«Ainda se o liberalismo compensasse o ser anti-egoístico com o ser, de qualquer forma, um aspecto de sentimento patriótico; se, por exemplo, a teoria liberal tivesse por base o ser aplicada só a determinada nação - a dos seus teóricos - com o fim, absurdo mas explicável, de dar a essa nação a superioridade, pelo "gozo da liberdade", sobre todas as outras, até certo ponto, talvez o liberalismo, equilibrasse o mal que lhe advém da outra parte da sua tese. Mas se há traço característico do liberalismo é o de ser extensivo a toda a humanidade, de ser uma panaceia universal. E assim, nem esta defesa, absurda que fosse, lhe resta.
O assunto comportaria, a não ter que limitar-se, uma série muito mais extensa de considerações, entre as quais a menos interessante não seria, por certo, a demonstração de que um povo são é espontaneamente aristocratista ou monárquico; de que nunca um povo foi liberal ou democrático; de que nunca um povo defendeu, de seu, senão os seus egoísmos, indivíduo a indivíduo, e a sua pátria, colectivamente; que nunca, nunca, excepto por doença da sociabilidade, ou perversão da decadência, os seus "direitos", as suas "justiças" foram assunto por que um homem do povo desse o esforço de se levantar de um banco ou de tirar as mãos das algibeiras.
Deixemos , porém, o assunto, e esses "direitos" e "justiças" aos que forçaram o comércio do ópio sobre os chineses, estrangularam as crianças irlandesas com os cabelos maternos, e deixaram morrer as mulheres boers nos campos de concentração do Transvaal.»
- Fernando Pessoa, "Páginas de Sociologia Política"
Sem comentários:
Enviar um comentário