terça-feira, outubro 13, 2015

O Regime da Decadência

 

«Fingindo dar lições aos reis, deu-as ele, e grandes, aos povos. O Príncipe de Maquiavel  é o livro dos republicanos»
- J.J. Rousseau, in "O Contrato Social"

Absolutamente de acordo. Na mosca!

«Um defeito essencial e inevitável, que sempre porá o governo monárquico abaixo do republicano, está em que, neste último, a voz pública quase nunca eleva aos primeiros postos homens que não sejam esclarecidos e capazes e não os ocupem com dignidade; ao passo que, nas monarquias os que se elevam são, as mais das vezes, pequenos rixentos, pequenos velhacos, pequenos intrigantes, cujos pequenos engenhos, que permitem, nas cortes, alcançar os grandes postos, só lhes servem para demonstrar ao público o quanto são ineptos, tão logo aí consigam chegar. No tocante a essa escolha, o povo  engana-se bem menos que o príncipe, de sorte que é quase tão raro encontrar um homem de real mérito no ministério quanto um tolo à frente de um governo republicano.»

Agora peguem nesta última digressão, do mesmo Rousseau, no sobredito Contrato Social, e confrontem-na com a nossa realidade republicana - tanto na primeira República quanto na actual "Democracia" (ambas, na terminologia de Pessoa, que testemunhou a primeira e corroborado por mim , que assisto à segunda,  puras oligarquias de bestas). è mais que evidente que a descrição de Rousseau reflecte o contrário da realidade (a quantidade de medíocres numa corte é menor que numa república, pura e simplesmente, porque a  quantidade de comensais é necessariamente e avultadamente menor. Ou seja, só há  um Rei e respectiva corte, e não uma miríade de monarcúnculos rastejantes, cada qual com a sua corte, estrebaria e micro séquito de sabujos, histriões e trampolineiros de serviço e atalaia. A regra verificada à exaustão é que a república não é um repositório de virtudes raras na monarquia, mas, outrossim, um vasadouro  amplificado e multiplicado dos vícios inerentes às monarquias na decadência. Ou não constituíssem essas repúblicas a mera promoção e autonomização dos principais agentes patogéneos, oportunistas e comsumptivos da decadência monárquica. Alcança-se então a célebre fórmula de Lampedusa: "É preciso que tudo mude, para que tudo fique na mesa". Ou seja, não se trata de refundação alguma dum novo regime depurado, mas apenas da prossecução desembaraçada não já da monarquia, mas tão sòmente da decadência descoroada desta.

Já agora, a grande diferença entre o Estado Novo e a Primeira República não está no nível de repressão, censura ou arbitrariedade que palpitasse superiormente no primeiro. Mas apenas que Salazar governou mais à maneira duma monarquia do que duma república - agindo suprapartidáriamente e não permitindo a proliferação das facções à mesa do erário. Não acabou com a corrupção nem com o parasitismo, apenas os reduziu a níveis aceitáveis e inócuos para a nação. Mesmo a zaragata civil, endémica entre nós, conseguiu amortecê-la a uma mera latência. Quando alguns apelidam de "salazarquia" o consulado de Salazar não estão a faltar completamente à verdade. Uma nação saudável nem é um parque natural de puros anjos, nem um recreio infantil de autómatos ultrapasteurizados: é simplesmente um espaço onde o vício, a anomia, a amnésia e o suicídio colectivo não predominam. Onde não ascendem de  residual a triunfal. Como qualquer patogenia num organismo cujo sistema imunitário entre em colapso.

Entretanto, o que transportou Rousseau àquela enviesada definição não foi qualquer observação lúcida e, ainda menos, imparcial da realidade. Bem pelo contrário, foi o refinado espírito de vingança para com uma sociedade e um  regime que o preteriu a Voltaire. "Não me dão colo, vingar-me-ei!". Há sempre um rancor despeitado por detrás da terapia furiosa dos grandes cauterizadores da humanidade.

14 comentários:

Ricciardi disse...

Sim, saiu-nos na rifa um homem equilibrado. Salazar.
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O problema do salazarquismo é que não produz mais salazares e, portanto, não é um sistema. É um fenómeno.
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Rb

Ricciardi disse...

O problema do salazarquismo, tal como pinochezismo, mussolinismo etc, é simples: produz anticorpos.
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E porque é q produz anticorpos? Perguntam v.exas.
- porque não é natural. É imposto. Im-posto.
.
Rb

Ricciardi disse...

É a diferença entre um chefe e um líder numa organização.
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A falta de ritualismo também não é coisa desprezível. A monarquia é ritualista. Segue regras, etiquetas e salamaleques. Coisa indispensável para qualquer organização de sucesso.
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Rb

marina disse...

Maquiavel escreveu " o Príncipe " para uma situação caótica , só um príncipe , com poder total e agindo como ele aconselhava poderia impor novamente a ordem ; escreveu os " discorsi" para depois da ordem chegarmos outra vez ao caos :)
e lá andamos nós , numa roda viva , ordem desordem ordem desordem ..

