a
acumular mais riqueza. A moeda não se estraga. Mais grave, instala-se a ideia
da reprodução do dinheiro - o rendimento pela usura. O mesmo termo que designa
filhos, designa juros: tokos. Aposta-se na reprodução do dinheiro (sabemos no
que ocasionou). Onde outrora, trocava, doava, distribuía, agora o grande senhor
empresta, a juros. Este novo negócio - da crematística - não invade apenas o
comércio, o mundo dos negociantes e traficantes: insinua-se também entre a
classe menos suspeita. Aristóteles, como já vimos, deplora como indigna essa
actividade entre os nobres. Não que o aristoi não possa aumentar a sua riqueza
dentro dos limites da propriedade e conveniência, mas fazer disso negócio
essencial é contra-natura e contra a ética, entenda-se contra o bom costume.
Não obstante, a verdade é que o dinheiro/moeda vem contender e transformar os
costumes da cidade. Um dos resultados mais nefastos é o endividamento excessivo
e a ruína de muitos dos endividados. Incapazes de cumprir com o pagamento, caem
na escravatura. E, assim, se noutros tempos os escravos eram adquiridos através
da guerra ou da "importação", agora são muitos cidadãos livres que,
por insolvência, se tornam escravos do credor. Donde resulta que, ou entram ao
serviço deste, ou são vendidos no mercado, em hasta pública. É evidente que a
classe dos comerciantes se desenvolve e dedica a fundo a toda a espécie de
expedientes monetários. Mas esse, tudo bem pesado, não é o pior mal. O grande
problema e a causa mor da decadência social da cidade consiste em a) todos, de
alguma forma, degeneram em "comerciantes" (tudo se compra, tudo se
vende e mercadeja); b) todos os mercadores almejam o máximo e mais rápido
lucro, e logo, por requinte, tornarem-se usurários (hoje em dia autodenominam-se
"investidores"); c) um afluxo de riqueza rápida e desancorada dos
bons costumes maligniza o tecido social e corrompe não apenas ricos e
novo-ricos, mas, tanto ou mais, os outros, aspirantes a ricos quase todos eles,
que passam a acreditar, piamente, que, por intermédio de expedientes, vigarices
ou qualquer outro tipo de trampolim, logram uma ascensão rápida na vida.
Ora, ninguém como Aristófanes, para nos transmitir um fresco imorredouro da
época. E em todas as suas peças há uma espécie de confronto, entre os tempos
antigos, mais simples, piedosos e saudáveis, e os tempos "modernos",
mais venais, cínicos e decadentes.
Em primeiro lugar, esta nova crença cega no dinheiro conduz ao materialismo
tolo e à impiedade - à descrença nos deuses e modos elevados de outrora, isto
é, à destruição da própria hierarquia consagrada e natural. Os filhos batem nos
pais, o injusto leva a palma ao justo (cf. "As Nuvens"); a tagarelice
e a frivolidade de Eurípedes destronam a grandeza austera de Esquilo ("As
Rãs"); os ricos fingem-se de maltrapilhos para não pagarem contribuições
inerentes à condição (mas depois "emergem no mercado do peixe", -
local, como hoje, onde, dado o exorbitante preço do pescado, apenas os
abastados se exibem e desfilam) ("As Rãs"); etc. A certa altura, em
"As Rãs", onde, perante Dionisio, a Tragédia "moderna" de
Eurípedes disputa com a Tragédia Antiga de Ésquilo, surge, num cúmulo de
chiste, esta passagem particularmente sugestiva:
«Ésquilo - Em seguida, tu ensinaste-os a praticar o palavreado e a loquacidade que não só esvaziou as palestras e gastou o cu dos rapazinhos tagarelas, mas também persuadiu os Parálios (homens livres que remavam no navio almirante) a responderem aos seus comandantes (...)Dioniso - (...) Mas agora respondem e não remam: navegam para aqui e para ali, ao acaso.Ésquilo - De que males não é ele culpado? Não apresentou ele em cena alcoviteiras e mulheres que davam à luz em templos, e se juntavam sexualmente com irmãos, e afirmavam que não viver é viver? Depois, como consequência, a nossa cidade ficou cheia de escribas e desavergonhados macacos públicos que sempre enganavam o povo, e já ninguém é capaz agora de levar a tocha, por falta de exercício físico.»Porque a função do poeta, e ainda mais do tragediógrafo, é ética, pedagógica, elevadora dos costumes e dos espíritos da cidade. Funciona como purificação e catarse colectiva, acto de rememoração e respeito perante a catástrofe sempre à espreita, perante a fragilidade humana sempre implícita. Recapitula igualmente as regras da existência. Ora, o que a nova fórmula moderna de Eurípedes aporta é o contrário de tudo isso. Assenta mesmo em conceitos antitéticos: o escândalo, o arrazoado, a banalidade metida a importante. Não versa o extraordinário, mas o ordinário; não desvendas o elevado, mas o rasca, o venal. Ou seja, por um lado, a modernice transporta para a tragédia os princípios da comédia; por outro, e na essência a acusação principal de Aristófanes, pela personagem de Ésquilo, em termos actualizados, faz da Tragédia uma telenovela avant la léttre.
