«Sem apresentarem soluções para nada, os oposicionistas estúpidos dos anos 70 divertiam-se com as desconcertantes contradições do regime. Nenhum deles valia coisa alguma: liberais uns, marxistas outros, reaccionários quase todos, tanto que pretendiam recomeçar a vida política portuguesa no dia 27 de Maio de 1926...»
- Bruno Oliveira Santos
Falemos específicamente dos comunistas.
A sua importância é crucial porque protagonizaram a efectiva "oposição ao regime". E serviam para diluir e desacreditar todas as outras. Salazar extraía deles essa utilidade prática. No resto, eram combatidos firmemente, mas sem aqueles afãs de extermínio físico típicos de outros autoritarismos da época. Convinha apenas mariná-los em lume brando. Depois, alguns deles até eram filhos de boas famílias...E como o próprio Salazar definia, "importava mais combater a doutrina do que os homens por ela seduzidos".O estado Novo queria-se uma revolução suave e os seus rigores repressivos de uma parcimónia cristã.
Convém, todavia, não confundir ou resumir aos comunistas o pensamento de esquerda. É preciso não esquecer que o Estado Novo surgiu dum golpe contra o republicanismo efervescente da 1ª República e teve que coabitar desde sempre com anti-corpos mais ou menos latentes, como certa esquerda republicana, a maçonaria e até alguns vira-casacas que, conforme as ventosidades históricas do instante, assim aariscavam certos golpes de asa oportunistas. De resto, as superstições socialistas já remontavam a Antero de Quental & Companhia. E o Partido Democrático, em matéria de jacobinismo serôdio, mas feroz, fora um must. Todavia, havia uma audácia que essa esquerda, nem por sombras, professava: o abandono do ultramar.
Por conseguinte, os comunistas não inventaram nem inauguraram uma cultura de esquerda ad nihil. Integraram-se nela e, aos poucos, aglutinaram-na. Durante o processo, acrescentaram apenas alguns têmperos mais picantes e idiossincráticos: uma estratégia de conquista do poder; e uma estratégia de subversão que se englobava num movimento internacional concertado. Ou seja, como correia de transmissão da central em Moscovo, o objectivo fulcral consistia no desmantelamento do Império (esta, era, de resto, a sua originalidade maior), mascarado de libertação dos povos oprimidos. Para a concretização desses objectivos, os comunistas dispunham duma receita testada e promulgada por Lenine: infiltração dos meios culturais e de informação, agitação e catequização da parte da população mais vulnerável e sensível á retórica revolucionária, e, detalhe essencial e sine qua non, alistamento e conjura de parte das forças armadas.
Salazar tinha perfeita consciência disso. E entendia os comunistas como aquilo que realmente representavam: mais que uma mera ameaça ao regime, uma ameaça à civilização. Quando António Ferro lhe pergunta "como vê Hitler?", a resposta é esclarecedora e atestativa do seu frontal anti-comunismo: -"A Europa deve-lhe o grande serviço de ter recuado, com assombrosa energia e com empolgantes músculos, as fronteiras do Comunismo."
Mais adiante, disseca o problema nos seguintes termos:
«O comunismo, como era de prever, tem-se demonstrado na sua aplicação prática uma teoria anti-natural e profundamente anti-económica. Esse retumbante fracasso não tem, porém, evitado que nalguns países se continue a olhar a Rússia como um Eldorado e a pretender imitá-la até naqueles caminhos que ela própria abandonou. (...) Em todo o caso, dum modo geral, pode afirmar-se que o Comunismo, doutrina económica, está outra vez na sua curva descendente. O Comunismo político, porém, está longe de se encontrar na agonia, porque tem vindo a aglutinar, pouco a pouco, todas as forças de esquerda, porque é bandeira a cuja sombra se abrigam todos os movimentos de desordem ou inversão social. Os próprios liberais, que, parece, deviam ser os maiores inimigos dos comunistas, pela negação absoluta da liberdade que o comunismo importa, acolhem-se, não sei porque desvio, a essa bandeira. (...) O Comunismo é a palavra da desordem, a 'frente popular' dos baixos instintos revolucionários do homem de hoje, e, tendo-se transformado de sistema económico em doutrina política, social, moral, religiosa, com a exploração dos mais baixos instintos do homem e dos seus piores defeitos, é impossível negar-lhe o seu perigosos dinamismo que devemos combater sem tréguas.»
Naturalmente, os comunistas pagam-lhe da mesma moeda, arrolando-o no bloco fascista, que a retórica internacionalista da época nomeia e verbera como o grande inimigo da Mãe Soviética. E, de facto, Salazar, operativamente, nesse território do combate ideológico, embora longe do fascismo italiano na orgânica, no sistema e na metodologia, reconhece-se como co-participante dessa luta titânica contra a tentacular ameaça comunista ao Ocidente. Dessa "gesta heróica", em que os comunistas portugueses se fantasiam numa comunhão épica com a 'Frente Comunista' do resto da Europa, germinará o epítetro "fascista", que emerge no 25 de Abril e depois se populariza nos mass-media até aos dias de hoje. O termo assoma da clandestinidade à luz da revolução florida em conjunto e uníssono com aqueles que o usavam desde os tempos da Guerra Civil Espanhola (o primeiro - e sobremaneira próximo - espaço europeu dessa ideo-beligerância marcante). A derrota das forças republicanas no país vizinho é descrita pelos nacionalistas, cá e lá, como a queda do "exército vermelho". E porque os comunistas se foram tornando - por dinâmica própria e, até certo ponto, por conveniência táctica do próprio Salazar -, numa espécie de senhores feudais da oposição, o seu léxico era adoptado e assimilado pelas restantes forças coalescentes.
Ora bem, se Salazar tinha um diagnóstico atento e lúcido do problema, se o próprio aparelho repressivo se destinava específica e quase exclusivamente a esse combate, se os comunistas, em termos numéricos, eram uma minoria, como explicar toda aquela fermentação, preponderância e sobreactividade logo a seguir ao 25 de Abril?
Sendo, como é sabido, o único partido oposicionista organizado, cumulando com os atributos, funções e apoios inerentes à 5ª Coluna de uma superpotência hostil, não espanta que o Partido Comunista se tenha rapidamente aproveitado do caos resultante da queda abrupta (e patética) do regime. Talvez não contasse pela oportunidade para tão breve, mas fazia parte do seu código genético espreitar e explorar a brecha. Afinal, se as condições concretas se antecipavam às objecticas, só havia que cavalgá-las. Também não surpreendeu tudo aquilo que se seguiu - descolonização desastrosa, desestruturação económica, intoxicação propagandística, saneamentos, etc, etc.
