«O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.
O sindroma provinciano compreende, pelo menos, três sindromas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grande meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a inacapacidade de ironia. (...)
É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental. Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redacções, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. (...)
O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queirós. É o exemplo mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos) em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também pela inconsciência dela. Neste capítulo, a "relíquia", Paio Pires a falar francês, é um capítulo dolorosos. As próprias páginas sobre Pacheco, quase civilizadas, são estragadas por vários lapsos verbais, quebradores da imperturbabilidade que a ironia exige, e arruinadas por inteiro na introdução do desgraçado episódio da viúva de Pacheco. Compare-se Eça de Queirós, não direi já com Swift, mas, por exemplo, com Anatole France. Ver-se-á a diferença entre um jornalista, embora brilhante, de província, e um verdadeiro, se bem que limitado, artista.
O sindroma provinciano compreende, pelo menos, três sindromas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grande meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a inacapacidade de ironia. (...)
É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental. Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redacções, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. (...)
O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queirós. É o exemplo mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos) em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também pela inconsciência dela. Neste capítulo, a "relíquia", Paio Pires a falar francês, é um capítulo dolorosos. As próprias páginas sobre Pacheco, quase civilizadas, são estragadas por vários lapsos verbais, quebradores da imperturbabilidade que a ironia exige, e arruinadas por inteiro na introdução do desgraçado episódio da viúva de Pacheco. Compare-se Eça de Queirós, não direi já com Swift, mas, por exemplo, com Anatole France. Ver-se-á a diferença entre um jornalista, embora brilhante, de província, e um verdadeiro, se bem que limitado, artista.
Para o provincianismo há só uma terapêutica: é o saber que ele existe. O provincianismo vive da inconsciência; de nos supormos civilizados quando o não somos, de nos supormos civilizados precisamente pelas qualidades por que o não somos. O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando um doido sabe que está doido, já não está doido.»
- Fernando Pessoa, "O provincianismo Português"Testemunhasse Pessoa esta nossa actualidade asnopédica e constataria, com alguma amargura por certo, que não só não melhorámos da doença, como a síndrome degenerou num palindroma particularmente virulento: mais até que a província dum qualquer império, o lugar, a chicote da chusma que o infesta, regrediu a colónia duma qualquer metrópole. Vire-se do direito para o avesso, de cima para baixo, da direita para a esquerda, ou vice-versa para qualquer uma dessas modalidades, o resultado é exactamente o mesmo: uma horda de pato-bravos, em acto ou potência, em cirurgia plástica ou lista de espera, sociais e mentais, entusiasmadíssimos com a sua própria dependência, viciação e imbecilidade redentora. O único debate visível e particularmente assanhado prende-se com a escolha da trela, arreio, sela e cabresto que melhor lhes fica. Qual dos patronos confere melhores condições aos seus lacaios. Raça de sabujos cujo maior sonho, doravante, é ser novo-cafre das europas ou das américas, porque entretanto as rússias deixaram de aceitar inscrições e as chinas estão ainda a ultimar os critérios de matrícula.
É toda uma massa amorfa, caótica, adesiva, em efervescência ruidosa, a clamar por molde e olaria. Já não portugueses e sem resquício de vértebra, valor ou dignidade para americanos ou europeus, não excedem o saloio beberolas, atrelado a uma pança tirana ou levado de rojo por um umbigo despótico, vomitando o passado na sargeta para dar lugar à zurrapa -mixórdia de futuro canoro de eleição - que, em turismo alcoólico, bufarinhou num qualquer caixote do lixo das estranjas.
Desde o "orgulhosamente sós", conseguiram rastejar intrepidamente para um degrau mais abaixo: "Orgulhosamente totós". É daí que clamam, em mescla de fado vadio com SOS de Titanic a afundar-se, o seu novo slogan auto-estimulante: "Alguém que venha tomar conta de nós!"
Serem uma província de Espanha já não lhes basta, nem preenche as fantasias. Agora só mesmo uma colónia. Se possível, de férias.
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