«Eurípedes - Porventura não existia já a história de Fedra, ou fui eu que a criei?
Ésquilo - Não, por Zeus, ela existia. Mas o poeta deve esconder o mal e não o exibir nem ensinar. É que às criancinhas é o professor que as ensina, e aos adolescentes o poeta. Portanto, é absolutamente necessário que só tratemos do bem.»
Todavia, sendo mais histriónicas, mais espalhafatosas e venais, as peças de Eurípedes atraem enxames, têm mais sucesso popular, sobretudo entre as gentes já de si "desmoralizadas", aturdidas pelos "novos tempos e costumes". Esta "tragédia pop" é para o teatro o mesmo que a sofística é para a filosofia ou o sicofantismo é para a justiça: mera comercialização, pior ainda, mera especulação - da palavra. Pode parecer que, estando nós a investigar o dinheiro, que importância tem isso? Para os gregos, que nos ensinaram a pensar e a raciocinar, a palavra é fundamental: é para o pensamento aquilo que a terra é para a cidade. Sobre ela se edifica, sobre ela se é, vive e respira. Ora, façam o favor de registar, aquilo que a "modernidade" ateniense traduz em relação ao tempo antigo (tal qual todas as "modernidades/sofisticações" ao longo da civilização) define-se, sobretudo, num conceito: desvalorização da palavra. A palavra multiplica-se, prolifera, degrada-se: De valor fundamental e fundamentado a mera ferramenta, mecanismo, utilitarismo, desmesura... Labirinto. Esta degradação mascara-se de sofisticação, progresso, ascensão, mas, na verdade, é um coroamento e entronização nos infernos, o armazém da morte, como explica Aristófanes:
«Criado - Ora, quando desceu, Eurípides mostrou-se aos salteadores, carteiristas e aos parricidas e aos escava-muros, de que há no Hades multidão, e eles. dando ouvidos às réplicas e truques e fintas, enlouqueceram e consideraram-no o mais sábio. E ele excitado, apoderou-se do trono onde estava sentado Ésquilo.Xântias - E não foi expulso?Criado - Não, por Zeus, mas o povo gritava que se fizesse um julgamento sobre qual dos dois era o mais sábio na arte.Xântias - O povo dos velhacos?Criado - Sim, por Zeus, com gritos até ao céu!»
E a desvalorização da palavra, como revisitaremos adiante, acompanhará, ao longo dos tempos, com retrocessos e processos, uma outra desvalorização: a da própria moeda. Também esta, dum valor fundado no metal (signo da riqueza terrestre), irá perdendo a nobreza metálica até descambar num simples papel volátil (não já convenção/ficção com fundamento, mas ficção pura, ao nível das notas dum jogo popular), onde ambas, moeda e palavra, se arvoram como pouco mais que um meio de transporte pornográfico. Ou seja, a desvalorização corporiza, em medida crescente, uma falsificação. Até ao paroxismo alucinado do nosso tempo em que é o próprio "Estado" a emitir moeda falsa.
Antes de Nietzsche, na "Origem da Tragédia", foi Aristófanes a encontrar os paralelismos íntimos entre Sócrates e Eurípedes, quer dizer, entre a "sofística" (alistava Sócrates entre os sofistas) e a pornonovela. Como cereja no topo do bolo, aqui deixo, tal qual ele nos legou:
« Estrepsíades - Estás fartinho de ouvir o que é que eu pretendo: trata-se de juros... da forma de não pagar a ninguém.Sócrates - Vá lá, vá lá, tapa-te, faz por anatomizar o pensamento em fatias fininhas... Vai meditando nos assuntos em cada um dos seus pormenores, analisando e examinando como mandam as regras.» - Aristófanes, "As Nuvens"
«Eurípedes - Depois, eu ensinei essa gente (com um gesto para a assistência) a falar.Ésquilo - Eu que o diga. Mas antes de os ensinares, oxalá rebentasses pelo meio!Eurípedes - Ensinei-lhes a introdução de finas regras, a medir com o esquadro os versos, a reflectir, a observar, a intuir, a gostarem de voltear, maquinar, supor o pior, a esmiuçar todas as coisas...» - Aristófanes , "As Rãs"
18 comentários:
Esse Eurípedes, de certeza que não se chamava antes Eurístein?