De tal modo que, ainda hoje podemos dar com a jeremiada dos "comunistas, malvados, nacionalizaram, descolonizaram à canzana, deram cabo disto tudo, e por aí fora". Mas era suposto os comunistas fazerem o quê? Por muito que nos custe, eles estavam a cumprir o dever perverso deles. A sua fidelidade não era para com Portugal, mas para com uma ideologia e uma afeição estrangeira. Se lhes abriam a porta e estendiam a passadeira, haviam de fazer-se rogados? Ora, aqui é que se separam as águas. Numa derrota miserável, vil e a todos os títulos indecorosa, não podemos responsabilizar o inimigo pela nossa cobardia, desleixo ou pura falta de comparência ao combate. E daqui não arredo pé: quem não cumpriu o seu dever para com Portugal foram aqueles que lhe juraram fidelidade e, ou o trairam, ou dele desertaram na hora difícil, ou o abandonaram ao repasto das hienas. E neste capítulo das responsabilidades, temos que começar por cima: Marcello Caetano, o Presidente do Conselho em exercício. Que fez ele em resposta à golpada peregrina?
a) Assombrosamente, ou talvez não, ao saber do avanço da coluna de Santarém para Lisboa, em vez de recolher à Base Aérea do Monsanto, como estava previsto para situações de emergência, e donde poderia ser evacuado de helicóptero em caso de necessidade operativa, vai encurralar-se no Quartel do Carmo.
b) Ao longo do dia, proíbe toda e qualquer acção contra-revolucionária às forças militares leais ao regime. (Perante tão gritante passividade, começa o bandeamento para o lado revoltoso de várias unidades, muito típico da mentalidade portuguesa).
c) Proíbe a PSP e a DGS de intervirem.
d) Quando as unidades de Cavalaria 7 e da GNR cercam os efectivos da Escola Prática de Santarém já no Largo do Carmo, ordena a retirada das forças leais.
e) Sem poder legal para o efeito (competia ao Presidente da República) entrega o Poder ao general Spínola, como representante da Junta de Salvação Nacional.
f) Antes de Abril, e ao longo de 1974, tinha apresentado por duas vezes a demissão ao presidente da República.
g) Num ambiente prévio de intentonas, conjuras, levantamentos sucessivos, o regime podia e deveria ter convocado tropas a sério, do Ultramar (ou reactivar companhias de Comandos desmobilizadas, como aconteceu no 25 de Novembro) para proteger o ponto, ao fim e ao cabo, mais nevrálgico de todo o dispositivo nacional. Nada fez. Tudo somado (e dando de barato a conivência de Caetano com Spínola e deste com o engodo alheio à sua imensa vaidade), dir-se-ia que se Salazar teve o azar de cair da cadeira, num infeliz acidente, já Marcello atirou-se deliberadamente dela abaixo, numa tentativa patética de suicídio. O único problema é que arrastou todo uma nação junto consigo. O resultado prático da queda de ambos é que o insigne professor continuou a dar aulas no Brasil, mas a nação, por via da pancada, nunca mais disse coisa com coisa.
Das responsabiliades militares subsequentes na ordem de gravidade, falarei num capítulo à parte. Deixo aqui apenas uma mostra eloquente quanto à qualidade bélica do aparato golpista, segundo a excelente pena do estimado Bruno Oliveira Santos (no seu interessantíssimo volume "Histórias Secretas da Pide/DGS"...) Serve para rirmos e chorarmos ao mesmo tempo:
«Chegada a coluna motorizada de Santarém a Lisboa, o comandante Salgueiro Maia perguntou a um polícia [sinaleiro?] como se ia para o Terreiro do Paço. Esclarecido, pôs-se a caminho, perante o olhar assustado dos galuchos que o acompanhavam. No Campo Grande, a coluna parou ordeiramente em cada sinal vermelho, receando talvez que algum polícia {de trânsito? Sinaleiro?] mais zeloso apreendesse toda aquela sucata por manobras perigosas. No Quartel da Pontinha, transformado em posto de comando do MFA, Otelo ordenou que uma coluna da Escola Prática de Infantaria, de Mafra, avançasse para Lisboa com o propósito de conquistar o Aeroporto da Portela, com vista a impedir o levantamento ou aterragem de quaisquer aviões. Mas, como não houvesse nenhum polícia [sinaleiro? de trânsito?] ali à mão, a ensonada coluna mafrense seguiu por caminhos ínvios e foi dar a Camarate, perdendo-se em ruas apertadas onde mal cabiam os duvidosos carros de combate.
Quatro horas depois de sair de Santarém, a coluna da Escola Prática de Cavalaria chegou finalmente ao Terreiro do Paço. A fragata Gago Coutinho, que integrava a esquadra da Nato, subiu o Tejo e parou, enorme e ameaçadora em frente dos insurrectos. Mas o comando da fragata também estava em boas mãos. O almirante António Louçã (pai de Francisco Louçã, do PSR), em vez de disparar sobre as forças sublevadas e acabar ali com aquela aventura insensata, aproveitou antes o histórico momento para contemplar a grandiossidade da arquitectura pombalina, a largueza da praça, a iomponência das arcadas, a majestade do Arco da Rua Augusta, umas vistas formidáveis sobre o amplíssimo conjunto. Vale a pena passar os olhos pelo relato que deste pitoresco episódio é feito pelo então Ministro da Defesa, Silva Cunha, no seu livro O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril: (...) liguei para o Estado-maior da Armada e disse ao seu chefe, Almirante Ferreira de Almeida, que ordenasse à fragata que cruzava em frente da Praça do Comércio que fizesse alguns tiros de aviso sobre as forças revoltosas que ali se encontravam.
Fiquei a aguardar. Pouco depois telefonava-me o Dr Marcello Caetano que, mal humorado, me disso que o Almirante Ferreira de Almeida lhe falara pelo telefone, dando-lhe conhecimento da ordem recebida e perguntando se devia cumprir.
Confirmei ter dado a ordem.
O Presidente do Conselho linitou-se a perguntar quem estava a orientar as operações, não se pronunciou sobre a minha decisão (...)»
Entre nós, há muito o hábito, por manha ou conveniência, de procurar condundir os efeitos com as causas, ou melhor, de desculpar a lavar as causas nos efeitos. Como se os filhos servissem apenas de fralda e alibi às mães.
82 comentários:
Cada vez mais me vejo a concordar com esta tese sobre o papel do Marcello.
Os últimos meses do regime revelam um homem 'a beira do abismo, profundamente deprimido e instável.
Em aditamento 'as alíneas do Draco, aqui vao outras:
- recusa em actuar contra o MFA desde Setembro de 73, com dados mais do que suficientes para tal
- o processo surreal que rodeou a autorização ao livro do Spinola
- o convite a Spinola e Costa Gomes para tomarem o poder
- o caso bizarro da independencia de Angola pactada com o Governador Santos e Castro relatada por varias fontes (que no exílio atribui a Marcello as culpas do desastre)
- a total ausência de contra-medidas após a comedia das Caldas
E por fim, como um bando de recrutas das eescolas praticas actua no proprio dia 25/4, liderado por marmanjos que nunca se distinguiram no Ultramar e arrumam com um exercito com experiência de combate.
Mantenho respeito pelo intelectual Marcello, mas creio que foi o Ferraz da Costa quem deu a explicação mais plausível: que no 25/4 Marcello foi vitima de um acordo que nao se cumpriu.
Miguel D
« que no 25/4 Marcello foi vitima de um acordo que nao se cumpriu.»
Plenamente de acordo. Não quis ir tão longe, mas estou em crer que
os outros engodaram o Spínola e o Spínola engodou-o a ele.
Marcelo foi um hesitante, não sabia o que queria nem sabia para onde ia.
As hienas eram tantas e de todos os quadrantes políticos e sociais que o estado novo terminou da forma que se sabe, o movimento militar do 25 de Abril foi uma encenação tipo "circo" que chega à cidade.
Se tivesse existido um acordo, Marcello não teria falado nisso no Depoimento e depois na correspondência que manteve com um amigo e que está publicada?
Marcello era manhoso a esse ponto de esconder uma coisa tão grave que foi com ele para a tumba?
V. continuam a preferir a ficção à realidade, parece-me.
Essa ideia do "hesitante" é outro mito.
"Essa ideia do "hesitante" é outro mito."
