O capitalismo está onde sempre esteve: falido; e o Mercado é uma fantasia que alguns papagaios de serviço teimam em investir com os atributos de divindade omnisciente e omnipotente. Notem que quando eu digo "o capitalismo" quero tudo menos significar o "sistema capitalista". "Sistema capitalista" constitui um dos maiores oximoros ao cimo deste planeta de otários. Colocar "sistema" e "capitalismo", mais que na mesma frase, no mesmo conceito, equivale a reunir na mesma solução a água e o azeite. O réptil e a ave. Quando refiro "capitalismo" designo, pois, a realidade e não a quimera.
O Capitalismo, dito com propriedade, consiste, desde sempre, numa multiplicidade de esquemas sob um denominador comum: lucro. Sendo que a característica intrínseca e régia dessa multiplicidade é a ausência de freio ou limite, seja em termos éticos, seja em termos políticos, seja, ainda mais, em termos estritamente económicos. Essa, de resto, é a sua tendência motora permanente e obsidiante: o demandar sempre mais e mais, numa lógica bruta, fria e cega de pura acumulação. No capitalismo - a que o maquiavelismo serve, em simultâneo, de pajem e cábula - nem a moral, nem a sistematização são para ali chamados. Ou não tivesse resultado, tal aventesma, precisamente da ausência quer de moral, quer de sistema. Ou não germinasse, tamanho aborto, precisamente duma falência: a da civilização europeia.
Por isso, investi-lo de qualquer sistema, moral, finalidade, princípio ou, pior ainda, ideologia, só não raia a bacoquice porque, em bom rigor, a ultrapassa a galope. O capitalismo não cumpre ideologias, receitas nem programas: excede-os. Dizendo melhor: serve-se deles. Conferir-lhe qualquer uma dessas roupagens putativas é atribuir-lhe limites ou definições, ou seja, é mascará-lo e cobri-lo daquilo que ele, de facto, não é.
Assim, a ideia de que há um capitalismo benigno e um capitalismo selvagem é, sem sombra de dúvida, dos delírios mais tansos que me foi dado assistir nesta vida. Mais que alheamento, requer aturdição. É como dizer que o crocodilo se comporta pessimamente à solta num rio, mas devém óptima companhia uma vez confinado às paredes duma piscina pública ou tanque municipal.
No entanto, concorrendo em paralelo com esta perspectiva delirante, existe e persiste, anedoticamente, uma outra ainda mais cómica: a de, pelos mais diversos meios e fórmulas peregrinas ou dissolventes, querer destruir o capitalismo. É como querer destruir a destruição, arruinar a ruína, corroer a corrupção ou desmantelar o caos. É como combater corpo a corpo contra areias movediças. O capitalismo agradece. Depois de, geralmente, ter promovido, pago e agenciado.
Por conseguinte, nesse sentido paradoxal, o capitalismo é inatacável e indestrutível. Não se combate, não se desmonta, nem se derruba. Requer, outrossim, alguns procedimentos básicos de abordagem, de que saliento apenas dois, ambos indispensáveis: tanto quanto inalar, evitar pisar-se. Pois tão perigosa quanto a sua toxicidade, só mesmo a sua peganhentice.
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