domingo, março 01, 2015

Voando Sobre um Ninho de Cucos - 1. A Boa Nova

  Advogado e jornalista, produto da Viena fim de século, Theodor Hertzl foi o fundador do movimento sionista. No seu "Mille Ans de Bonheur", Delumeau refere-o como um dos episódios do "Futuro Radioso prometido pelas Utopias do século XIX". Por seu turno, Zeev Sternell integra-o nos "políticos de massas da Viena Finissecular" e assinala, sintomaticamente, que "o seu êxito junto das massas judaicas do Leste (Ostjuden) representou um "feito dramático" que não deixava de estar relacionado com a sua intuição, embora profundamente vienense, para o teatro, para a importância dos mitos, dos símbolos e dos signos, que moldam inconsconcientemente a vida dos indivíduuos e das nações". Mais adiante, a tudo isto chamar-se-á propaganda.
O texto que se segue é retirado da obra de Delumeau, e intitula-se: "Os Macabeus vão Ressuscitar".

«Antigamente era impensável alimentar a ideia de um tal projecto, mas hoje nada se lhe opõe. O que há cem ou mesmo cinquenta anos teria sido uma utopia pode hoje ser encarado numa outra perspectiva. Os ricos, que se gabam de emitirem com tanta perspicácia opiniões particularmente preciosas sobre as novas descobertas da ciência, não ignoram as mil e uma coisas que podem fazer-se com o dinheiro. Mas, na verdade, as coisas passar-se-ão deste modo - serão precisamente os pobres e os simples que ignoram ainda o poder que o homem exerce já sobre as forças da Natureza aqueles que, por ainda não terem perdido a esperança na Terra prometida, mais profundamente acreditarão na nova mensagem.
Ei-la Judeus, essa Terra prometida! nada de histórias, nada de trapaças! cada um poderá convencer-se a si próprio porque ao ir para lá cada um levará consigo um fragmento da Terra prometida - este levá-lo-á na cabeça, outro, nos braços, outro ainda, nos seus haveres.
A realização deste empreendimento poderá parecer-nos agora como ainda muito distante. Mesmo na hipótese mais favorável, o nascimento da fundação do Estado poderá levar muitíssimos anos. E durante esse tempo os Judeus continuarão a ser gozados, batidos, pilhados e desancados por toda a parte. Bastará que lancemos mãos à obra para que o anti-semitismo cesse imediatamente. Concluiremos, com esse gesto, um tratado de paz com o mundo.
A notícia da fundação da "Jewish Company", logo que seja um facto consumado, será imediatamente difundida pelas faíscas dos nossos fios eléctricos até aos pontos mais recuados da Terra.
E sentiremos nesse instante um alívio de felicidade.
A nossa burguesia produz um número demasiado elevado de intelectuais de cultura média; a organização inicial do nosso movimento no novo país absorverá imediatamente esses valores que formarão os nossos primeiros engenheiros, oficiais, professores, empregados, advogados, médicos. Rezar-se~´a nos templos pelo êxito da nossa obra; e também nas igrejas! E chegaremos ao fim de uma longa era de opressão que tanto nos fez sofrer.
mas, antes de mais, é necessário que se faça luz nos nossos espíritos. Será preciso que o nosso ideal possa voar até aos últimos casebres onde habitam os nossos; o nosso ideal despertá-los-á dos seus devaneios confusos. Porque para todos nós vai começar uma vida nova, portadora de novos destinos. Bastará que cada um pense em si próprio para que a corrente se amplifique.
Eis porque acredito que uma nova geração de judeus admiráveis surgirá da terra. Os Macabeus vão ressuscitar.
Volto a dizer agora o que já disse no princípio deste livro - os Judesu que quiserem terão o seu estado.
O mundo será libertado pela nossa liberdade, enriquecido com as nossas riquezas, engrandecido com a nossa grandeza.
E tudo o que tentarmos na nova terra, tendo em vista a nossa própria prosperidade, terá, fora dela, um efeito poderoso e benéfico sobre a prosperidade de todos os homens.»