«Marcelo Caetano é um belo espírito, tem grandes faculdades de trabalho, é muito culto e sabedor; mas não é flexível, não suporta a contradição mesmo em privado, não aguenta uma ideia oposta, e perde facilmente a moral, apossando-se de pânico e tendo então a tendência para seguir a corrente geral.»
- A.O. Salazar (a Franco Nogueira)
As únicas atenuantes que concedo ao Marcelo são:
A velocidade da mudança do tempo e da informação;
A península ibérica estava isolada da corrente demo-liberal europeia;
O povo das cidades tinha um desejo de mudança, experimentar o fruto proibido;
V. já leu a entrevista extensa que Marcello deu a Alçada Baptista e que está publicada em livro?
Acho que por aí não se pode concluir o que Salazar teria dito ao Franco Nogueira, porque não é o retrato de um hesitante, mas de um inflexível. Ora não era...
Salazar devia ter sucedido por um primeiro-ministro executivo, um conselho de sábios (no mínimo 12 e ao estilo clerical), ter restaurado a figura do rei (monarquia tradicionalista) e prestigiar as altas patentes militares (algo do tipo 5 generais com concentração de poderes próprias para cada zona do país). Portugal vivia em estado de Guerra.
A solução continua válida nos dias de hoje e uma necessidade imperial, a bem da nação.
Tanto quanto sei (acredito que pouco), mas a b) e c) carecem de demonstração.
A a) e a d) creio estarem suficientemente respondidas ou no Depoimento, ou nas "Memórias" ou em ambos, já não sei. Mas podemos apurar.
Na f) é responsabilidade principal, senão única, do PR.
o convite a Spinola e Costa Gomes para tomarem o poder
Não foi convite. Foi mais desafio, parece-me. Os dois artistas queriam que o prof. borrasse as mãos por eles.
Não quis ir tão longe, mas estou em crer que os outros engodaram o Spínola e o Spínola engodou-o a ele.
O Spínola e não só. Porque quem engodou o Spínola também o engodou a ele. Não sei se o Spínola colhia assim tanto em Marcello. Mas o outro sim. O outro sabia o que fazia.
E penso que está aí tudo. Marcello há-de ter sido manipulado. É a única explicação para mim que funciona.
Não creio em nenhum acordo, até porque ele havia já recusado menos que isso. A questão é saber como se deixou Marcello manipular porque havia quem quisesse prender o MFA desde logo. Quezílias pessoais, desinformação? Não sei. Mas não creio que se possam assacar "dolo", por assim dizer.
Se fosse outro, não se deixava manipular? É, em si mesma, uma coisa muito difícil de fazer. Salazar era quase um asceta na sua frugalidade. Não vivia senão para o dever. É muito difícil manipular ou chantagear um homem assim. Mas era, naturalmente, uma excepção. Portanto não acho que fosse justo compará-los nisso. E fora disso, não acho que se pudesse aspirar a muito melhor que Marcelo.
Nem acho que ele fosse hesitante, pelo menos na política externa.
A defesa do Ultramar não afrouxou e penso que, se o não estava antes, se convenceu da necessidade de a manter firme depois das eleições de 69.
Pode não ter sido um político tão militarmente esclarecido, mas aí não vejo que se lhe possa apontar falta.
Nem tão pouco vejo falta em esquematizar independências. Embora não seja contra a doutrina integralista, e talvez nem partilhe a fatalidade com que Marcello via as independências políticas (se eram essas que ele via); não obstante é preciso admitir que a estratégia portuguesa tinha que passar em qualquer caso pela independência militar de Angola e Moçambique - o que as faria independentes de facto. E, de facto, resolveria o problema.
Uma vez independentes de facto, poder-se-ia fazer o que melhor conviesse politicamente.
Mas ele vislumbrou a possibilidade do que veio a ocorrer, é possível que tenha pensado em independências à pressão para se adiantar a outras mais nefastas.
Não lho censuro. É sinal que via bem o principal: todas as gentes que lá viviam e de quem era, também, governante.
Perspectiva interessante mas que revela dificuldades em contextualizar alguns acontecimentos. O tempo e o modo determinaram o rumo dos acontecimentos, lenta mas firmemente, os poderes fácticos foram transformando a sociedade portuguesa e abalando as instituições até que o regime apodrecesse. Não foi Marcello que entregou o regime: o regime já estava em total desagregação moral; o acto simbólico de Marcello apenas poderá qualificar a sua personalidade, nada mais. Não sustenta esse mito sebastianista invertido de que Marcello foi "fraco rei que fez fraca a forte gente" pela simples razão de que a mudança era simplesmente irreversível. As "gentes" mudaram, apesar de Salazar e da primavera marcelista, e isso é que foi fundamental na queda do regime.
O que conta não é o o que o Marcello disse: é o que o Marcello fez.
Até porque quando devia ter dito alguma coisa, durante o dia 25 de Abril, não disse nada. Um verdadeiro silêncio sepulcral.
Depois, fez aquilo em que os portugueses são peritos: jeremiou. A culpa nunca é nossa. É sempre dos outros. Responsabilidades? Tá quieto ó mau.
Foram os comunistas maus.
E o problema desta baíuca é que as pessoas não mudaram nada. Nem mudam. Apenas pioram e aproveitam todas as oportunidades e pretextos para isso. O Estado Novo pouco mais conseguiu ser que cosmética. À primeira oportunidade, regrediram à balbúrdia republicanista pré-Estado Novo. Só que agora ainda mais estouvada, frívola e palonça.
Essa treta da mudança é lavagem ao cérebro marxistóide. È a dialéctica sociológica de vão de escada para pequeno-burguesia ociosa e superficial. Do jaez dum Zé Mário Branco a cantar Camões à esquina da revolucinha.
Depois, desde Aristóteles que a querida mudança (Metabolé) é constituída por várias espécies. Que espécie de mudança é que os senhores doutores da metabolia significam?
É que apodrecer é uma delas.
Leram nos jornais, presumo. Ou viram na televisão.
Muja,
O Salazar não queria o Marcello. Porque era instável, a médio prazo e criaria problemas de relacionamento múltiplos (como criou) O que ele teria, provavelmente, escolhido não podia porque estava seriamente doente: o Teotónio Pereira. Sobravam duas hipóteses civis: o Antunes Varela (maior risco) e Costa Leite (mais sólido e menos brilhante, nos termos do próprio Salazar.
E o Franco Nogueira tinha que ser mantido a todo o custo nos Negócios Estrangeiros.
DEpois, o Marcellho Caetano é aquilo que eu chamo um homem extremamente infeliz, quase perseguido pelas Moiras. Não está em causa o seu valor intelectual, nem sequer humano. Trata-se apenas do desempenho de determinadas funções, para as quais, comprovadamente, não estava talhado. Dadas as circuntâncias, pois. Mas um homem é sempre com as suas circunstâncias.
Uns tópicos para o Muja:
A instabilidade política e psicológica que o Marcello:
- assume funções com ímpeto reformista relativamente ao Ultramar, mas depois do tour por Angola e Moçambique em 1969 interpreta a recepção apoteótica que lhe foi dada como um desejo de manutenção da via integracionista. Em 1971, com a revisão constitucional, abandona esta via e reforça o caminho da autonomia progressiva
- Em 1972, em posição de força, proíbe Spínola de dialogar com o Amílcar Cabral. 18 meses mais tarde está numa posição frágil e põe as Necessidades a conversar com o PAIGC sobre questões políticas em Londres.
