quinta-feira, junho 02, 2022

Da Psedudo-Ucrânia à Ucrânia, ou Uma Anedota particularmente sangrenta

 



A ilustração que se segue traduz uma grande fidelidade histórica. Mas também, e em simultâneo, uma grande carga anedótica. A Pseudo-Ucrânia actual, de resto, é uma síntese concreta dessas duas vertentes: a história e a anedota. Não é mesmo simples acaso, penso eu, que seja ornamentada, na presidência, por um misto de palhaço e psicopata. O anterior, um tal Poroshenko, era apenas psicopata.
Para introdução a um entendimento minimamente eficaz do presente rilhafoles , que ameaça seriamente transportar o globo à 3ª Guerra Mundial, recomendo que a leiam com devida atenção. Foi escrita no ano 2000 e dá para perceber que o problema vem de longe e, em larga medida, resulta duma série de trapalhadas mal atamancadas que só podiam acabar mal. Se acrescentarmos a tudo isso a pata americana, sempre pronta a transformar uma racha num abismo, então, ficamos esclarecidos. Sff, prestem especial atenção ao último parágrafo...


«Mal o Estado da Ucrânia foi constituído, logo se puseram lá a brandir - com o objectivo de cerrar as fileiras políticas - o espectro de uma pretensa ameaça militar da Rússia. Quando começaram a formar o exército ucraniano, exigiram oficiais que prestassem juramento de manifestar uma solicitude muito especial em combater contra a Rússia. Tinham uma tal necessidade de se sentirem ameaçados militarmente (era preciso reforçar uma "consciência nacional ucraniana" ainda demasiado difusa), que bastou a Rússia declarar a sua intenção de vender o seu petróleo aos preços mundiais e não a preços baixos, para que a Ucrânia erguesse a voz: "É a guerra!" (Kutchma, em 1993: "Não há economia que resista se for preciso pagar o petróleo aos preços mundiais!")
Durante todo o período de 1992-1998, não houve uma única ronda de negociações russo-ucranianas em que a parte ucraniana não tenha ficado em vantagem; estávamos longe das garantias de Kravtchuk em Belojev sobre a "transparência de fronteiras" e "união indissolúvel da Rússia e da Ucrânia": de agora em diante tratava-se de oposição permanente e sistemática da Ucrânia à Rússia, tanto no seio da CEI como na arena internacional. Passo a passo, a parte russa limitou-se a perder terreno. Não parou de fazer cedências (e continua a fazê-lo) no plano económico na esperança de aplacar a intransigência dos ucranianos. Sacrificou uns após outros os comandantes da frota do mar Negro - os inflexíveis almirantes Kassotonov e Baltin. Após uma enésima retirada, vejamos os que pudemos ouvir (9 de Junho de 1995): "Felicito a Ucrânia, a Rússia e o mundo inteiro!" Felicitar a Ucrânia - com certeza; o mundo inteiro - sem dúvida nenhuma; mas a Rússia, de que é que se podia felicitá-la?... É às descaradas que a Ucrânia se ocupa a correr connosco para fora do mar Negro! E a organização recente de "encontros informais" (uma forma de diplomacia que nos faz recuar ao feudalismo) não fez mais do que aumentar o número das nossas cedências.
Ao longo dos anos 50, encontrei, nos campos em que estive preso, muitos nacionalistas ucranianos e acreditei que estávamos todos sinceramente unidos contra o comunismo (na altura não os ouvi pronunciar a palavra moscals). Nos anos 70, nos Estados Unidos e no Canadá onde a emigração ucraniana constitui um maciço imponente, perguntava-lhes ingenuamente por que razão não dizem nem fazem nada contra o comunismo, mas têm palavras tão duras sobre a Rússia? Eu era ingénuo, de facto, porque foi só muitos anos depois que fiquei a saber que a infame lei americana "sobre os povos oprimidos" (86-90) tinha sido virada contra os Russos e que a sua formulação tinha sido ventilada no Congresso justamente por nacionalistas ucranianops (o congressista L. Dobrianski):
Quanto mais tempo passava, mais a ideologia dos nacionalistas ucranianos era dominada pelas concepções e palavras de ordem mais absurdas. Assim, ficámos a saber que a nação ucraniana era uma "supernação", que o seu passado se enraizava em tais profundezas milenares que não só S.Vladimir era ucraniano, mas também, de acordo com todas as possibilidades, o próprio Homero! E é este tipo de tolices que inspira os autores dos novos manuais escolares na Ucrânia, pois, apesar de os nacionalistas não passarem de uma pequena minoria, obstinam-se em elevar a sua ideologia a ideologia de todos os Ucranianos. "A Ucrânia aos Ucranianos!" - quanto a isso, claro, não há qualquer dúvida a esse respeito (embora vivam na Ucrânia dezenas de povos diferentes), mas também: "A Rus Kievana até aos Urales!" Os Russos são excluídos dos povos eslavos como um "híbrido fino-mongol". Foi criado em Odessa um Instituto de Geopolítica Nacional; tem o nome de Yuri Lipa, autor do livro A Partilha da Rússia, que, ainda em 1941, desenvolvia o seguinte programa: "Não é possível abater a Rússia senão através da aliança da Ucrânia com o Cáucaso e a Transcaucásia". Foi com este espírito que os nacionalistas ucranianos celebraram em 1992 o aniversário da divisão SS "Galícia" (o que não suscitou nem censuras nem indignação da parte dos Estados Unidos). Durante uma das suas conferências em 1990: "Nós professamos o uso da força, a força é tudo!" Foi por essa razão que a Assembleia Nacional Ucraniana (UNA) se dotou de tropas de choque (UNSO) e de um slogan: "A UNA - ao poder; a UNSO - ao ataque!" No congresso de 1994: "Apoiar op separatismo regional na Rússia com vista a favorecer a sua desintegração!"
E esta posição anti-russa da Ucrânia é precisamente o que interessa aos Estados Unidos. As autoridades ucranianas, tanto sob Kravtchuk como sob Kutchma, são solícitos em fazer coro com os Americanos, os quais procuram enfraquecer a Rússia. Foi assim que se chegou rapidamente a relações privilegiadas entre a Ucrânia e a NATO, e aos exercícios da frota americana no mar Negro (1997). Não podemos deixar de pensar no plano imortal de Parvus em 1915: utilizar o separatismo ucraniano para desmembrar a Rússia. Este retalhamento que faz a alegria do mundo político contemporâneo terá consequências tão dolorosas quanto duráveis sobre o conjunto dos três povos eslavos. Quanto aos bons sentimentos manifestados à Ucrânia por um Ocidente longínquo, muito longínquo, eles derivam de um calculismo táctico e só durarão enquanto forem considerados úteis.
Infelizmente, os nacionalistas da Ucrânia ocidental, cortados durante séculos do resto do país, valeram-se da confusão que reinou em 1991 e da indecisão dos líderes ucranianos, com pressa de se limparem da nódoa vergonhosa do comunismo aderindo às posições anti-russas mais extremistas, para definir os contornos de uma orientação histórica errônea e impô-la à Ucrânia: não se contentando com a independência e o desenvolvimento normal do Estado e da cultura nas suas dimensões étnicas naturais, mas açambarcando mais e mais territórios e populações para fazer figura de "grande potência", talvez até a maior da Europa. E a nova Ucrânia, denunciando toda a herança jurídica soviética, dela apenas recolheu este único presente: as fronteiras artificialmente traçadas por Lenine! (Na época em que Khmelnitski anexou a Ucrânia à Rússia, o seu território representava apenas um quinto do território actual.)
Que Deus ajude a Ucrânia a encontrar o sucesso na via da independência. Mas o erro  que vai pesar no curso das coisas é precisamente este açambarcamento excessivo de terras que nunca haviam pertencido à Ucrânia antes de Lenine: duas regiões do Dom [o Dombass], toda a faixa meridional da Nova Rússia (Melitopol-Kherson-Odessa) e a Crimeia. (Ter aceite este presente de Krushchov revelava já no mínimo má fé, mas a anexação de Sebastopol a despeito de - já não falo dos Russos que aí morreram - documentos jurídicos soviéticos, é pilhagem de Estado).»
     - A. Soljenitsyne, " A Rússia sob a Avalanche" (Cap.12  - A Tragédia eslava)