- Theodor Hertzl, "L'État Juif"




Há uma contradição grosseira no texto em epígrafe. Num primeiro passo, Hertzl afirma. «e durante esse tempo os Judeus continuarão a ser gozados, batidos, pilhados e desancados por toda a parte.»; mas logo a seguir atesta: "A nossa burguesia produz um número demasiado elevado de intelectuais de cultura média". Quer dizer que enquanto andam a ser brutalizados omni-sítio, os judeus vão, ao mesmo tempo, desfrutando de universidades e formação académica superior, e ascendendo na sociedade em consequência?
Freud, por exemplo,é contemporãneo de Hertzl, em Viena, e nunca o vimos queixar-se de que lhe andavam a bater. Poderia citar aqui inúmeras figuras de relevo, de origem judaica, das quais poderíamos constatar o mesmo. A quem se dirige então Hertzl (até porque Freud sempre o olhou com desconfiança, alistando-o naquilo que denominou como "psicopatologia das massas")? Pois dirige-se às grandes massas de deserdados e pobres judeus, como Marx se dirige aos "proletários de todo o mundo". E é claro no seu projecto: é com eles que conta para o corpus principal do garande empreendimento. Um estado precisa duma população. Só que ao contrário de Marx, que preconiza um paraíso universal, para toda a humanidade, Hertz proclama a urgência dum paraíso meramente tribal - a "Terra Prometida" dos Hebreus, agora ainda mais restrito aos especificamente "judeus". (Dos problemas resultantes desta "especificidade" falaremos num futuro postal).
Aliás, não é por acaso que o anti-semitismo, o anti-semitismo à séria e não este de contrafacção do nosso tempo, eclode com especial vigor no século XIX, na Europa Central. Porque a ascensão judaica na sociedade começou a ser interpretada, muito por via duma ostentação novo-rica e parvenu, como ameaçadora e conspirativa. Todavia, o mesmo problema que ocupava os anti-semitas, preenchia também os sionistas: a assimilação, isto é, a diluição dos judeus no mosaico étnico da Europa. Os judeus estavam a integrar-se e isso tornava-se inadmissível para ambos. Para uns, significava a contaminação da raça ariana, a infestação das suas instituições públicas, o prejuízo económico dos europeus; para outros o desaparecimento do povo judaico e o fracasso do seu projecto político migratório. Só que, naturalmente, não eram todos os judeus que estavam a integrar-se, eram substancialmente os bem sucedidos, as elites tecno-culturais - a classe média/superior enfim ( e nos países mais industrializados). Sobravam, em maioria, as classes baixas e destituídas (sobretudo a Leste) . E é sobre estas que quer anti-semitas, quer sionistas, vão incidir sobremaneira o seu proselitismo. Aqueles sobre as "arianas"; estes sobre as "semitas". 
Posteriormente, entre as duas utopias concorrentes, o Marxismo e o Sionismo, acontecerá muitas vezes que quadros judaicos da primeira acabem por migrar para a segunda. O primeiro grande caso típico acontece na União Soviética, na ressaca da depuração stalinista; um segundo caso decorre nos Estados Unidos, no pós-guerra, quando de ex-trotskistas se enforma a primeira fornada dos ideólogos neoconservadores. Convém, de resto, ter bem presente que a fundação do Estado de Israel teve o apoio principal da União Soviética. Que foi sucedida nessa função, mais adiante, pela França, dando esta, por sua vez, lugar protector aos Estados Unidos.

De todos os nacionalismos  e projectos utópicos nascidos do século XIX, o sionismo é, simultaneamente, o mais antigo e o único que permanece activo e extremamente agressivo nos dias que correm. 

17 comentários:

zazie disse...

Excelente, Dragão. Continua que ninguém se atreve a falar disto.

Ricciardi disse...

"Há uma contradição grosseira no texto em epígrafe"
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Não vejo contradição alguma. O q é q o facto real dos judeus serem gozados, ofendidos e perseguidos contradiz q de entre eles se produzam bons pensadores, matemáticos e comerciantes?
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Nada. Obviamente.
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Faço uma sugestão. Que analise os fundamentos do sionismo (regresso de um povo à terra q historicamente lhe pertencia) seja feita por contraste ou semilutude de outros movimentos q deram origem ao reestabelecimento da nação perdida. Por exemplo em portugal e a reconquista aos mouros 6 sec depois do dominio. Em Espanha. Nos eua etc etc etc
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Além disso nas terras de israel nunca foi estabelecido país algum. Foi dominado pelos turcos, mas perdido na grande guerra.
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Acresce ainda outra evidencia de q não ha contradição alguma com o facto de os judeus terem sido perseguidos e dizimados pelos nazis, facto q só veio comprovar a extrema necessidade de regresso à terra q sempre foi e nunca deixou de ser.
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Rb

zazie disse...

ehehehe

A Reconquista começou 10 anos depois; não foi mais de um milénio depois de ocuparem territórios

Ninguém anda a ocupar países milénios depois

":O))))))))

zazie disse...

A ocupar como se fossem países tirados milénios antes quando nem havia países

ahahahahahaha

dragão disse...

