terça-feira, outubro 06, 2015

Para eu não ter que me repetir


 (de 2011)

Como eu aqui venho expondo, plácida e baldadamente, ao longo dos anos, Portugal tem estado sem governo nos últimos decénios. Isto não significa nenhum atestado de excelência àquele conjunto de pessoas que governava o país antes do 25 de Abril. Significa apenas que aqueles que faziam oposição ao regime, a partir de 1974, transferiram-se para a Oposição ao país. Isto é, depois de derrubarem o regime, aproveitaram a embalagem, e trataram de derrubar o país. Era o que sabiam fazer: oposição. Foi o que continuaram a fazer, afincada e fervorosamente. Desbancado o governo que não permitia oposição, a oposição, ressacada e recalcada de mais de meio século de jejum, tratou de engendrar e instalar um regime de absoluta ausência de governo. De exclusiva e furiosa oposição. Onde as várias oposições respiram e acordam todas as manhãs para se oporem - umas às outras, por principio, e todas juntas ao país, por fim. Bem como a qualquer hipótese, ainda que remota e fantástica, de governo. No mínimo, depreende-se da dinâmica intrínseca desta gente, para compensar de cinquenta anos sem oposição, o país deverá penar cem anos sem governo.

Do mesmo modo, assim como a última forma de governo que o país experimentou se pautava por uma autocracia, esta substituta forma de desgoverno rege-se por uma heterocracia. Significa isto que assim como antes a responsabilidade pelo governo era dum só, agora essa mesma responsabilidade é de vários, terceiros, incertos, ou seja, dos outros, sempre os outros. Cada Oposição ao País (vulgo Desgoverno eleito) descarta-se e limpa-se, assim, na oposição precedente, o que esta, por seu turno, uma vez alcandorada ao poleiro, tratará de imitar na perfeição. Resulta disto que, distribuída a responsabilidade por terceiros, a responsabilidade acaba por nunca ser de ninguém. É claro que, como no momento actual, a Oposição-ao-País culpa a Oposição-ao-Governo e a Oposição-ao-Governo culpa a Oposição-ao-País, mas, daqui a dois meses lá vai tudo a eleicinhas e tudo decorrerá, então, na santa paz dos enterros, como se nada de (anor)mal tivesse acontecido. Até porque, como todos sabemos, não aconteceu. No fundo a Oposição fez o que sabia, lhe competia e em que está viciada: opôs-se. A tudo o que mexia ou tentava mexer-se ( a não ser, honra lhes seja feita, esses excepcionais que se puseram a mexer daqui para fora). No restante, cumpre-se a sina e o fado inerentes a um regime de alterne e alternadeiras, cuja única séria e genuína alternativa, enquanto não chega a vassoura da história, é, por alturas da pífia e manhosa urnoscopia, pura e simplesmente, nem meter lá os pés. Nenhum indivíduo está em condições de amar a pátria, se antes disso não começar por desenvolver amor pelas suas próprias vértebras.

(de 2009)

Logo a seguir a Abril de 1974, tentaram sujeitar o país ao "Partido Único". Trinta e quatro anos depois, transpostas inúmeras e caricatas peripécias que seria agora fastidioso enumerar, alcançaram-no. Acordámos, um belo dia, não direi súbita porque lenta e merecidamente, subjugados sob a patorra duma seita cleptocrata única. Uma hidra de duas cabeças, qual delas a mais vácua, formada, via alporquia de cortelho, por um Governo que desgoverna e uma Oposição que promove. Ou seja, um governo que faz oposição ao país e uma oposição que faz promoção ao governo.
Isto já não vai a lado nenhum, muito menos a eleições dignas desse nome. O povo não tem por onde escolher, apenas ratifica. E o regime já nem é de república nem de monarquia: é de procissão.

3 comentários:

Euro2cent disse...

> pautava por uma autocracia, esta substituta forma de desgoverno rege-se por uma heterocracia. [...] ou seja, dos outros, sempre os outros.

Bem metida.

"Si non é vero, é bene trovato", ou seja lá o que for que dizem os albaneses.

(34 anos? o que é que aconteceu em 2008 que tornou a marosca óbvia?)

Anónimo disse...

é óbvia a falta de esperança numa melhoria a curto prazo ou médio prazo. Por isso, pergunto: porque se preocupa tanto?

Tiago

muja disse...

«Por que me interesso eu pela dignidade nacional? A resposta é simplicíssima: interesso-me porque me interesso.

Porque creio que não é vergonha ser fraco, mas o é não querer ser forte.»


D. Pedro V