Afinal, o Caguinchas desembezerrou mais depressa do que eu pensava. Bastou eu soltar um brado, de incontido nojo, "Mas que filho da puta este!...", para o Caguinchas, cheio de curiosidade, se aproximar todo interessado e solícito. "Quem?...Quem é o cabrão?...", sondou-me, que nem inspector da judite à cata de negócio obscuro.
É preciso referir que, em questões de filha da putice, o Caguinchas, além de erudito, é um investigador nato, um pesquisador digno duma "National Geografic". O bicho filho-da-puta para ele não tem segredos: conhece-lhe o habitat, o regime alimentar, os ciclos predadores, as épocas de cio e acasalamento, as moléstias como ninguém. O facto de ultimamente se andar a interessar pelos extraterrestres não leva a que descure a sua especialidade, o mister em que é perito. Além disso, segundo ele, há claros indícios de parentesco entre o extraterrestre e o filho da puta. Argumenta mesmo que, em sua douta opinião, a filha-da-putice é exógena ao nosso planeta, fruto de inseminações alienígenas e incubamentos escabrosos. Di-lo por outros termos, muito mais técnicos e sucolentos, mas vai dar ao mesmo.
Por conseguinte, se era um filho da puta que me apoquentava, ninguém melhor que ele para passar o certificado ou proceder ao despiste.
Ora, o facto é que eu, entre dois trotis, recapitulando mentalmente um artigo do Luís Intestino Delgado no "Diário Digital", não tinha conseguido conter o desabafo e largara a bojarda com aquela espontaneidade toda.
Qualquer artigo do ilustre croniqueiro serve para o efeito; é irrelevante a data ou o assunto. A criatura tem um dom. Pode mesmo submeter-se o cidadão racional ao teste dos olhos vendados e ler-lhe, ao calhas, passagens disto ou daquilo à mistura com trechos do Delgado, que o resultado será sempre garantido e invariável: ao escutar a prosa delgadiana, o testado não se conterá e exclamará "mas que filho da puta!"...É irresistível; um verdadeiro reflexo condicionado, garanto-vos. Senão acreditam, experimentem.
Entretanto, não adiantava explicar ao Caguinchas quem era o Luís Intestino Delgado: ele só lê jornais desportivos e a necrologia dos restantes. Referir-lho, pois, pelos locais de frequência de pouco serviria. Ora, o Caguinchas, estava a ficar frenético e cada vez mais impaciente para peritar a alimária em questão. E, para estabelecer um diagnóstico definitivo, precisava, no mínimo, de sintomas, dum historial clínico, ainda que breve e grosseiro. "Desembucha, foda-se!", invectivava-me ele.
Muni-me de toda a objectividade e imparcialidade de que era capaz e forneci-lhe alguns dados: de como o asno em questão primava pela sabujice, a pedantinácia, o frete pago; de como escrevia a cagar postas e sentenças; de como louvaminhava e tecia hossanas à lei da selva; de como guinchava à moda dos babuínos em defesa do indefensável; apanhei mesmo um Diário de Notícias já caducado e li-lhe parte dum artigo de opinião do Delgado.
O Caguinchas escutou tudo com a máxima atenção e os luzentes a transbordar de inteligência. Via-se claramente que não perdia pitada. Por fim, ainda eu não tinha poisado o jornal no tampo da mesa, e vai ele exclamou:
-"Empresta aí!... -E quase me arrancou literalmente o matutino das mãos.
Pôs-se, então, de olhos bem assestados, a mirar o artigo. "Mas que raio, pensei eu, não me digam que este gajo se pôs a ler aquela merda!"... Mas, na verdade, o que o Caguinchas estava a perscutar era a fronha do Delgado, em fotografia apensa ao artigo. Gastou pr'aí 15 segundos na fronhoscopia, 2 ou três "hums" e desarrincou-se com o seguinte:
- "Ya, é um filho da puta encartado e escarrado, podes ter a certeza!..."
- "Bem, sérias supeitas, tenho. - Ripostei. - Agora a certeza, só Deus!..."
- "Deus e a matemática! - Alembrou-se o Caguinchas, por via duma certa discussão metafísica que em tempos me ouvira contra o Dinossauro. - Porque, é tão certo ser filho da puta como 2+2=4!...E por duas razões óbvias..."
- "Que são..." - Agora era eu que estava curioso.
- " A primeira, de ordem fisiocoisa - decretou -: porque tem a filha-da-putice estampada e carimbada nas fussas!..."
- "E a segunda?"
- "A segunda é de ordem funcional: Porque só escreve bosta, e ainda lhe pagam para isso!" - Retumbou, o Caguinchas, que nem professor doutor da Sorbonne, lauredao e jubilado.
Este Caguinchas, às vezes, é um Aristóteles.
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