PS: 
A negritado, como puderam constatar, está o que não pertence à Ucrânia - aquilo que eu chamo a Pseudo-Ucrânia. Exactamente a parte que o justo proprietário veio reclamar. E está a ser benévolo, se se contentar com isso. Porque, de facto, aquilo, historicamente, pertence-lhe tudo (fora a parte mais ocidental, da Galicia e Transcarpatia). O provável resultado da presente operação, será que a Ucrânia acabe reduzida a si própria, caia na real e se deixe de megalomanias furiosas e de arrogâncias e novo-riquismos balofos a armar à super-potência. O povo ucraniano, nas suas múltiplas etnias, línguas, afeições e culturas, é que sofre e morre (e vem sofrendo e morrendo desde 2014)  em impiedoso sacrifício aos delírios esquizoides de meia dúzia de alucinados e ganzados militantes, ainda por cima sob tutela dos interesses da oligarquia global. Da qual cuja tanta, reconheça-se, o Gerontossauro Bidens e os neoconas imarcescíveis constituem apenas mainates de serviço.
Que, entretanto, um mero show de fantoche se tenha transformado no espectáculo de maior sucesso do Ocidente, confesso, ultrapassa todas as minhas capacidades de entendimento. Porém, como a estupidez, sobretudo das massas, é um fenómeno para o qual não se conhecem limites... Mas daí até ao abandono eufórico do próprio instinto de sobrevivência, caramba... Qual caramba: foda-se!...

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem.
A tragédia da Ucrânia é que em Junho de 2022, mesmo que quisessem, não os deixavam fazer a paz.
A oportunidade para ir sangrando lentamente a Rússia é demasiado boa para se desaproveitar, ao que acresce a disponibilidade americana para sacrificar os ucranianos nesse processo. Sai mais barato do que alguma vez imaginaram.
Pelo caminho ainda se vendem uns aviões aos vassalos europeus e se mete a China em sentido, para não ter ideias sobre Taiwan.

Miguel D

dragão disse...

«A oportunidade para ir sangrando lentamente a Rússia»

Eles acreditam nisso. Mas, se calhar, a realidade não é bem essa. O facto é que os Russos estão a aproveitar para rodar e aperfeiçoar as tropas em tempo e ambiente real. E a custo relativamente baixo. Ainda por cima patrocinado e pago pelos putativos sancioneiros ululantes. Em boa verdade, suspeito, estão a preparar-se para a tal Nato. E sem mostrar os principais trunfos. Ou seja, e em resumo, eles estão é a adestrar, refinar e aperfeiçoar os Russos. É mesmo estupidez ribombante, osmótica e compulsiva. Continuam como aquele menino que apenas sabia tocar a canção duma nota só.