Já o escrevi aqui, há um bom par de anos atrás: o prefixo neo (que, em teoria, pretende significar "novo"), na realidade do nosso tempo, e em aplicando-se aos diversos "ismos", traduz, outrossim, "não". Assim, onde se lê neo-liberalismo, neo-conservadorismo, neo-nazismo, deve entender-se não-liberalismo, não-conservadorismo, ou não-nazismo. Este "não" implica mais que um oposto, ou contrário, antes uma falsificação, uma contrafacção, um embuste. Na verdade, aproveita-se uma aparência de para traficar e impingir um conteúdo programático que pouco ou nada tem que ver com a essência original da coisa. Não é difícil perceber isto no caso mais extremo dos exemplos, o neo-conservadorismo, mas mesmo no exemplo neo-nazi, como já aqui postei e elaborei vastamente acerca do assunto, a distância que medeia entre o original e a pseudo-descendência é a mesma que vai do histórico ao carnavalesco. Em síntese, o neo-liberalismo é, propriamente dito, um pseudo-liberalismo, como o neo-conservadorismo é um pseudo-conservadorismo. Ou seja, respectivamente, um falso-liberalismo e um falso-conservadorismo.
Ora, posto isto, se pensarmos na famigerada Escola de Frankfurt, estaremos perante aquilo que, dum modo geral, é muitas vezes definido como o Neo-marxismo. E, da mesma forma que os anteriores, um pseudo-marxismo, propriamente dito. Passo a explicar com detalhe...
Cruzei-me um dia destes com um vídeo onde se pretendia expor em que consistia o "cultural marxism" (o vídeo era anglofónico). Apontava-se a Escola de Frankfurt, e a sua "teoria crítica", como a fonte para esse fétido manancial. De resto, este tipo de alegações e generalizações parece ser numeroso na internet, segundo me pude aperceber. Academicamente, a peça era muito pobre, como frágil é, não raras vezes, a elaboração desses enredos. Os detractores, por isso mesmo, aproveitam, e taxam de "teorias da conspiração" e "anti-semitismo" os teorizadores, e estes, por seu turno, misturam alhos com bugalhos e limitam-se, no melhor dos casos, a alguma verosimilhança do estilo "si non é vero...".
Acontece que, de facto, "cultural marxism" é, com rigor, uma contradição em termos. A cultura não era exactamente o motor da explicação marxista, nem tão pouco o lubrificante da sua engrenagem teórica. Materialismo puro e duro, onde a economia é determinante e a dialéctica história o seu palco, a falta de consideração e respeito por, digamos assim, "questões culturais", consiste até numa das grandes críticas que se lhe pode fazer e, frequentemente, é feita. O marxismo, portanto, é uma coisa e aquela rapaziada (todos ou quase todos da tribo especial, com efeito) da Escola de Frankfurt é outra. Marx, de resto, e convenhamos, ter-se-ia quedado como um quase objecto de fantasia na feira do pensamento sociopolítico, ao estilo dum Fourier ou dum Saint Simon, caso não tivesse aparecido o cavalheiro Lenine e transformasse a receita num prato cozinhado com serviço de balcão e restaurante - entenda-se, um método de conquista do poder. A partir daí, a acção do marxismo no mundo tornou-se efectiva, mas já com um novo élan e embalagem: marxismo-leninismo. Mais que marxistas, todos e quaisquer partidos comunistas são marxistas-leninistas. Ah, sim, mas também há os socialistas e sociais-democratas, mas aí o marxismo ou está na gaveta ou no armário, e se é do marxismo que falamos...
Ora, os pseudo-marxistas da Escola de Frankfurt, é verdade, arrogam-se a críticos tanto do "comunismo/stalinismo", quanto do capitalismo. No primeiro caso, porque depois de Stalin, e duma determinada purga deste, a União Soviética deixou de ser o paraíso na terra; no segundo, por causa, sobretudo, dum determinado conceito: cultura/civilização. E aqui entramos na análise do cromo mais destacado do bando, nesta matéria: Herbert Marcuse.
Marcuse arma, mais até do que ao neo-marxista, ao freudo-marxista. E trata de falsificar ambos. Quer dizer, o mesmo que Marx faz a Hegel, faz o nosso trampolineiro de arribação a Freud e a Marx. É verdade que Marx lança a zaragata na sociedade, Freud introjecta-a no próprio indivíduo e na família, mas ambos, apesar de tudo, apresentam um fim determinado: a cura, da sociedade e do indivíduo. Por mais delirantes que sejam, e são, partem de alguns princípios e alvejam determinados fins. Marcuse nem chega a pensador: mero propagandista, empreende a zaragata perpétua, no indivíduo/família tanto quanto na sociedade - que se converte na mera projecção da esquizoforia (fragmentação imarcescível) do sujeito.
Para aí chegar, o ponto de partida é o conceito de civilização em Freud. Civilização ou cultura, nesta caso, são sinónimos. E Freud sustenta que civilização = repressão. É através da repressão dos instintos e pulsões primordiais, enfim, do inconsciente, que a civilização se vai construindo. É na construção e estabelecimento de tabus e proibições, que o homem deixa de ser canibal, incestuoso, homicida, infanticida, pedófilo, etc. Portanto, os aparelhos de repressão, da consciência moral aos códigos legais, mais respectivos tribunais e polícias, são necessários e constitutivos da civilização. Do mesmo modo, os excessos ou ausências de repressão conduzem à anomalia - psíquica ou social.
