Cada bando, entre frenético alarido e sórdida peixeirada dos respectivos sócios, accionistas, crentes, acólitos, apaniguados e papagaios de serviço, arvora a sua legitimidade exclusiva na formação do desgoverno. Não se vislumbra motivo para tamanha algazarra. Sosseguem, estão todos, natural e profissionalmente, habilitados ao lúgubre empreendimento. Continuo a achar que deviam até tirar pastas à sorte: todos no palramento e todos no desgoverno, passe a redundância. Querelavam na Assembleia e querelavam no Conselho de Ministros. O resultado prático era o mesmo, mas, ao menos, sempre conferiam um pitoresco acrescido à coisa. E além dum vice-primeiro-ministro, essa figura tão emblemática do nosso avanço politico-civilizacional (ao nível das Angolas democráticas e outras cafreopolis iluminadas), usufruíamos, por exemplo (e em barda) dum segundo-primeiro-ministro. dum semi-primeiro-ministro, dum terceiro-primeiro-mistro e por aí fora, de acordo ao número de partidos amesentados. Sempre era um carnaval mais completo e divertido. Vou mais longe: é um escândalo de ilegitimidade que assim não se proceda! Pois se das eleições para a Assembleia legislativa, vulgo Palramento, se deduz o governo, então que se deduza sem mutilações nem apartheids capciosos, os quais, reconheça-se, em nada abonam do espírito democrático dos meliantes eleiçoados. Nunca ouvi ninguém apontar o óbvio ululante, o paquiderme no meio da sala: que o mais lídimo e pulcro dos fundamentos do chilreante "estado de direito" reside na separação entre o poder legislativo e o poder executivo. Desde Locke que é esse o mandamento-mor, a pedra de toque para todo o esquema. Os nossos adoradores de Locke, ultimamente convertidos à gamela PaF (Pá Frentex, neo-puggessistas unidos vencerão), pelos vistos, nunca o leram, ou leram mas devoraram queijos de empreitada entretanto. Ora, o que se tem visto e a que se assiste sobretudo com maiorias roncantes no Palramento é ditaduras quadrienais em forma de sobado ou caciquerie. Um chefe de bando abocanha o poder e desgoverna e legisla sem qualquer freio, tino, nem escrutínio efectivo. Quer dizer, numa esplendorosa distributividade, o símio toma de assalto o partido, o partido toma de assalto o Estado, logo o símio toma posse do Estado. E eis um Couteiro-Mor entronizado, à boa maneira da alegoria Jüngeriana. O Cavaquistão e a Socratilândia foram exemplos refinados disso mesmo. O ditador partidário exerce a sua preclara tirania sobre ministros, secretários e deputados - a assembleia legislativa funciona como espécie de copa e sanitário do executivo. A este despotismo promíscuo e javardolas, toda a gente - de escrevinhadores de saguão a opinadeiros de gaiola - chama e classifica de "estabilidade".
Quando eu digo e proclamo, sem cansaço, que tudo isto clama, não por um qualquer D.Sebastião, mas por vassoura e barrela exemplares, de alto a baixo. todos me tomam por insensato e irrealista. Mais: perigoso conspirador. Se pensarmos que são os mesmos que tomam a mais reles, toina, sonsa e beata ditadura por democracia, acabo laureado, ovacionado e levado em ombros.
4 comentários:
Não sei se umas barrelas e vassouradas, resolviam as questões.
Existem muitas paredes vazias, era um aviso á navegação.
sim , também me parece que pintar as paredes à Goya não era má ideia .
Confesso que não devo ter percebido esta. Deviam ter lido/seguido Hume (ou Montesquieu, "whatever"), para saberem fabricar melhor o consentimento dos governados, resolvendo os conflitos entre senadores com um poder judicial independente, e assim aperfeiçoando a democracia?
Isso lembra-me vagamente qualquer coisa que fazem em qualquer lado, aparentemente com grande sucesso para os donos do estabelecimento, mas não me estou a lembrar de precisamente onde.
(PDI.)
Euro,
isto, afinal, não é mais que a explanação da frase do Cioran: "todo o democrata é um tirano de opeeta".
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