- A ideia da independência de Angola proposta a Santos e Castro, sem qualquer preparação política e psicológica das pessoas na Metrópole e em Angola revela puro pânico
Quando refiro como plausível a explicação do Ferraz da Costa de que teria havido um acordo não cumprido, não acredito, obviamente, que o Marcello tivesse combinado com o Costa Gomes algo do género: "Ouve lá, pões ali o Spínola, acolá o Otelo e eu empato a coisa até tudo estar controlado". Não foi certamente isso que se passou. Mas tudo o que Marcello fez a partir de meados de 73 aponta para alguém que busca desesperadamente uma saída. E que implicitamente (não acredito noutra hipótese) as chefias militares abriram uma porta por onde ele julgou poder entrar. Embora saibamos hoje o que na realidade aconteceu: foi ele próprio quem abriu a porta e quem entrou foram os outros.
Miguel D
Podemos sempre tentar encadear raciocínios:
Marcello nunca partilhou a ideia do Ultramar expressa por Salazar;
Marcello queria encontrar uma solução para a questão Ultramarina ( “Nenhum português reflectiu tanto nela, a virou por tantos lados, fez tantas diligências para lhe encontrar solução…”);
Marcello tinha consciência que a independência das Colónias era inevitável;
A Guerra e as Colónias consumiam recursos que muito provavelmente preferiria investir na Metrópole (esta cena do Estado Social é sempre uma coisa que sai cara);
Marcello sabia que a grande maioria do povo português era contrária à ideia da independência das Colónias por isso nunca poderia abertamente adoptar uma política nesse sentido;
Havia nas Forcas Armadas um crescente movimento independentista, ao qual foram aderindo muitos oficiais superiores;
Porque não, então, pegar nesse movimento como bode expiatório para justificar a decisão de se livrar das Colónias;
Daí a tentar um acordo vai um pequeno passo;
Quanto ao perigo comunista, o regime sempre menosprezou a sua forca e esteve convencido que a PIDE dava conta do recado.
«Marcello tinha consciência que a independência das Colónias era inevitável;»mm
.
Ora, isto é que é a mais pura das verdades. Tinha consciência. mas foi incapaz de tomar medidas (que passam além da vontade - como diz o dragão , para proteger os interesses dos portugueses (e angolanos) que lá estavam.
.
E cometeram um erro monumental. Tratar os problemas das colónias da mesma forma quando cada uma requeria abordagens distintas. É a politica do 'vai tudo a eito e pela medida grande'.
.
Dom Duarte escreve algures e digo de memória que, houve boa oportunidade de apoiar gente séria e honesta nas colónias que embarcaria seguramente numa federação portuguesa. Não foi essa a estratégia, infelizmente, com as consequências que todos conhecemos. Mal Dom Duarte elaborou uma estratégia neste sentido, Marcelo mandou-o 'gentilmente' regressar de Angola onde estava.
.
Na história do império não se errou clamorosamente só dessa vez. Nada disso. Se recuarmos um bocadinho podemos ver outro erro monumental: a expulsão dos jesuitas. E se recuramos mais outro bocadinho enxergamos um outro erro, galático que baste: a expulsão dos judeus.
.
Mais recentemente um quarto erro: a entrada na europa na qual somos e seremos eternamente credores. Credores morais, porque trocamos industrias inteiras, acordos únicos de pescas, por meia dúzia de patacos que serviram para melhorar fortemente as nossas importações de ferraris e mercedes... mas tambem submarinos e locomotivas.
.
Rb
E a governance (como diz o meu chará Ricciardi do Besi) do país teve culpa disso?
.
Não. Salazar era um 'rei' porreiro. O problema dele é que não tinha um bom sistema politico de backup que o replicasse quando caísse de uma cadeira.
.
Que o replicasse nem é bem o termo. Cada pessoa é útil no seu devido tempo. É como na Igreja. Ele há momentos para um perfil conservador e momentos para perfis revolucionários. O que interessa é o sistema de ascensão. Pessoas boas e competentes não faltam: hajam condições...
.
Rb
"Essa treta da mudança é lavagem ao cérebro marxistóide. È a dialéctica sociológica de vão de escada para pequeno-burguesia ociosa e superficial. Do jaez dum Zé Mário Branco a cantar Camões à esquina da revolucinha. "
Pois esta é a ideia mais importante que vejo aqui escrita.
Então as pessoas, as sociedades não mudam e só mudam na mente das fantasias marxistóides, não é assim?
É uma dialética sociológica de vão de escada?
Pois vou pensar no assunto que para mim não é tão claro assim e não me atrevo a escrever tal coisa.
Porém, como não tenho estudos, tenho sempre que me socorrer de cábulas. Os recortes...
Dragão, v.exa. meteu-me na prisão e trancou bem a porta da cela há uma ou duas semanas. De forma que nem entrava, nem fugia. Uma espécie de limbo. E, aidna que não saiba, tenho dotes de transubstanciação e apareci de vez em quando.
.
Contudo, a bem da honestidade, como bom prisioneiro, devo alerta-lo que se esqueceu recentemente da chave.
.
Rb
A primeira quesão que deixo e gostaria de ver respondida é esta:
Em que é que as pessoas não mudam?
Sabemos que mudam na idade, nas roupas que vestem, nos lugares que afeiçoam a frequentam, nas leituras que fazem, etc. etc.
Dá para dizer que a imutabilidade se refere a outra coisa.
É essa coisa que não compreendo muito bem e gostaria de ver esclarecida sob pena de o argumento não passar de baculino, do género "eu é que sei e não preciso explicar mais nada"...
E isto nada tem de birras, evidentemente meu caro, mas de conversa...dialética, digamos assim.
«Então as pessoas, as sociedades não mudam e só mudam na mente das fantasias marxistóides, não é assim?»
Tens que ir perguntar ao António Barreto.
Há teorias para tudo, pá. E já expliquei aí atrás que há vários tipos de mudança.
Depois, há o essencial e o acessório. Muda-se muito de acessórios. Mas a questão substancial não se esgota nem resume ao acessório.
E sim as pessoas mudam: crescem, envelhecem e morrem. Mas isso não muda, pois não?
«Em que é que as pessoas não mudam?»
Eu não costumo usar a "falácia da autoridade", mas sempre que sentires que eu estou a fazer isso agradeço que me apontes. Se for lapso meu, desde logo as minhas desculpas.
A questão...
Na natureza.
Acerca desta a tradição cristã, por exemplo, opõe-se à tradição iluminista. À providência divina daqueles opõem estes o Estado providencial. O Mau estado resultante da providência divina, que maltrata e corrompe os excelentes selvagens nascidos da natureza deve ser corrigido de modo a providenciar um óptima incubadoura e berçário para excelentes e ultra-felizes cidadãos. Não é preciso dizer onde isto conduz. Vê-mo-lo à nossa volta.
Para esta doutrina, que redundará adiante no completo materialismo, a essência humana é perfeitamente manipulável e formatável através da educação e sobretudo através da economia.
As sociologias e métodos de análise (dialécticos, pois) derivados conduzem a uma mera constatação dos factos triunfais em cada momento. Esse é o problema. Pois afunila a mente a uma impotência mais ou menos camuflada e reiterada: "se aconteceu assim, é porque tinha que ser assim."
Pois mas isso é sabedoria de almanaque que até eu conheço.
O que eu queria era saber em que é que as pessoas, cá dentro do rectângulo, permaneceram conservadoras em determinada essência que não se modificou e que aparentemente justifica a afirmação que "as pessoas não mudam".