Eheheheh!
Essa lógica da desvalorização da moeda é que já me parece puxada...
Ainda agora tínhamos concordado que a moeda é o que permite o con-trato. Que é o que permite equalizar.
Parece-me que o valor da moeda está fundado na justiça, não no metal.
Essa analogia está mais próxima, parece-me, de dizer que o valor da palavra está fundado no papel, do que no pensamento...
Brilhante! Parabéns!
«Parece-me que o valor da moeda está fundado na justiça, não no metal.»
Falsa contradição.
Precisamente, porque foi precisamente isso que ela foi perdendo: justeza, justiça, balanço, sentido de equilíbrio. Meson. Tal qual a palavra. E isso também se traduziu, curiosamente, no metal. Sempre. 25 séculos dessa brincadeira.
se calhar fui eu que me expliquei mal.
Os mestres de dinheiro estudaram bem os clássicos.
"trata-se de juros... da forma de não pagar a ninguém."
Os mestres do dinheiro:
https://www.youtube.com/watch?v=TFX6UCnno9o
São mais de 3h, mas é essencial para o entendimento.
Julgo que não se explicou mal.
Eu é que estou a questionar que o metal seja fundamento do valor da moeda, tendo percebido que tem outra opinião.
Por isso quero ir devagar.
Então o fim da moeda não é ajustar os tratos da pólis? Para isso, então, é necessário que tenha o valor apropriado.
Que nem sempre é o valor que tem o metal. Diremos isto?
Caso contrário, teremos de dizer que a moeda cujo valor difira do do próprio metal é uma perversão. Ou não?
Mas, nesse caso, o peso é metal é moeda suficiente e perfeita.
Mas se dissermos que o valor apropriado da moeda nem sempre é o que tem o metal subjacente, então o metal apenas poderá ser parte do fundamento do valor da moeda.
«Eu é que estou a questionar que o metal seja fundamento do valor da moeda, tendo percebido que tem outra opinião.»
Vamos pegar num exemplo real: a certa altura, em Atenas, abandalharam de tal modo o metal da moeda, que os agentes económicos deixaram de aceitá-la como forma de pagamento. Portanto, o metal contava.
O poder da equidade/equalização só é possível escorado num outro, a equivalência. Este peso equivale a x coisas. O Aritmos é importante (lá chegaremos). Segundo Prometeu, o doador dos benefícios à humanidade, o aritmos é o mais precioso.
Há, assim, uma componente prática e uma componente ética no valor da moeda. O fundamento radica na tal hierarquia cósmica que preside a todas as coisas, mas valor não é apenas valor enquanto axios, é também o valor enquanto o seu veículo físico, material, numerário.
Pois, esse "é também" é que me parece supérfluo.
No exemplo de Atenas, a moeda é rejeitada porque, efectivamente, não valia nada. *Nem sequer* o metal em que vinha.
Julgo que podemos dizer que uma moeda, para ser mais que mero metal, tem de valer mais que o metal que lhe serve de veículo.
Correndo o risco de saltar já para a conclusão: a moeda de agora não é fictícia por não vir em metal. É fictícia porque, não podendo ir buscar ao metal o valor, tem de o ir buscar onde ele *já* não está: à sociedade, ela própria, fictícia.
Se o dólar tivesse metal atrás não deixava de ser fictício. Só era um bocado menos. Mas pouco, muito pouco menos, porque nem que fosse ouro puro podia, a prazo, compensar a falta de valor da sociedade que já nem sociedade é.
«tem de valer mais que o metal que lhe serve de veículo.»
Na antiguidade eles diminuíam a mistura do metal ou o peso; na actualidade, eles aumentam apenas o numerário.