Logo a abrir, na sua obra mais conhecida, "Eros e a Civilização", Marcuse diz ao que vai: rever o tal conceito de civilização (cf. S. Freud, "Mal estar na Civilização") que, segundo ele, é o maior ataque, mas, ao mesmo tempo, a maior defesa da civilização europeia - patriarcal e autoritária. Trata-se então de adaptá-lo, retirando-lhe a parte "má", o carácter defensivo. Toda a repressão devém, assim, uma maldade que urge combater. A dialéctica marxista da classe dominada e classe dominante (trabalho/capital) é transposta ad-hoc para a dialéctica princípio do prazer/princípio da realidade, isto é, reprimido/repressor. O "dominado", vítima da repressão, transporta na sua própria consciência as estruturas da repressão aí projectadas pelo repressor. A neo-revolução principia, pois, pela remoção e recusa dessas "estruturas repressivas" na consciência e, a partir daí, na própria sociedade. Não admira então, como a questão da "produção", em Marx, descamba na questão da "sexualidade", em Marcuse. Toda a civilização europeia tem que ser criticada, desmantelada, negada, porque traduz todo um aparelho, percurso e estruturação repressivos. Há uma realidade que inibe, criminosamente, o prazer. Debaixo da calçada, a praia. Mero retrocesso alucinado ao "bom selvagem", de Rousseau? Mais, muito mais: bilhete no TGV para o caos de Hesíodo.
E basicamente é esta a receita ou disvangelho da "nova-esquerda", mais as psicoses, neuroses e paranoias sociais - do estilo LGTBQQIA+&ETC, agendas esverdeadas, ateísmo, retorno ao paraíso perdido da pedofilia + ene diarreias mentais associadas. E tudo isto com carácter de urgência, exigência e perpétua acção. Não é por acaso que, mais uma vez, o trotskismo teve uma descarga preciosa e aromática (tal qual como nos neoconas), só que agora a revolução permanente converte-se na perpétua fragmentação e na zaragata civil sempiterna. Os militantes deram lugar aos activistas - matéria ruidosa animada duma qualquer sobrexcitação neurótica. Um descontentamento, uma insatisfação para a eternidade, algures entre a frigidez incurável e o sadismo altruísta. O ser humano reduzido e confinado à sua dimensão mais estúpida: a adolescência. Entertain us, clama, sombria, a canção dos Nirvana, my libido... A imbecilização/infantilização que já profetizava Nietzsche e que, doravante, em termos freudeanos, se resume a uma cega regressão e feroz cristalização na fase sado-anal da psicogénese. O lema desta romaria em quatro palavras: regressão contra a repressão. Nada é poupado, muito menos a própria linguagem. Pré-história, aí vamos nós!
Depois, a própria constituição de qualquer minoria é, em si, um efeito de iluminação e legitimação automática contra a repressão (a maioria, porque sempre estamos a falar no espaço "ocidental"). Quer dizer, toda a minoria é uma vanguarda e isso confere-lhe um estatuto de prioridade e superioridade (moral, legal, cultural) intrínsecas. E instantâneas. Basta activar a causa e ei-la soberana.
Porém, o mais sinistro e irónico de toda esta cegada é que todos os avatares e horrores da putativa repressão andro-patriarcal, isto é, civilizacional, são assumidos agora pelos bandos e comanditas anti-civilizacionais, só que à avessas e em regime de kit tribal: toda uma nova-censura/polícia/delação/inquisição/legislação/vigilância preside à demolição do abominado edifício. Os novos-revolucionários mais não são que novos-torcionários, novos e exacerbados esbirros que operam auto-investidos das plenipotências do bufo, quadrilheiro e juiz, tudo esprimido e concatenado na mesma circunvolução histérica entre o umbigo e o olho do cu.
PS: Aqui há tempos deitei dinheiro à rua comprando uma porcaria intitulada "Critica da Razão Cínica", dum tal P. Sloterdijk. Consegui ler 130 páginas, o que foi um esforço considerável de estoicismo e parafilia. Uma merda absoluta, a transpirar iluminismo e não sei quê da tal "teoria crítica" como se fosse perfume de passerelle. Jamais me perdoarei pelo esbanjamento. Só para que saibam. Entretanto, uma última nota: onde esta caterva menciona "crítica" entendam "censura". Criticar, para estas comadres, é censurar e nada mais que isso. O maior alvo de todas as críticas é o passado. E os antepassados.
3 comentários:
Marcuse, conhecido funcionário público: https://warontherocks.com/2013/09/marxists-and-the-office-of-strategic-services/
A questão é: foi ele que se infiltrou no OSS/CIA ou foi a CIA que o utilizou (e utiliza) para os seus objectivos?
Miguel D
Essa questão tem a maior pertinência. Lá iremos. Isto tem que se descascar como as cebolas... :O)
Os progressistas e liberais andam mais perdidos que uma barata tonta.
Foram todos ultrapassados e atropelados pela história.
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