Eu preferiria uma coisa menos conceptual, digamos assim.
Com clareza saber em que é que efectivamente não mudaram e essa imutabilidade constituiu a matriz dos males passados, presentes e quiçá futuros.
A minha teoria é diversa: algo de essencial se modificou em Portugal nas décadas de sessenta e setenta e tem a ver com ideias importadas.
Se dizes que não, fico a pensar porquê...
O conceptualismo da doutrina católica em estado puro versus o ateismo do bom selvagem não me interessa muito para o caso uma vez que não há clivagens puras entre esses conceitos, na prática.
Toda a gente percebe, desde a antiguidade e para isso não preciso de ter grandes estudos que o saber é essencial à formação humana completa.
E toda a gente percebe que há características nas pessoas que não se modificam com a educação.
Por isso, vamos lá ao essencial:
Onde é que os portugueses permaneceram iguais a si mesmos desde, sei lá, o século passado, po tempo dos estrangeirados e vencidos da vida?
Então, já não se explica, nem se tenta explicar: apenas se justifica.
José, basta atentar naqueles textos do Eca ou do Camilo que por vezes aparcem por aí e que faz toda a gente exclamar "é pá, isto podia mesmo ter sido escrito hoje"
ou naquelas observacoes que o Salazar fazia sobre a natureza dos políticos
os usos mudam e isso acontece por toda a parte
mas os costumes (essencia da coisa) fica; a tradicao de um povo nao muda tao facilmente
a questao agora está em como conciliar a mudanca do acessório (os usos) com a manutencao da essencia (os costumes)
em Portugal, normalmente, tem dado bronca
noutros países em que existe uma fonte de tradicao mais forte (por exemplo, através da monarquia) esta evolucao nao descamba tao facilmente
"José, basta atentar naqueles textos do Eca ou do Camilo"
Até acho que deve haver textos bem mais antigos e estrangeiros que permitem dizer o mesmo...
A ideia de "choldra", de "vencidos da vida", de tiques que aparecem nas personagens de Eça podem ter réplica hoje em dia porque as pessoas são mesmo isso: pessoas que têm aspirações, carácteres e feitios enquanto tal.
Porém, o que me refiro é outra coisa: as pessoas mudam de pensamento e de modo de encarar a vida e os outros, consoante certas ideias e modas.
E essas mudanças podem ser essenciais e estruturais e não apenas conjunturais.
É essa a ideia.
Discordo: os usos mudam tanto como os costumes e acompanham a mudança, parece-me.
O que gosto é de ver a análise dos sinais dessas mudanças. A semiótica.
Por exemplo, quem sabe o que significa a palavra canteiro por conhecer quem exercia a profissão sabe de modo diferente daquele que vai ler à wilipedia...ou à enciclopédia ou ao dicionário.
Portanto, justifiquemos a teoria que apresentamos.
É isso- que vai dar ao mesmo.
Lá vem a federação outra vez...
Isso só existia na cabeça do gajo do caco.
Não dava. O porquê explica-o o gen. Silvino Marques, aqui:
http://ultramar.github.io/estrategia-estrutural-portuguesa.html#1-descontinuidade-e-heterogeneidade
Uma federação descontínua no território não funciona. Acaba inevitavelmente em separação.
Portanto, ou se integrava ou se separava. Não havia meio termo. Uma commonwealth também não resolvia o problema porque era preciso decidir a independência primeiro. E depois, a commonwealth centra-se da figura do monarca que nós não temos.
E a independência só se resolvia resolvendo-a de facto, ou seja, quando aqueles territórios - Angola e Moçambique - não dependessem, pelo menos em termos de pessoal, da Metrópole. Quando fossem capazes de prover as suas Forças Armadas de quadros locais. Ora, embora a coisa estivesse aparentemente encaminhada no que toca a soldados, isso ainda não se podia fazer em relação aos oficiais, que foi o bico de obra de tudo. Mas chegar-se-ia lá, com tempo.
Uma vez que a Metrópole pudesse deixar de mandar gente para lá, a questão estava essencialmente resolvida. O resto era matéria de conveniência política, se se não quisesse outra.
Não acredito que Spínola e o cabecilha rolha não tivessem consciência disto.
V.s estão a esquecer-se de uma coisa muito importante:
Toda a doutrina e discurso do Estado Novo. logo com Salazar e continuada por Caetano, era uma imagem de modernização e desenvolvimento.
O que pretendiam manter era boa da moral católica.
O que mudou foi essencialmente isso.
As paróquias deram lugar às juntas de freguesia e às cãmaras.
A Exposição do Mundo Português não existiu no país que se queria fechado ao mundo e apenas para galvanizar um povo que se queria fora da História.
Foi o ivnerso- uma lição para fora.
Caetano continuou essa tonica de modernização e desenvolvimento como bandeira do nacionalismo.
Vir agora dizer-se que o contrário é que era bom, é treta.
Nunca fomos nenhuma ditadura da América latina ou do Leste.
o mito é esse- a escardalhada é que o vende- Não precisam de lhes dar uma ajuda.
José, eu também não tenho estudos, mas penso que tem de haver coisas que nunca mudam, aquelas que fazem as pessoas ser pessoas. Senão as pessoas deixavam de o ser. E isso pode ser - e é - explorado ou, melhor dizendo, abusado.
Para mim, em termos práticos, o que se passou foi que o Estado Novo perdeu a guerra da propaganda. E se não fosse o António Ferro talvez a tivesse perdido mais cedo.
Todas essas mudanças que o José refere foram introduzidas por propaganda que não teve oposição eficaz. Sobretudo nesses anos.
Prevaleceu a imagem propagandizada do regime. Ainda hoje prevalece mesmo em quem procura fazer uma apreciação mais justa do regime. Aliás, já tinha prevalecido e por isso foi tão fácil acabar com ele.
Porém, isso não quer dizer que a propaganda fosse verdadeira.
Éramos um país moderno, estaríamos na UE na mesma- nunca isto foi esse covil obscurantista como uma Albânia.
Portanto não é por aí.
O calcanhar era o Ultramar e como os pacóvios que perderam o que conseguiram séculos depois de nós, também queriam que perdêssemos para não estarem sós.
E para lhes deitar a unha.
Sem a menor dúvida. É mentira que tivessemos colonizado países.
Descobrimos terras e ligámos continentes no séc. XVI.
Propaganda fora de época, com discurso que já tinha sido desmontado noutros locais, é mais outro tipo de imbecilidade fora da História que só pode alimentar utopiazinhas lunáticas.
Pois Zazie, mas essa tónica perdeu-se.
No início foi bem desenvolvida e basta olhar para os cartazes de propaganda dos anos 30 e 40.
Mas depois esse esforço afrouxou. O desfecho da 2ª GG deve ter contribuído para isso. A ideia de progresso, que era concorrida entre os esquerdismos e os fascismos, depois da guerra foi capturada pela esquerda.
O regime não conseguiu inverter isso. Não sei se podia, essa é a grande questão. Mas acho que sim.
Marcelo teve boa ideia com as conversas em família, mas isso apenas não chegava.
Não há propaganda fora de época senão nos meios Zazie. A ideia de propaganda é essa: alinhar a opinião pública com a de uma minoria.
E isso faz-se criando - ou aproveitando - circunstâncias que levem as pessoas a ter essa opinião.
Portanto, não importa a opinião que se pretende disseminar. É uma questão de meios.