V. não tem que fazer sugestões. Se quer fazer exposições suas, de acordo às suas manias, abra um blogue e escreva-as lá.

Aqui, vou fazer uma exposição pura e simples, o mais científica e imparcial possível, sobre o sionismo. Qual foi a sua génese e quais foram e são os seus princípios e conceitos ideológicos.
Quem goste, quem não goste, quem simpatize, quem não simpatize, não me intersessa.
Se você adora, problema ou proveito seu. Guarde para si a sua devoção.
Primeiro, a coisa. Depois, as opiniões sobre a coisa.
Portanto, não fique nervoso. Isto ainda vai no ádrio.
E Israel nem vem agora ao caso. isso são outras núpcias. Estamos apenas a tratar da ideologia. Ainda Israel estava longe de existir.

Ricciardi disse...

Uma sugestão não passa disso mesmo homem. Mas fi-la por uma razão simples: para q nesse processo 'cientifico' não se esqueça de observar casos analogos. Porque os argumentos feitos no ar sem olhar para nossa própria cabeça pode ter como consequência o efeito boomerangue.
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Em todo caso eu faço as sugestoes q muito bem entendo. Se vc nas as aceita é lá consigo.
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Quanto à imparcialidade, bem, nao lhe dou esse crédito. O seu histórico nao merece crédito no q a impatcialidade acerca de assuntos sobre judeus.
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Tenho, isso sim, muita parcialidade a haver de vossencia como se demonstrará em futuros posts.
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Rb
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zazie disse...

Casos análogos

":O)))))))))

Ricciardi disse...

Sim. Se toda região foi dominada pelos turcos, por mais de 600 anos, incluindo todos is actuais países vizinhos, por q raios puderam eles recuperar as suas nações e os judeus não?
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Nao se percebe. É a tal parcialidade.
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Ainda se tivesse havido fundacao de outro país naquelas terras ainda se podia questionar. E se tivesse havido Israel nunca teria sido refundada. Obviamente.
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Mas não houve. Nunca houve. Haviam pessoas sim. Dispersas e sem se constituir como nação. Pessoas essas q foram divididas por vários países q se reconstituiram. Umas ficaram com nacionalidade israelita, outras sírias, outras libanesas, outras jordanas. Só não se aceita o mais pequeno território de todos. Israel.
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Quer dizer não aceitam os radicais anti sionistas e alguns outros movidos pelo ódio q se juntam aqueles.
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Rb
Rb

zazie disse...

Milénios depois, com registo de propriedade na Torah

":O)))))))))))))))

zazie disse...

O Paraíso Americano também começou assim- com electricidade levada pela deusa Columbia.

Também foi uma reconquista- era o Destino Maniesto

http://picturinghistory.gc.cuny.edu/images/gast-hi-res.png

zazie disse...

Manifesto

zazie disse...

Havia- de avião vai-se o berço

Ricciardi disse...

Pois, então diz-me que povo ou nação ou país eestavam aquelas terras. Diz-me vá.
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Os últimos e únicos que se constituiram como nação naquelas terras foram os judeus. Cristo era judeu, por estranho que te pareça. How odd of God to choose de jews.
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A singularidade é uma só. Apesar de históricamente ser a terra dos judeus, devido a expulsões sucessivas, a população judaica ficou em minoria vários seculos. Mas sempre manteve presença por ali. Hebron é um bom exemplo.
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As pessoas que lá estavam não se constituiram como nação alguma. Ainda assim na aprovação de constituição de Israel pela Liga das Nações teve essas pessoas em boa conta.
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Elas que não tinham nacionalidade alguma passavam a ter uma. E tiveram. É por isso que 20% da população é arabe. E numa sondagem recente efectuada essa parte da população não quer renegar a nacionalidade israelita. São espertos, claro. Estou certo, tenho mesmo a certeza até, que a maior parte dos palestinianos o que querem mesmo é ter nacionalidade Israelita. Estão fartos daquela tropa que os desgoverna.
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mas vcs gostam mesmo é de ouvir música da propaganda da esquerdalhada acerca dos sionistas maus.
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Rb

Ricciardi disse...

«Se as estatísticas estão correctas, os Judeus constituem apenas 1% da raça humana. Ele são como um sopro ténue de poeira de estrelas, perdido no brilho da Via Láctea. Mal se ouve falar dos Judeus; mas ouve-se, e sempre se ouviu, falar deles. Ele são tão proeminentes no planeta como quaisquer outras pessoas.

As suas contribuições na lista mundial de grandes nomes da Literatura, Ciência, Arte, Música, Finanças, Medicina, estão além da proporção que a fraqueza do seu número sugere. Ele labutaram admiravelmente no Mundo, em todas as épocas; e fizeram-no sempre com as mãos amarradas atrás das costas.

Os Egípcios, os Babilónios, os Persas, brilharam, encheram o planeta de som e esplendor, e em seguida, desvaneceram-se em sonhos - e passaram; seguiram-se os Gregos e os Romanos, que fizeram muito barulho, e foram-se; outros povos surgiram e seguraram a sua tocha por algum tempo, mas esta consumiu-se, e agora vivem no crepúsculo, ou desapareceram...