Salazar era um príncipe maquiavélico , no bom sentido . até na sua vida meio espartana , exemplo de contenção , ele era maquiavélico.

coitado do Maquiavel , feito demónio , quando não era nada disso :)

marina disse...

digamos que Maquiavel não viveu tempo suficiente para perceber que a virtù dos homens que ele tanto preza e que era essencial na sua república dos discorsi era ( tornou-se ? ) completamente utópica.

dragão disse...

Caríssima Marina,

penso que sabe que eu preferia cortar os pulsos a discordar de si. Devo mesmo confessar que a devoção que lhe tenho já raia a idolatria. Por conseguinte, qualquer coisa que eu apresente fora das suas sábias palavras serve apenas para montra penitente dos meus erros, equívocos e tendência unilateral para a extravagância.
Eis alguns deles, bem repolhudos, por sinal:
- O maquiavelismo de Salazar (bela questão para animado debate)... a questão moral. Foi amoral o consulado de Salazar (DEus, Pátria, Família, como é que encaixam no maquiavelismo de Salazar)?
Se tiver a gentileza de perpassar os seus belos olhos por isto
http://dragoscopio.blogspot.pt/2008/07/quem-possa-interessar.html
talvez perceba melhor a contumácia e a grosseria dos meus erros.
Outra questão interessante: era mais Aristotélico ou Maquiavélico o realismo de Salazar? (no Aristotélico está contido o S.Tomás naturalmente)
Não estarei em erro seguramente se concordar que houve "maquiavelismo" de baixa intensidade nas meras manobras da corte. Mas isso é o que todos os cortesãos merecem. Todavia, o homem baseou toda a sua política de estado em princípios de que não abdicava...

Anónimo disse...

Patético.

marina disse...

bem , la por maquiavel aconselhar o principe umas vezes a agir como raposa e outras como leao nao o transforma em amoral . ele refere alias , muitas vezes Deus .
assim em diagonal .

capitulos mais significativos : o IX , do consulado civil , o XV , da razao pelas quais os homens e sobretudo os principes sao louvados ou vituperados , o XIX , de como deve evitar ser desprezado ou odiado , o XXI , o que deve um principe realizar para ser estimado , o XXVI , exortaçao ao principe para livrar Italia das maos dos barbaros.

tambem aquele em que ensina a escoher ministros :" E como existem três tipos de cabeça - uma, que entende por si mesma as coisas,
outra que sabe discernir o que os outros entendem e, por fim, uma que nem por si entende
nem sabe ajuizar o trabalho dos outros (a primeira é excelente. a segunda muito boa e a
terceira ínútil) -" :)

Quanto a Deus Patria Familia , assim a pressa :

"Deve o
príncipe, contudo ter muito cuidado em não deixar escapar de seus lábios expressões que não
revelem as cinco qualidades antes apontadas, devendo aparentar, à vista e ao ouvido ser todo
piedade, fé, integridade, humanidade, religião. Nenhuma qualidade há da qual m

marina disse...

outras passagens :

Assim sendo, deve um príncipe gastar pouco para não se ver obrigado a roubar os seus
súditos; para poder defender-se; para não se tornar pobre, fazendo-se digno de desprezo; para
não se ver obrigado à rapacidade; e pouco cuidado lhe dê a pecha de miserável; porque esse é
um dos defeitos que lhe dão possibilidade de bem reinar. E se alguém afirmar que César
ascendeu ao império pela sua liberalidade e m

marina disse...

, e sempre que agir assim, cumprirá seu dever e não achará
nenhum perigo nos outros defeitos. O que o torna sobretudo odioso, como acima disse, é o ser
rapace e usurpador dos bens e das mulheres de seus súditos. Não se tirando aos homens bens e
honras, vivem satisfeitos e apenas se deverá dar combate à ambição de poucos, que pode ser
sofreada de muitos modos e facilmente. Torna-o desprezível o ser tido como volúvel, leviano,
efeminado, covarde, irresoluto. E tais

marina disse...

e Anonimo , se bem entendi o patetico , nao seja ciumento : o Dragao esta na brincadeira , ter sentido de humor e importante :)

dragão disse...

leio e aprendo.

bem haja! Poondero tornar-me maquiavélico o quanto antes!... :O)

E desconfio que é anónima, o anónimo, quer dizer, a criatura. .O)

dragão disse...

Também gosto muito daquela passagem em que o Nicolau recomenda ao príncipe pérfido, quando se apodera dum país, que pratique todas as coisas cruéis e desagradáveis (uns massacrezitos, se necessário) logo de imediato e com a brevidade possível. Já estes nossos ocupantes batráquios, digo democráticos, nem essa decência elementar preservam. Que me lembre a ocupação, e a crise, já dura há quarenta e tal anos. Estão sempre o ocupar, desocupar e reocupar. Nem coiso nem quitam de cima. Duma vez por todas, entenda-se.

muja disse...

Ó machambas, "esqueceste-te" do nazismo. Esse também foi im-posto?

E por falar nisso, deixo uma piquena curiosidade:

http://codohfounder.com/the-struggle-against-vivisection/

Leiam que vale a pena.

Quem não tiver nada que fazer no fim de semana é metê-la no livro das fuças do Pã, e observar aahaha!