Naturalmente, quanto mais radical mais sofisticada e poderosa tem de ser a propaganda.
E isto funciona, e eficazmente, como a publicidade - propaganda comercial - não cessa de demonstrar.
E aquilo que Vs. se interrogam sobre o prec, foi isso mesmo: circunstâncias que mudaram e foram habilmente aproveitadas pela propaganda esquerdista para disseminar uma opinião.
Entenda uma coisa- a propaganda é sempre marca de triunfos sobre outros que igualmente estão a competir no mesmo.
Nós criámos a Idade Moderna com a Expansão- deixámos que até isso nos tirassem nos livros de História, colocando lá a treta da Reforma.
Agora em época de guerra africana não há trinfo a vender para fora.
Não há propaganda disto que colhesse porque os tais ventos da História empurravam há muito noutra direcção.
O trunfo do Império foi resposta à drrota deles e à Grande Guerra de que escapámos.
Fora a guerra do ultramar os portugueses já não andavam em guerra desde a 1º
ER nunca mais voltaram a saber o que é isso nos tempos presentes.
Portanto, v.s estão um tanto desamparados se querem agora ãnimos e heroísmos para novo reviralho.
É por isso que eu digo que as pessoas não mudam: a psicologia de massas que serve de fundamento à propaganda moderna é tão válida hoje como era nos anos vinte quando Bernays escreveu o Propaganda. É igualmente válida em qualquer sítio ou cultura do mundo, desde que reunidas algumas condições básicas que talvez apenas aquelas tribos africanas ou oceânicas não reúnam.
Naturalmente, a propaganda muda coisas, e mudou costumes e opiniões. Nesse sentido o povo mudou.
Mas também é preciso considerar a profundidade dessas mudanças. É da própria natureza eficaz da propaganda ser coisa superficial, no sentido de ser suficiente para atingir o objectivo proposto.
Portanto também é neste sentido que eu acho que as pessoas não mudaram assim tanto. Porque, na verdade, não é preciso mudá-las, basta convencê-las que sim.
Olhe, eu não me reconheço na malta de hoje e mesmo em 10 anos mudaram tanto que nem par isso tenho explicação
Mudaram no sentido de terem perdido o Norte.
Perderam o tal humus. Perderam raízes.
Isso não se tinha perdido no Estado Novo.
O José acha que já nessa altura o povo estava a mudar- estaria, mas mantendo as raízes e o tal humus.
Na geração da minha mãe tinha havido bruta modernidade que ainda hoje me espanto por ter pensado qeu até nso costumes era tudo mais atrasado.
O tanas. Em 1950 andava minha tia em biquini na Costa da Caparica.
Já coloquei esas foto online.
Já a minha tia tinha ido para fora, sozinha, para o Copro Diplomático, em tempos de guerra.
è uma boutade, todas a gerações podem dizê-lo mas perderam-se valores porque também a família se desagregou.
Mas os tugas perderam identidade por imitação de tudo em escala televisiva.
Não noto essa mudança paròla em Inglaterra.
V., creio, tem uma ideia redutora de propaganda. A publicidade é propaganda. Relações públicas são propaganda. Tudo quanto respeite à impressão ou percepção que as pessoas têm de algo ou alguém é propaganda.
Uma vez posta em marcha, a propaganda só pode ser combatida com propaganda. Uma vez que uma firma comece a publicitar, as outras têm que o fazer também ou perdem, independentemente de tudo o mais.
A propaganda não é escrita pelos vencedores. A propaganda faz vencedores, simplesmente, convencendo os perdedores que já perderam.
A verdade, em termos de propaganda, só faz diferença uma vez equilibradas em termos de meios e eficácia duas propagandas concorrentes.
O regime, como, aliás, todas as democracias na altura, não perceberam isso.
Quem o percebeu foram os nazis. E foi por isso que esmagaram os esquerdistas.
Por exemplo, nos manuais para os propagandistas deles, logo depois de ganharem as eleições, está escrito que 10% dos alemães não estavam ainda convencidos da doutrina nacional-socialista e que, por isso, não podia afrouxar o esforço propagandistico; pelo contrário, era preciso redobrá-lo porque esses 10% eram os mais renitentes e necessitariam de todos os esforços que se pudessem empregar para os convencer.
E não tenho dúvidas que foi por isso que não conseguiram vencer a Alemanha senão por destruição total. Compare-se com a 1ª GG, em que a Alemanha perdeu sem sequer ser invadida!
Isto demonstra o poder que a propaganda tem. Quem disse que a pena é mais poderosa que a espada sabia bem o que dizia.
A 2ª República perdeu pela propaganda. O Estado não soube combater a propaganda que a guerra estava perdida. Permitiu que as pessoas se convencessem disso quando o contrário era a realidade. Mas era uma realidade que só se podia constatar na frente e no Ultramar.
E é, igualmente, essa a razão pela qual esta república da tanga se mantém.
Porque emprega colossais mundos e fundos a convencer as pessoas que não existe alternativa a isto.
Que isto é o melhor que se pode obter.
É aqui que eu acho que o Dragão peca: podíamos ter o melhor rei de todo o universo, o chefe mais hábil de sempre: D. Afonso Henriques, o Princípe Perfeito e Salazar combinados num só. Podíamos até ter uma fonte infinita deles. Não chegava. É preciso convencer as pessoas que é o melhor. E isso só se faz com propaganda.
E é curioso porque os estrategas portugueses perceberam isto, mas por qualquer motivo, só o aplicaram no próprio Ultramar, com efeitos excelentes. Tão excelentes, aliás, que practicamente ganharam a guerra.
O gen. Silvino Marques queixa-se disso no documento que deixei acima e noutros.
A Acção Psicológica do Exército foi brilhante. Se tivesse sido aplicada na Metrópole, estou convencido que, aparte fazerem-nos guerra total convencional, seríamos inexpurgáveis.
Aliás, nesta entrevista a Caetano, ele fraqueja um bocado neste aspecto:
http://ultramar.github.io/faltou-me-coragem-para-destruir-portugal.html
J. - Diz-se que justamente o Governo fraquejou na preparação psicológica do povo português e em especial da juventude.
M.C. - Fiz tudo quanto podia no sentido de esclarecer o povo português e de sustentar o ânimo da defesa. E quanto à juventude também se fez quanto se pôde, e o próprio Conselho Superior de Defesa Nacional criou uma comissão interministerial que actuou bastante nesse campo. Mas, meu caro senhor, quando uma sociedade entra em dissolução não há governante nem doutrina que lhe valha. E as pessoas já se esqueceram que durante o meu Governo assisti ao espectáculo de uma burguesia a desmoronar-se a partir das suas bases morais, com uma Igreja em crise, meios de comunicação cada vez mais infiltrados por elementos esquerdistas e agitação académica para cuja repressão o Governo nem sempre tinha o apoio das famílias dos estudantes e dos professores. A revolução que veio em 1974 estava há muito a trabalhar nos espíritos e surgiu como onda de fundo, é preciso não esquecer.
Ora, o objectivo da preparação psicológica é precisamente evitar e contrariar essa dissolução, porquanto ela é efeito de propaganda adversária. Portanto, se a sociedade se já dissolvia, era porque o combate propagandistico - ao contrário do militar - estava a perder-se, se o não estava já.
