Como eu aqui venho expondo, plácida e baldadamente, ao longo dos anos, Portugal tem estado sem governo nos últimos decénios. Isto não significa nenhum atestado de excelência àquele conjunto de pessoas que governava o país antes do 25 de Abril. Significa apenas que aqueles que faziam oposição ao regime, a partir de 1974, transferiram-se para a Oposição ao país. Isto é, depois de derrubarem o regime, aproveitaram a embalagem, e trataram de derrubar o país. Era o que sabiam fazer: oposição. Foi o que continuaram a fazer, afincada e fervorosamente. Desbancado o governo que não permitia oposição, a oposição, ressacada e recalcada de mais de meio século de jejum, tratou de engendrar e instalar um regime de absoluta ausência de governo. De exclusiva e furiosa oposição. Onde as várias oposições respiram e acordam todas as manhãs para se oporem - umas às outras, por principio, e todas juntas ao país, por fim. Bem como a qualquer hipótese, ainda que remota e fantástica, de governo. No mínimo, depreende-se da dinâmica intrínseca desta gente, para compensar de cinquenta anos sem oposição, o país deverá penar cem anos sem governo.
Do mesmo modo, assim como a última forma de governo que o país experimentou se pautava por uma autocracia, esta substituta forma de desgoverno rege-se por uma heterocracia. Significa isto que assim como antes a responsabilidade pelo governo era dum só, agora essa mesma responsabilidade é de vários, terceiros, incertos, ou seja, dos outros, sempre os outros. Cada Oposição ao País (vulgo Desgoverno eleito) descarta-se e limpa-se, assim, na oposição precedente, o que esta, por seu turno, uma vez alcandorada ao poleiro, tratará de imitar na perfeição. Resulta disto que, distribuída a responsabilidade por terceiros, a responsabilidade acaba por nunca ser de ninguém. É claro que, como no momento actual, a Oposição-ao-País culpa a Oposição-ao-Governo e a Oposição-ao-Governo culpa a Oposição-ao-País, mas, daqui a dois meses lá vai tudo a eleicinhas e tudo decorrerá, então, na santa paz dos enterros, como se nada de (anor)mal tivesse acontecido. Até porque, como todos sabemos, não aconteceu. No fundo a Oposição fez o que sabia, lhe competia e em que está viciada: opôs-se. A tudo o que mexia ou tentava mexer-se ( a não ser, honra lhes seja feita, esses excepcionais que se puseram a mexer daqui para fora). No restante, cumpre-se a sina e o fado inerentes a um regime de alterne e alternadeiras, cuja única séria e genuína alternativa, enquanto não chega a vassoura da história, é, por alturas da pífia e manhosa urnoscopia, pura e simplesmente, nem meter lá os pés. Nenhum indivíduo está em condições de amar a pátria, se antes disso não começar por desenvolver amor pelas suas próprias vértebras.
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