Todas as coisas são mortais, menos os Judeus; todas as outras forças passam, mas eles permanecem. Qual será o segredo da sua imortalidade?» M. Twain

muja disse...

Do Reed:

If mere chance, ever and again, produces men like Karl Marx and Dr. Theodor Herzl at moments when their acts can lead to destructive consequences out of proportion to their own importance, then chance in the past century has been enlisted in the conspiracy against the West. The likelier explanation is that a higher command was already in charge of these events and that it chose, or at all events used Herzl for the part he played. The brevity of his course across the firmament (like that of a shooting star), the disdainful way in which when his task was done he was cast aside, and his unhappy end would all support that explanation.

Those who have known Vienna and its atmosphere in our century will understand Herzl and his effect. A declining monarchy and a tottering nobility, a class of Jews rising suddenly and swiftly to the highest places; these things made great impression among the Jewish masses. Dr. Herzl, rather than the Neue Freie Presse, now told them how went the world and instructed politicians what to do. Obsequious Obers in the chattering cafés hastened to serve "Herr Doktor!" It was all new, exciting. Self-importance filled the Herzl's and de Blowitz's of that time and when Dr. Herzl emerged as the self-proclaimed herald of Zion the Western Jews were left awed and uncertain. If Dr. Herzl could talk like this to the Great Powers, perhaps he was right and the Napoleonic Sanhedrin had been wrong!

Could it be true that policy was made in Dr. Herzl's office, not in the Ballhausplatz? Had a Jew from Russia written The Jewish State, or attempted to set up a World Zionist Organization, the Western Jews would have ignored him, for they feared the conspiracy from the East and at least suspected its implications. But if Dr. Herzl, a fully emancipated Western Jew, thought that Jews must re-segregate themselves, the matter was becoming serious.

Herzl asserted that the Dreyfus case had convinced him of the reality of "antisemitism". The term was then of fairly recent coinage, though Dr. Kastein seeks to show that the state of mind denoted by it is immemorial by saying "it has existed from the time that Judaism came into contact with other peoples in something more than neighbourly hostility". (By this definition resistance in war is "antisemitism", and the "neighbours" in the tribal warfare of antique times, to which he refers, were themselves Semites. However, the words "contact exceeding neighbourly hostility" offer a good example of Zionist pilpulism.)


muja disse...

Anyway, Dr. Herzl stated that "the Dreyfus process made me a Zionist", and the words are as empty as Mr. Lloyd George's later ones, "Acetone converted me to Zionism" (which were demonstrably untrue). The Dreyfus case gave the Jews complete proof of the validity of emancipation and of the impartiality of justice under it. Never was one man defended so publicly by so many or so fully vindicated. Today whole nations, east of Berlin [under Communism], have no right to any process of law and the West, which signed the deed of their outlawry, is indifferent to their plight; they may be imprisoned or killed without charge or trial. Yet in the West today the Dreyfus case, the classic example of justice, continues to be cited by the propagandists as the horrid example of injustice. If the case for or against Zionism stood or fell by the Dreyfus case, the word should have disappeared from history at that point.

Nevertheless Dr. Herzl demanded that "the sovereignty be granted us over a portion of the globe large enough to satisfy the rightful requirements of a nation" (he specified no particular territory and did not especially lean towards Palestine). For the first time the idea of resurrecting a Jewish state came under lively discussion among Western Jews. [1] The London Jewish Chronicle described the book as "one of the most astounding pronouncements which have ever been put forward". Herzl, thus encouraged, went to London, then the focus of power, to canvass his idea. After successful meetings in London's East End he decided to call a Congress of Jews in support of it.

[1]: At that time it hardly reached the mind of the Gentile multitude. In 1841 a Colonel Churchill, English Consul at Smyrna, at the conference of Central European States called to determine the future of Syria had put forward a proposal to set up a Jewish state in Palestine, but apparently it was dismissed with little or no consideration.


http://modernhistoryproject.org/mhp?Article=ControZion&C=25.0#Herzl

José disse...

"Freud, por exemplo,é contemporãneo de Hertzl, em Viena, e nunca o vimos queixar-se de que lhe andavam a bater."

Já estive na casa-museu de Freud, em Viena. Casa no centro da cidade, num andar 2º ou 3º. Com amplas salas e motivos de museu denotadores de vida burguesa abastada.
Numa vitrine, assim como quem não quer mostrar, os símbolos do judaísmo nativo que indicam quando e onde foi "crismado" no bar mithzva ou lá o que seja.
Fiquei algo admirado porque não esperava aquilo tão conspícuo e ao mesmo tempo recatado.
Toda a gente pode ver.