E é Caetano quem o admite: era efeito de propaganda!
durante o meu Governo assisti ao espectáculo de uma burguesia a desmoronar-se a partir das suas bases morais, com uma Igreja em crise, meios de comunicação cada vez mais infiltrados por elementos esquerdistas e agitação académica para cuja repressão o Governo nem sempre tinha o apoio das famílias dos estudantes e dos professores. A revolução que veio em 1974 estava há muito a trabalhar nos espíritos e surgiu como onda de fundo
Trabalho é coisa activa. Não é uma mudança que surje por "osmose" ou "com o tempo". Ao que é activo tem se opor acção.
Água mole em pedra dura tanto dá até que fura...
Ah ganda Muja. É assim mesmo. À mulher de César...
.
Propagandear para não ser comido é coisa boa e decente
Propagandear para lavar e moldar cérebros é cousa diversa.
.
Eu sou mais à antiga. Pelo exemplo.
.
Vistei uma escola em Luanda na semana passada. Tinha q falar com uma prof de língua portuguesa. Entrei na sala, cheia de miúdos. Bom dia, disse. Boom diiiá responderam os alunos todos vestidos de bata branca.
.
-Senhora professora, já deu o Camões e o Fernando Pessoa e o...
- Ná. No programa não constam poetas portugueses. Aqui damos o Agostinho Neto, o Pepetela e ...
- então, e grandes portugueses. Nada? Porque?
- nada. Precisamente porque não são angolanos.
- ahh, é pena sra professora. É pena.
.
Aqui está a propaganda oh Muja. Usada no mau sentido é indiferente q devenha de esquerda ou direita.
Rb
Apagou-se uma frase.
Disse "é pena. Mas tem lógica estudar os autores de língua angolanesa, disse a rir.
.
E pensei: toma. Embrulha.
.
Ela se calhar não percebeu, mas eu vim embora com ares triunfante.
Rb
Apagou-se uma frase.
Disse "é pena. Mas tem lógica estudar os autores de língua angolanesa, disse a rir.
.
E pensei: toma. Embrulha.
.
Ela se calhar não percebeu, mas eu vim embora com ares triunfante.
Rb
A Propaganda é nada se nada houver de substancial por baixo e que a suporte.
O Estado Novo manteve-se enquanto o povo acreditou que era útil e por isso Salazar dizia em 1965 que o regime não estava em causa.
Só ficou em causa depois e não foi apenas por causa da propaganda adversária, mas porque o tempo mudou muito, em costumes, usos e até tradições que se abandonaram.
Contra isso não há propaganda que resista como ficou demonstrado com a Queda do Muro.
A Propaganda é nada se nada houver de substancial por baixo e que a suporte.
Desculpe mas a evidência é que isso não é verdade.
Ou melhor, é verdade se por "substancial por baixo" se entender circunstâncias e meios.
Se, como presumo, se referir à verdade, então não é assim. Isso só faz diferença entre propangandas que se equilibrem.
Pois diz bem a queda do Muro. E que foi isso senão propaganda?! É necessário lembrar quantos meios se empregaram em propaganda dirigida ao bloco de Leste? Não eram só eles para cá...
Mas não precisamos ir tão longe. A nossa guerra estava longe de estar perdida. Que é dizer, estava bem a caminho de ser ganha.
E, porém, a percepção não era essa, não correspondia à realidade.
Mais, era diferente entre a Metrópole e o Ultramar. E paradoxal: onde havia guerra, a percepção correspondia à realidade - a guerra estava a ser ganha; onde não havia guerra, era ao contrário.
Isto demonstra que é perfeitamente possível de criar uma opinião que nada tem que ver com a verdade objectiva.
Agora, repare: se é possível convencer as pessoas que uma guerra a ganhar-se, já se perdeu, então é igualmente possível convencê-las que um regime moralmente são, é perfeitamente corrupto e iníquo...
"Mas não precisamos ir tão longe. A nossa guerra estava longe de estar perdida. Que é dizer, estava bem a caminho de ser ganha."
Isso parece-me ser verdade e só recentemente o descobri. E por isso defendo agora que devia ter continuado. Se houvesse o tal "ânimo" que afinal se perdeu porque na minha opinião, algo mudou de substancial no modo como todo um povo olhava para esse problema.
Mas perdeu-se por outro efeito que não a simples propaganda.
O que mudou foi a percepção do que era do nosso interesse. O Ultramar deixou de ser de um dia para o outro.
Foi só por causa da propaganda? Se me convencerem que sim, dou a bicicleta.
Eu acho que foi.
Repare que bastava generalizar a ideia de que a guerra não podia ser ganha. Que é uma opinião perfeitamente corriqueira hoje em dia.
Isso equivale a dizer que é como se estivesse perdida sem o dizer explicitamente.
A partir desse momento, já está tudo comprometido.
É neste sentido que se diz, penso que Franco Nogueira, que era sobretudo uma guerra de vontades.
As palavras de Gomes da Costa, sobre o homem da avenida encostado à bandeira verde e vermelha que deixei na Porta da Loja são do mesmo jaez.
O regime não soube esclarecer a população da Metrópole (ao contrário da do Ultramar) sobre a guerra e foi isso, e isso apenas, que o fez cair. Foi essa a alavanca. O resto, como diz o Dragão, foi o surfar da onda pelos únicos que tinham prancha preparada...
Se não fosse isso, cairia por outra razão qualquer? Isso já não sei e creio que ninguém pode saber. Mas qual?
Económica não era.
Liberdade e censura? Talvez, mas sempre que caem regimes por isso, vai-se a ver e há outra razão qualquer... Em qualquer caso eram coisas com fim praticamente anunciado: preparava-se uma lei da imprensa.
Social também não: continuaria a progredir o desenvolvimento da assistência social e serviços de saúde.
Qual seria?
"Se não fosse isso, cairia por outra razão qualquer? Isso já não sei e creio que ninguém pode saber. Mas qual?"
A essa pergunta penso ser fácil responder: por causa da imitação. Queríamos ser europeus banais.
E acabamos por quase vir a ser o contrário do que éramos...
E é isso que me causa espécie e interrogações.
Porque vai mais fundo e carece de explicação para além da propaganda que foi muito importante.
Mas teria sido apenas isso?
Deitamos fora o menino do Estado Novo e Social com a água do banho dos seus anacronismos.
E tal sucedeu, a meu ver por causa da propaganda em sentido lato. Ou seja, da influência das ideias estrangeiras que se infiltraram insidiosamente nos usos e costumes.
E seria inevitável e nem vejo mal algum nisso.
O Salazarismo anacrónico não tinha futuro, apesar de alguns pensarem que sim.
O que deveria era ser resguardado o que era bom e aproveitável como fizeram os espanhóis com o franquismo.
O nosso problema foi esse e procuro explicação para essa estupidez nacional.
Porque é que a generalidade das pessoas mudou tanto e tão pouco tempo.
Em 1973 acolheram Marcello Caetano com grandes manifestações de apoio.
Um ano depois, em eleições votaram maciçamente no PS...e o comunismo conseguiu o que queria na Constituição.
Não entendo isto.
Cm uma agravante ainda mais estranha: a dita direita desapareceu quase por completo e acantonou-se em nichos de resistência quase nula.
Os seus intelectuais- Manuel Múrias, Pedro Soares Martinez não chegaram para fazer número e diferença porque não havia quase nada mais.
E isso tamhém me causa espanto e admiração.
Pois foi.
Há um fenómeno sui generis nos povos que vivem isolados- ou se fecham em nacionalismos ou querem imitar o que nem conhecem.
Os portugueses ainda hoje estão longe da Europa. Não sabem como é.
Estamos aqui no fim de tudo. Isso pode gerar lunáticos.