Em ambos os casos, o excesso conduz ao descrédito e à ruína. No caso americano, tudo se sustém pela força, e terraplenando e lançando metodicamente no caos todas as sociedades em redor. Enquanto puderem manter o planeta sob sequestro, a coisa vai.
Em larga medida a sua conclusão não difere muito da minha.
Pois, parece que não.
Mas é comum a ideia que o dinheiro não vale nada porque não está ligado a reservas de metal precioso.
Ou, por outras palavras, os problemas que vemos resolver-se-iam em larga medida se se voltasse a esse sistema.
Eu discordo disso. Até acho que não se resolvia rigorosamente nada. Obrigaria, sim, a diferentes estratagemas para os do costume fazerem as do costume. Mas eles nem precisavam de pensar, era só consultar os arquivos. "Been there, done that"
Contudo, estou plenamente de acordo com quem diga que é preciso *saber* como havemos de aferir-lhe o valor. Porque em boa verdade, não sabemos.
Em todo o caso, ó Muja, convém nunca esquecer que existe também um caracter simbólico nos metais. Que não coisa de somenos. Estava a pensar deixar isto para a Z-Z, mas ela depois que elabore.
Aí, no texto acima, é até, em boa parte, esse que se refere. Lembro-lhe o mito das idades segundo o Hesíodo (um anti-puguessista): primeiro a Idade de Ouro, depois a de Prata, a de bronze e finalmente a de Ferro. Agora já vamos na lata. Grandes latas por todo o lado. :O)
E aqueles tipos da Alquimia, etc.
«é comum a ideia que o dinheiro não vale nada»
O dinheiro agora é valor absoluto. Deus. A graça mede-se na conta bancária. Calvino em esteroides. Bezerro de pechisbeque no poder.
«os problemas que vemos resolver-se-iam em larga medida se se voltasse»
Para o bípede implume já não há volta possível. Isto já pertence a outro foro. O nível de impiedade já atingiu proporções irredimíveis. Nossa Senhora das Lágrimas, rogai por nós.
Sim, sim, de acordo quanto aos símbolos e espero que ela venha aí desenvolver.
Mas nessa do padrão-ouro... é Vocência com Aristóteles e eu com Salazar... Ahahaha!
«O dinheiro agora é valor absoluto.»
Mas é, ainda? Não sei... De certa forma parece que até o dinheiro já teve de dar lugar a outra coisa, como o testa de ferro que já não precisa de ocultar, e assume a sua função real de "chegamisso". Foi aqui que li sobre o obsceno? Deve ter sido.
Bom, mas tenho sempre o condão de fazer derivar isto.
É muito interessante essa noção grega da desvalorização da palavra. Aliás, toda a analogia.
Porque parece evidente como a palavra é também uma forma de ajustar os tratos da pólis. Mais uma vez, pode ser ordenada ou desordenada, o Ésquilo e o Eurístein... Como, para certas pessoas, falar quase parece um fim em si mesmo... Até nos tiques de linguagem, na dicção, na escolha dos termos, na entoação, parece que em tudo se pode encontrar analogia.
No fundo, são espelhos da alma... A palavra, aqui, até é o mais evidente. Mas quiçá o dinheiro acaba por ser dos dois o mais fiel.
Qual, contudo, é o fim concreto da palavra?
Havia uma expressão no tempo do meu pai, que ele próprio praticava quase religiosamente: palavra de honra.
Selava con-tratos, garantia com-promissos. Um empréstimo de dinheiro, por exemplo, era garantido sob palavra de honra.
Entre pessoas honradas era assim.
Foi a palavra de Homero que formou uma civilização. A palavra oral, transmitida, recordada, comunicada. A comunicação antecede a comunidade.
Ao ler os Caros Draco e Muja sobre a moeda e a desvalorização da palavra (fenómeno real que nos assalta os olhos todos os dias), lembrei-me de uma passagem no Nietzsche que li há pouco.
É que "desvalorização da palavra" tem o sentido de degradação da palavra (antes verdadeira, agora falsa) mas também o sentido da perda que sempre resulta do logocentrismo, uma corrupção do real.
O que talvez ajude a explicar um fenómeno com dois milénios de ilustração: a habilidade na manipulação da palavra e o culto da moeda/juro parecem andar mais juntinhos que siameses.
Tenho que seguir a recomendação do Draco e começar a ler o Schopenhauer porque vejo-me a derrapar vertiginosamente no mais radical tradicionalismo: isto começou a descambar desde que foi dita a primeira frase, ahaha
Miguel D
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