Mas essa mudança eu também não a entendo.
Eu continuo na minha. Foi propaganda. E essas influências que refere também são propaganda.
O critério de promoção dessas coisas é propagandistico por natureza.
A questão aqui é perceber as circunstâncias. Não esqueça que nesse ano entre Marcelo ovacionado e votação no PS, as circunstâncias mudaram drasticamente.
Ora a propaganda é, em muito, a arte de de fabricar, mas sobretudo aproveitar, circunstâncias que promovam ou disseminem determinada ideia ou opinião.
Houve depurações, saneamentos, excessos, toda a sorte de desordens que facilitou muito e reforçou o efeito de determinada propaganda.
Por exemplo, a teatralidade das cerimónias nazis visava sugerir às audiências um estado psicológico conducente a uma melhor apreciação, menor resistência e a um maior envolvimento da audiência com o interlocutor. Exactamente como se faz no cinema com os efeitos especiais ou nos concertos com as luzes e fumos e tudo isso. É, a bem dizer, uma espécie de lavagem cerebral.
Ora, o estado de desordem, de caos, de grandes alternâncias emocionais também é conducente e sugestivo a determinada propaganda. Facilita-a confirmando-a e confirma-a facilitando-a. Esse ambiente age como um catalisador daquela propaganda, não sendo a propaganda propriamente dita.
E repare como faz sentido que no meio rural a coisa fosse diferente: o ambiente não é propício. Não existe geralmente massa crítica suficiente para desencadear esse processo frenético e os padres agem como inibidores.
E para mim, nem vale a pena ir buscar outras gentes e outros povos porque para podermos comparar teríamos que pegar num momento em que estivessem sujeitos às mesmas circunstâncias. Isto funciona em todo o lado e com toda a gente, reunidas as circunstâncias certas.
E não creio que tenha sido planeado. Isto é, planeado foi porque essa técnica faz parte da doutrina esquerdista. Mas não foi planeado concretamente.
Simplesmente em se dispondo de uma organização é relativamente fácil treinar os elementos para saberem aproveitar estas coisas sobretudo se estiverem integradas na doutrina.
«Porque é que a generalidade das pessoas mudou tanto e tão pouco tempo.
Em 1973 acolheram Marcello Caetano com grandes manifestações de apoio.»
- "Viva o general Alcazar!"
- "Viva o coronel Tapioca!"
Para a explicação mais detalhada, favor conferir Hergé, "Tintin nos Pícaros"
Tapioca e Alcazar saíam da mesma tijuca.
Caetano e Cunhal não comiam da mesma pia. Uma era nacional; outra soviética.
E quem trocou a pia nacional pela soviética tão depressa não foi por pensarem que vinham do mesmo lado.
Isto é por causa das semióticas...
O Cunhal só chegou um tempo depois, de comboio. Não conta no primeiro filme.
É Caetano e Spínola. Que fazem a banda.
Aliás, o Cunhal é como o Lenine na Revolução russa...
O Cunhal veio de avião.
----
«O regime não soube esclarecer a população da Metrópole (ao contrário da do Ultramar) sobre a guerra e foi isso, e isso apenas, que o fez cair. Foi essa a alavanca. O resto, como diz o Dragão, foi o surfar da onda pelos únicos que tinham prancha preparada...»
Um dos meios necessários à propaganda, quiçá o principal, é a predisposição para a receber. O anseio mais premente das gentes ultramarinas serviu à noção vitória no Ultramar, e o desejo imediato de escapar ir à guerra dos metropolitanos foi pasto para a noção contrária.
Claro que depois, no desnorte geral (a ausência do tal húmus), qualquer mito se vende justamente porque a predisposição é total. Quem não tiver ideia nenhuma do que é nem a onde pertence, carece de vontade à partida, salvos os instintos; por conseguinte pode ter as ideias todas que lhe proponham -- até a de dois homens se poderem casar...
Cumpts.
«O Cunhal veio de avião.»
Claro. Quem, chegou de comboio foi o outro, o Marocas.
Até porque de Moscovo, vir de comboio demorava uma porrada de tempo. UM Lenini 2.0, por correio aéreo. Evolução dos tempos e dos ares.
Pois Bic, mas não me convence.
É um erro substimar a propaganda bem feita atribuindo-lhe a eficácia a uma predisposição para a receber.
Que as pessoas estão predispostas a recebê-la é dado assente que deriva da própria existência da dita. Ninguém se daria ao trabalho de propagandear ideias, opiniões ou gostos se a coisa não funcionasse de uma forma geral.
Decerto há gente mais ou menos vulnerável conforme a propaganda. Mas é conforme a propaganda e não contra ou apesar dela. Haverá excepções, como em tudo, e o cinismo não terá, porventura, limite; mas sendo excepções, são raras.
Talvez, porém, por desnorte o meu caro se queira referir a efeitos de propagandas já em curso de antemão. Diferentes, mas não obstante complementares. Aí posso concordar consigo.
E o exemplo do casamento dos homens é apropriado.
Repare que não foi coisa que surgisse por geração espontânea. É apenas a mais recente (e não há-de ser a derradeira, para nosso constante azar) de uma cadeia de ideias, conceitos, opiniões e modas que vêm sendo promovidas ora subtil ora escandalosamente. Todas concorrendo, na essência e no método, para o sucesso umas das outras e mutuamente se suportando e complementando.
Umas abrem caminho a outras e assim sucessivamente.
Por exemplo,
uma das ideias, aliás opiniões, que toda a oposição a Portugal mais procurava difundir era a de que a guerra não podia ser ganha.
A dada altura, acontece um golpe de estado com o propósito anunciado de "resolver" a questão ultramarina; ora, essa "questão" não era outra senão a guerra. Era essa a questão, em concreto, na cabeça de toda a gente (na Metrópole).
Pois bem, ninguém poderia estar à espera que se viesse a ganhar a guerra - qualquer guerra - de um dia para o outro, que é tipicamente o que dura um golpe de estado. Portanto, o "resolver" do golpe de estado só podia significar uma coisa: perder a guerra.
Ou seja, o golpe de estado funcionou como confirmação da propaganda que o precedeu. Aquela gente toda saíndo à rua, rapidamente enquadrada por quem podia e sabia fazê-lo revestiu logo a ideia de confirmação popular.
Daqui umas vão confirmando as outras: de não poder vagamente ser ganha, a guerra passa a concretamente perdida, e passa a razão para quem a já dava como tal antes. E se tinham razão numa, passam a tê-la nas outras: não só estava perdida a guerra, como era opressora, como era colonial, como não foi senão uma gloriosa luta de libertação de povos oprimidos por guerrilheiros heróicos.
Entretanto, as opiniões dissonantes que se podiam fazer ouvir - que nem a contra-propaganda chegavam - eram rapidamente saneadas, depuradas, eliminadas no frenesim.
E a farsa continuava. Entretanto começariam a chegar os retornados, cada vez mais em estados deploráveis que apenas confirmavam visualmente a ideia já disseminada de que não passava de gente oportunista, exploradora, miserável. E por aí fora...
A este ponto já nada é planeado de trás, é o processo em auto-animação, em retro-alimentação.
E acho que o conceito que é esclarecedor aqui é mesmo esse da retro-alimentação.
Exactamente o mesmo fenómeno que acontece nos microfones conhecido pela designação em bárbaro "feedback".
Isso para mim explica o intrigante aparecimento dos tais comunas que ninguém via dantes.
Enviar um comentário